Apóstolo do Sri Lanka
Já passaram alguns meses, mas vale sempre a pena recordar.
No dia 14 de Janeiro deste ano teve lugar em Colombo, no Sri Lanka, a canonização do padre José Vaz, natural de Goa, que entre 1687 e 1711 desenvolveu um apostolado fervoroso e heróico naquela ilha. Trata-se de um sacerdote da Congregação do Oratório de Goa que, trabalhando num ambiente hostil, decorrente das perseguições dos holandeses, conseguiu recuperar e construir novas comunidades católicas.
A organização deste evento foi exímia e preparada com muito entusiasmo. Toda a cidade estava engalanada com cartazes, dísticos e pequenas bandeiras, representando as figuras do padre José Vaz e do Papa Francisco, com palavras de respeito e afecto, como “Holy Father we love you”.
Foi uma autêntica apoteose a recepção ao Papa. A população havia-se apinhado nas artérias principais de Colombo com uma grande antecipação para o ver passar. E o Santo Padre, de 78 anos de idade, retribuiu generosamente, em gestos muito carinhosos, levando duas horas a calcorrear a estrada ao longo de vinte e cinco quilómetros. Aliás, haviam sido concedidos dois dias de dispensa, para que a população pudesse participar neste grande acontecimento.
A cerimónia da canonização teve lugar junto ao mar, em Galle Face Green, vastíssima extensão de praia, onde se congregou cerca de um milhão e meio de crentes católicos, mas também alguns muçulmanos e budistas. Curiosamente, no mesmo local havia sido beatificado em 1995 o padre José Vaz pelo Papa João Paulo II, que o intitulara então “Apóstolo do Sri Lanka”. Tenha-se presente que apenas 7% da população do Sri Lanka é católica, num país com vinte e dois milhões de habitantes. Entre os peregrinos contavam-se mais de dois mil católicos goeses, segundo se disse.
Um conjunto de cento e vinte clérigos, incluindo quatro cardeais, vinte e cinco arcebispos e bispos, bem como representantes do clero diocesano e regular do Sri Lanka acompanharam o Santo Padre no recinto do altar. Além destes, mais de seis mil sacerdotes rodeavam o altar.
A extensa área onde teve lugar o evento formava, grosso modo, uma grande quadrícula metálica. Dividida em pequenos espaços rectangulares onde as pessoas se acantonaram, fazendo lembrar aqueles que, recostados sobre a terra e agrupados em ranchos de cinquenta, foram saciados pelo Senhor na multiplicação dos pães. Reinava um ambiente de espera tranquila, em que até as autoridades policiais colocadas estrategicamente nos corredores entre os ditos espaços transmitiam paz, serenidade.
Este acto religioso ficou marcado pela sua grande dignidade, como o demonstra o altar, expressamente construído para esse fim, com símbolos bíblicos e decoração puramente cingalesa. Também os paramentos dos sacerdotes ali presentes estavam bordados com simbologia da canonização, bem como algumas alfaias religiosas exibiam o mesmo tema, comprovando assim a fé deste povo, traduzida no esmero de todos os pormenores. A esta gravidade religiosa aliou-se um grande fervor, que se expressou em momentos de silêncio e de profunda interioridade.
Numa época de grande descristianização como é a nossa, a caminhada deste Santo pode representar um forte incentivo para o nosso empenhamento na recristianização do mundo, construindo comunidades novas comunidades católicas, já que os ventos da História foram destruindo as existentes. Com efeito, o padre José Vaz encontrou no antigo Ceilão igrejas arrasadas, populações católicas perseguidas ou privadas de culto, mas não vacilou. Com a sua coragem, persistência e confiança no Alto, reavivou a prática religiosa quase inexistente de muitos cristãos, com o recurso aos sacramentos. Utilizando estratégias adequadas, criou novas comunidades católicas que se foram multiplicando ao longo dos séculos. Como o grão de mostarda, que sendo a semente mais pequena produz uma árvore frondosa, assim sucedeu no Sri Lanka, onde hoje vive uma população de mais de um milhão e meio de católicos. Que surjam muitos missionários da envergadura do padre José Vaz para evangelizar o mundo!
Maria de Jesus Lopes
Historiadora