Uma forma auto-suficiente de estar na sociedade.
Com a aproximação de mais um aniversário da fundação da República Popular da China, O CLARIM analisa, nesta e na próxima edição, o fenómeno da diáspora chinesa em Portugal.
País tradicionalmente fornecedor de emigrantes, Portugal é hoje um destino de imigrantes. Muitos deles vindos da China. Sobre a sua presença e a forma como se organizam e se vão adaptando à realidade portuguesa, tem-se debruçado nestes últimos tempos o historiador Alfredo Gomes Dias, durantes largos anos residente em Macau.
Portugal, todos concordarão, é hoje um país bem mais plural e colorido do que era há duas décadas atrás. Para essa diversidade multiétnica em muito contribuiram as vagas sucessivas de emigrantes asiáticos que se seguiram à dos africanos, dos eslavos e latinos do leste europeu e à dos brasileiros. E contra o que se possa dizer, esses povos asiáticos, à semelhança dos ucranianos, moldavos ou romenos, também se adaptam à nossa forma de viver. É o caso dos chineses. Que em Portugal vivem muito à sua maneira. Uma maneira, de certa forma, quase auto-suficiente que praticamente dispensa terceiros, mediadores entre imigrados e autoridades, o que não evita que mesmo assim marquem presença em termos associativos. Associações de cariz chinês, em Portugal, são catorze. Um número relativamente significativo se tivermos em conta que, até 2002, residiam em Portugal quatro mil 766 chineses devidamente legalizados, cuja média de idades rondava os trinta anos. Outros tantos, presume-se, estarão em situação irregular. E nesse aspecto os números são vários e díspares na sua soma. As diferentes associações, que divergem nos propósitos – de carácter económico, político, religioso, cultural e até desportivo – embora os possam congregar todos ou pelo menos parte deles, funcionam como canais de diálogo com as autoridades portuguesas, ao mesmo tempo que contribuem para que seja mantida a ligação ao país natal.
«Desde 1991 que a China se posiciona no décimo lugar no conjunto de países de origem de imigrantes em Portugal», diz-nos Alfredo Gomes Dias a respeito das diferentes vagas de imigração chinesa que foram chegando. Aquela que o historiador denomina como «primeira geração» surgiu em Portugal na sequência do período de descolonização, anos 1974-75, «enquadrada num processo específico de mudanças económicas, sociais e políticas que têm ocorrido no País depois de 1974», e era composta sobretudo por chineses oriundos de Moçambique, de nível educacional acima da média, muitos deles quadros técnicos superiores que dominavam a língua portuguesa e possuíam passaporte nacional. A esses, a integração no tecido nacional não foi tarefa complicada. O mesmo não se poderá dizer da segunda vaga de imigrantes que ao longo da década de 80, resultado das reformas económicas encetadas por Deng Xiaoping, foi arribando ao sul da Europa, oriunda das regiões litorais da China, sobretudo da província de Zhejiang e da prefeitura de Xangai. Para chegar a Portugal havia dois trajectos possíveis. A via aérea, directa, socorrendo-se para isso, os candidatos, de um visto de turismo ou de negócios. A segunda, mais esquiva e longa, optando por um trajecto terrestre utilizando como meios de transporte o carro e o comboio, e fazendo trampolim noutros países da União Europeia (Holanda, Alemanha, França) para atingir Portugal. Essa vaga teve o seu máximo expoente entre 1999 e 2001, e a tendência de crescimento manteve-se elevada até ao presente. Alfredo Gomes Dias diz que «as estatísticas revelam-nos um ritmo significativo de crescimento da população estrangeira com residência legal em Portugal, assumindo as comunidades africanas os maiores quantitativos, mas é entre a população chinesa que se regista a mais elevada taxa de variação».
A emigração chinesa encontra-se repartida por todo o território nacional, ao ponto de se poder dizer que não há cidade, por mais pequena que seja, onde não resida, pelo menos, uma família chinesa. A comunidade, no entanto, encontra-se fortemente concentrada na área metropolitana de Lisboa, onde residirão 50 por cento dos imigrantes. Seguem-se depois o grande Porto e o Algarve, e num terceiro patamar as cidades de Braga, Aveiro, Coimbra e Setúbal. Em Lisboa a forte concentração de chineses (e outros povos asiáticos) na Mouraria e no Martim Moniz leva Alfredo Gomes Dias a perguntar se não estará ali o embrião de uma futura chinatown, embora admita que seja prematuro prever algo do género. Sobre este assunto, escreve: “As estratégias de marketing utilizadas e a oferta de novos produtos levaram à revitalização urbana e comercial destes espaços. Os produtos que comercializam são adquiridos por clientes exteriores à sua comunidade, nacionais e estrangeiros, competindo com o comércio nacional pelos baixos preços praticados e grande diversidade de ofertas. Segundo alguns autores, este mercado local começa a ser um centro abastecedor de outros empresários chineses da fronteira espanhola”.
Joaquim Magalhães de Castro