Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo
No primeiro Domingo a seguir ao Pentecostes, a Igreja celebra a Festa da Santíssima Trindade, que neste ano de 2022 cai no próximo dia 12 de Junho. Esta Festa celebra o mistério da Trindade Divina, una na substância e trina nas Pessoas. A Trindade é o dogma central sobre a natureza de Deus na maioria das igrejas cristãs. Esta crença afirma que Deus é um único ser que existe como três pessoas distintas ou hipóstases: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Na história desta Festa recordamos o monge inglês Alcuíno de Iorque (635-804), que compôs uma missa em honra da Trindade como missa votiva. Um pouco depois, temos Estêvão, bispo de Liège, no Século VIII, que instituiu a Festa na sua diocese e compôs o ofício que se recita ainda hoje. Mais tarde, no Século XII, o Papa Alexandre III reprovaria a celebração, que só viria a ser reconhecida e confirmada pelo Papa João XXII, no início do Século XIV.
A Santíssima Trindade é um mistério insondável e assim continua a ser, para além de todas as argumentações teológicas. É o mistério por excelência da fé cristã e encontra suas raízes vetero-testamentárias no Deuteronómio, onde se afirma a unicidade de Deus: «Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é um só!» (Dt., 6,4), e em Isaías que o confirma: «Eu sou o Senhor e não há outro, fora de mim não existe Deus» (Is., 45,5). Também o Novo Testamento é explícito na afirmação trinitária, por meio das próprias palavras de Jesus: «fazei discípulos por todos os povos, baptizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (Mt., 28,19). Também Paulo e João expressaram em fórmulas trinitárias de oração e de fé: «Há uma diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito» (1Cor., 12,4), ou «A graça do Senhor Jesus Cristo e a caridade de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós» (2Cor., 13,13). «Quando vier o Paráclito, que vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que procede do Pai, ele dará testemunho de mim e vós também testemunhareis porque desde o princípio estais comigo» (Jo., 15,26).
CONTROVÉRSIAS
O mistério da Trindade não pode ser compreendido porque é um mistério. Já Santa Joana d’Arc afirmava que “Deus é tão grande que supera a nossa ciência”; está, pois, para além da compreensão humana. A imensidão do mistério trinitário foi afirmada por Santo Agostinho de Hipona (354-430), quando refere que um dia estava a caminhar junto ao mar e viu uma criança a escavar na areia; Agostinho perguntou então o que estava ele a fazer, tendo a criança respondido que pretendia colocar toda a água do mar naquele buraco. “Mas não percebes que é impossível!?”, respondeu incrédulo Santo Agostinho, tendo o menino retorquido que é “mais possível colocar toda a água do mar no buraco do que tentar colocar o mistério da Trindade na sua cabeça”.
A dificuldade de entendimento da Trindade pelo senso comum foi sempre grande, mas vale a pena recordar o exemplo do grande santo irlandês, Patrício (385-461), o qual, para explicar este mistério, o comparava a uma folha de trevo. Cada folha é diferente, mas as três formam o trevo. A mesma coisa acontece com Deus onde cada pessoa é Deus e as três formam a Santíssima Trindade. Sábia explicação, usando o que mais havia nos prados verdes da Irlanda, os trevos (shamrock), símbolos da ilha.
Tertuliano (16-220), erudito latino, foi o primeiro a usar o termo “Trindade” (Trinitas), por volta do ano 215. A definição do Concílio de Niceia (325), apoiada desde então com mínimas mudanças pelas principais denominações cristãs, procurou afirmar que o Filho era consubstancial (ὁμοούσιον, homousion, literalmente: “da mesma substância”) com o Pai. Essa fórmula foi contestada e a Igreja conheceu polémicas e heresias em torno da definição trinitária, factor de divisão e de conflitos teológicos, até que a “fé nicena” foi reafirmada no Concílio de Constantinopla em 381. Prisciliano (340-385), nesse período, contestou o dogma da Santíssima Trindade, tendo sido o primeiro herege supliciado, em 385. A Trindade é a fonte de muitas e polémicas heresias. Todavia, subsiste até hoje, no baptismo cristão como na afirmação de fé, sendo uma Solenidade importante na Igreja.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa
LEGENDA:Primeiro Concílio de Niceia, ano 325