A HERANÇA DA SANTA MADRE TERESA DE CALCUTÁ

A HERANÇA DA SANTA MADRE TERESA DE CALCUTÁ

Utilização equitativa das terras na Índia

Ao abrigo de uma lei datada de 2001 e adoptada para promover o “desenvolvimento e utilização equitativa das terras” – diploma esse aprovado pelo Estado de Bengala Ocidental, na Índia –, cerca de cinco mil residentes do bairro da lata de Motijheel, onde coabitam cristãos, muçulmanos e hindus, irão em breve viver numa terra a que podem, finalmente, chamar sua. O Estado de Bengala Ocidental acaba de colocar um vasto terreno ao cuidado das Missionárias da Caridade de Motijheel, o local onde Madre Teresa começou o seu trabalho ao serviço dos pobres, em 1948, lembrando-se ainda muito bem da sua presença alguns dos moradores mais velhos.

A boa nova foi anunciada pela Irmã Mary Joseph, superiora geral das Missionárias da Caridade – congregação que não só oferece apoio educacional, como também ministra cursos de alfaiataria para mulheres –, num evento organizado na escola Nirmal Hriday (Imaculada Coração), em Motijheel. «Há 75 anos, Madre Teresa chegou a esta localidade e aqui deu início à sua grande obra, hoje visível um pouco por todo o mundo», disse a propósito Derek O’Brien, o deputado que ajudou as irmãs a obterem a terra. Comentaria a superiora geral, à frente dos destinos da escola Nirmal Hriday de 2016 a 2019: «Esta generosa oferta foi um exemplar gesto por parte das autoridades. Para servir os mais pobres é preciso fazer parte da sua vida e compartilhar as suas dificuldades. Os mais necessitados não têm água, dispõem de instalações sanitárias precárias e o seu espaço vital é limitado. E, no entanto, irradiam esperança e transparecem alegria no seu dia-a-dia».

Mas, afinal, quem foi Madre Teresa? Nasceu Agnes Gonxha Bojaxhiu (assim se chamava) em Skopje, na Macedónia, a 26 de Agosto de 1910, filha de pais de ascendência albanesa. A sua família vivia confortavelmente. O progenitor, empresário e empreiteiro, envolveu-se na política e morreu quando Agnes tinha apenas oito anos. A mãe, mulher muito piedosa, costumava convidar os pobres da cidade para jantar com eles. Quando Agnes lhe perguntava acerca dessas pessoas sentadas à mesa familiar, ela dizia-lhe apenas isto: «alguns são nossos parentes, mas todos somos o mesmo povo». A resposta causou profunda impressão na jovem que muito cedo ficara fascinada com a vida dos missionários em Bengala. Aos doze anos, Agnes decidiu comprometer-se com a vida religiosa. Quatro anos depois deixava a casa paterna para se juntar às Irmãs de Loreto, em Rathfarnham, na Irlanda, com a intenção de se tornar missionária. Após um ano no Convento de Loreto foi enviada para Darjeeling, na Índia, para iniciar o noviciado. Ali aprendeu Bengali, e mais tarde, já em Entally, bairro no centro de Calcutá, assumiu o cargo de directora de uma escola da caridade associada ao seu convento.

Irmã Teresa (como era conhecida na época) tinha por hábito olhar pela janela da sala de aula para se inteirar das condições de vida das pessoas do bairro de lata de Motijheel, ali próximo. Em 1943, a província de Bengala – espoliada dos seus cereais, que foram alimentar as tropas britânicas numa Europa em guerra – experimentou uma devastadora fome. Cerca de três milhões de pessoas morreram de fome, malária e outras doenças. Muitas famílias ficaram desabrigadas e as mulheres viúvas. E como as viúvas eram consideradas cidadãs de segunda classe na cultura bengali, muitas delas acabaram a mendigar nas ruas de cidades como Calcutá.

Dentro dos muros da escola, Irmã Teresa levava uma vida bastante confortável. Mas sempre com plena consciência da pobreza que a rodeava. Em Dezembro de 1948 decidiu finalmente visitar o bairro de Motijheel, pronta a viver no seio dessa gente desafortunada. Mas só mais tarde, depois de convencer algumas das irmãs da sua congregação e o arcebispo de Calcutá, teve autorização da Santa Sé para deixar o convento e colocar-se ao serviço dos mais pobres dos pobres.

Para a maioria das pessoas, Madre Teresa depressa passaria a ser apresentada como um modelo de caridade, compaixão e abnegação. Para os sem-tecto e os destituídos, aquela freira era simplesmente “o farol que dava esperança à sua existência desesperada”. Apelidada de “A Santa Viva”, Madre Teresa causou um impacto profundo na vida de muitas pessoas e inspirou-as para que pudessem ajudar a tornar o mundo um local mais justo e humano. A jornada de Teresa, porém, não foi nada fácil. Seria inúmeras vezes criticada e humilhada, mas tal não a impediu de continuar a dedicar a sua vida a cuidar dos doentes, dos pobres e dos desfavorecidos. No processo, desafiou estereótipos, quebrou limites e ensinou-nos, a todos, a verdadeira essência da caridade.

Freira missionária, uma das maiores figuras humanitárias do Século XX, Madre Teresa fundou as Missionárias da Caridade – uma organização religiosa dedicada a ajudar os pobres – e através dessa instituição conseguiu levar a cabo iniciativas que a tornaram um ícone da caridade em todo o mundo. Seria ela aquela velhinha encurvada, vestindo um sari branco com bordas azuis e de aparente aspecto frágil, que o Papa Francisco canonizaria em 2016, mas que anos antes fora prendada já com o Prémio Nobel da Paz.

Mesmo décadas após a sua morte, a vida e as obras de Madre Teresa de Calcutá continuaram a inspirar as pessoas e provavelmente continuarão a inspirar as novas gerações.

Joaquim Magalhães de Castro

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