Domingo de Ramos
“Hossana! Hossana! Bendito o que vem em nome do Senhor!” Montado na cria de uma jumenta, conforme estava escrito, chegava o Rei a Jerusalém. E toda a gente se foi com Ele, em júbilo, com ramos de palmeira, saindo-lhe ao encontro, em aclamação. Fora assim há quase dois mil anos, no começo da Semana da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Da glória messiânica à confirmação salvífica na Cruz, de Jerusalém à Casa do Pai, eis a Páscoa do Senhor.
O Domingo de Ramos é uma festa móvel cristã celebrada no Domingo imediatamente anterior à Páscoa. É pois uma festa, que comemora a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, acontecimento da vida de Jesus narrado pelos quatro Evangelhos canónicos (Marcos 11:1, Mateus 21:1-11, Lucas 19:28-44 e João 12:12-19). Na liturgia romana, na Igreja Católica portanto, este dia recebe o nome de “Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor”. Em muitos países, a sua designação traduz-se por “Entrada em Jerusalém”, “Festas das Palmas” ou “Ingresso de Cristo”, por exemplo.
Os Evangelhos são praticamente unânimes no teor da narrativa desta entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Chegou montado num jumentinho, que antes pedira para o irem buscar para lhe servir de montada, de acordo com o que estava escrito. Depois, o povo, em aclamação festiva, sai-lhe ao caminho e bordeja-lhe a passada, lançando os seus mantos para a frente, colhendo ramagens e folhas de palmeira, que depois atiravam para servir de tapete na via. A ligação ao Antigo Testamento mais uma vez se desenha na narrativa do acontecimento, quando a multidão, em apoteose, cantava um excerto de um salmo (Salmos 118,25-26): “Senhor, salva-nos! Senhor, dá-nos a vitória! Bendito o que vem em nome do Senhor!” Este salmo, profético e prefigurativo, de exaltação e de triunfo, continua assim, curiosamente: “Entrançai as ramagens de festa até às hastes do altar”. O salmo da pedra angular, que os construtores rejeitaram, de proclamação do dia da vitória do Senhor, “cantemos e alegremo-nos n’Ele!” Na angustia, no sofrimento, na dor, cante-se ao Senhor e Ele não esquecerá aqueles que O exaltam. Um salmo veterotestamentário, de acção de graças, de júbilo, uma semana antes, precisamente, da pedra angular ser sacrificada em nome da Salvação, em nome do Pai! É de facto importante atentarmos a esta conexão entre o Antigo e o Novo Testamento, no cumprimento messiânico que se exalta no Dia de Ramos.
Outras simbólicas
O jumentinho, ou “cria de jumenta”, é outra referência simbólica deste dia. O jumento, ou burro (asno) é um animal de paz, de boa índole, manso, por oposição ao animal de guerra que é o cavalo, belo e altivo, belicoso e rápido. O jumento é rejeitado sempre em função do cavalo, o preferido dos homens. A humildade trocada pela exuberância, a pompa, o vistoso. A paz, a mansidão, a serenidade asinina preterida pelo equino. Como a pedra angular, simples, humilde, rejeitada… os reis que queriam a guerra entravam montados em cavalos, nas tradições orientais antigas, mas se queriam a paz vinham num jumento, como canta o Salmo. Jesus entrou de forma triunfal e festiva em Jerusalém, sem dúvida, mas em paz, em aliança e concórdia.
Tudo em Jesus é o momento, é a força do presente. Mas há sempre uma ligação ao passado, sem obsessão ou prisão, como já referia profeticamente Isaías. Jesus, torrente de água no deserto, vida e alegria, é também futuro, intemporalidade. O Domingo de Ramos sublima essa marca crística, nomeadamente através do texto de Lucas (19,41): “Quando se aproximou, ao ver a Cidade, Jesus chorou sobre ela e disse: Se neste dia também tu tivesses conhecido o que te pode trazer a paz. Mas agora isto está oculto aos teus olhos…” O texto continua, em previsão do padecimento e sofrimento por que passará a Cidade. Revisitação de profecias, visão do mundo, sentido do futuro, os homens fecharam os olhos e não quiseram ver ou entreler nas lágrimas de Jesus.
Os ramos de palmeira eram sinal de grandes honras para quem entrava em triunfo numa cidade, no mundo antigo, em particular na civilização judaica. A Bíblia atesta-o bastas vezes. Mantos, juncos, etc., são acrescentados pelos Evangelhos Sinópticos (Lucas, Mateus, Marcos) nesta descrição, cobrindo a via de progressão de Jesus no jumentinho. João refere ramos de palmeiras, símbolos de triunfo e vitória na tradição judaica (como grega e mediterrânica oriental, enfim) como já é mencionado no Levítico (23,40) e Apocalipse (7,9). A folha da palmeira tem a significação da vitória sobre a morte, a eternidade, imortalidade, mas também, no mesmo sentido até, de fecundidade e de regeneração, de vida e salvação. No deserto, afinal, a imagem de uma palmeira não é símbolo de água, de vida, de salvação, de alegria na travessia sequiosa e sofrente das areias e agruras da aridez? Como o caminho do cristão, na vida, no sofrimento, quando contempla a palmeira, símbolo regenerador, ou seja, o Salvador em paz e humildade, intemporal, num animal pacífico e manso. A caminho do sacrifício, sim, mas da vitória sobre o mal, sobre o deserto, numa antevisão da Parusia salvífica da Páscoa.
A tradição
Último Domingo da Quaresma, antes da festa da Páscoa, é uma celebração comemorativa que se inicia com uma bênção de ramos: palmas, ramos de oliveira, outras folhagens verdes, conforme os climas e as regiões, ou tradições locais. Em muitas tradições cristãs, o Domingo de Ramos é conhecido pela distribuição de folhas de palmeiras para os fiéis reunidos na igreja. Em lugares onde estas não se obtêm devido ao clima ou por outras dificuldades, usam-se ramos de diversas árvores ou arbustos, numa dimensão mais simbólica. Segue-se uma procissão, com os ramos a serem levados pelos fiéis, para depois os fixarem nas suas casas, junto dos crucifixos, ou até colocados nos túmulos, como sinal da vitória final de Cristo sobre a morte. Aliás, esta é uma das dimensões simbólicas mais fortes dos ramos, das palmas, símbolo da vitória, dos mártires e da apoteose da salvação. Com a reforma litúrgica operada no Concílio Vaticano II, em vigor a partir de 1965, lê-se o texto da Paixão neste Domingo tão especial, pois a celebração desta está interligada com o Dia de Ramos.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa