Somos o Povo de Deus, a Ele pertencemos
«Falai a toda a comunidade de Israel e dizei: “Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo”» (Levítico 19, 2).
Certa vez, perguntei a uma jovem: «– Tu queres ser santa?». Ela respondeu de forma enfática: «– De modo algum…!». Também disse a um acólito: «– Tu és chamado a ser santo». Ele respondeu, em jeito de brincadeira: «– Não padre, isso não é para mim». Fiquei triste ao perceber que alguns dos nossos jovens, que pertencem às nossas comunidades, nem sequer sabem o que significa “ser santo”.
Questiono-me que conceito de santidade se aloja nas suas mentes? Talvez lhes estejamos a apresentar alguns estereótipos de pessoas santas, com as quais não se conseguem conectar. Creio que por vezes nos apegamos a um modelo de santidade muito individualista: santos são aqueles que fazem milagres, estão ao mesmo tempo em dois locais diferentes, levitam, e uma vez convertidos nunca mais erram… Muitas “vidas de santos” repetem as mesmas características dos santos que viveram há muitos anos e até mesmo com séculos de diferença entre si. Este é um tipo de leitura que muitas pessoas não conseguem entender hoje.
Santidade significa pertencer-se a Deus, é sermos o Seu povo e vivermos em comunhão de amor.
No passado Domingo, 12 de Fevereiro, realizei uma experiência de santidade. A comunidade de língua portuguesa da paróquia de Nossa Senhora do Carmo, na Taipa, prepara-se para a Jornada Mundial da Juventude em Portugal. Queremos enviar os nossos jovens para participarem nesta actividade, porque acreditamos que é uma grande oportunidade para crescerem na fé e na santidade. Para tal, as famílias dos jovens organizaram uma barraca de café, com bolos, tortas e biscoitos, para arrecadar algum dinheiro para ajudar nas despesas da viagem a Portugal.
Foi tão lindo vê-los compartilhar algum tempo juntos, no parque ao lado da nossa igreja, depois da Missa Dominical. Após uma hora de venda ao público, juntaram-se mais crianças, os catequistas e os jovens missionários, vindos da Escola Dominical, e por ali ficaram também eles uma hora. Acabaram com todos os bolos!
A nossa comunidade de língua portuguesa é um grupo multicultural de famílias provenientes não só de Portugal e do Brasil, mas também da Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde, e de países hispânicos, como Venezuela, Colômbia e Espanha. O que mais me surpreende é que esta “comunidade viva” vem atraindo outras pessoas, que ainda não são católicas, para a nossa missa. Alguns casais não católicos trazem os seus filhos para a nossa Escola Dominical ou, como lhe chamávamos, “Infância Missionária”. Depois de receber o Sacramento da Confirmação, os nossos jovens missionários servem como guias ou catequistas para as crianças. E as crianças adoram! Pude testemunhar como a nossa comunidade cresceu a partir da verdadeira fonte da vida cristã, a Eucaristia: acólitos, ministros da Eucaristia, leitores, catequistas, jovens missionários, crianças, famílias, todos se reúnem para juntos celebrarmos todos os Domingos.
Na Primeira Leitura de hoje, do livro de Levítico, Deus dirige-se à “comunidade dos filhos de Israel” e diz-lhes para serem santos, tal como Ele é santo. O mesmo acontece com o Evangelho; Jesus diz aos seus discípulos: «Sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai que está nos céus» (Mt., 5, 48), fazendo eco do que Deus nos ensinou em Levítico 19, 2. Israel, e depois a Igreja, são chamados a entrar em comunhão com o Único que é Santo e fonte de toda a Santidade, o Totalmente Outro, o Deus Trino. Sua santidade é explicada no Salmo 103: «O Senhor é bondoso e misericordioso».
Deus santifica-nos, permitindo-nos entrar no Seu “espaço sagrado”, o que devemos fazer com admiração e reverência, como Moisés aproximando-se da sarça ardente (Êxodo 3, 5). Ele torna-nos Seus, nós somos o Seu povo. Fomos criados à Sua imagem: Deus é amor, Deus é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Jesus veio para reunir as ovelhas perdidas de Israel (Lc., 13, 34), e a partir desse descanso edificou a Sua Igreja. Pedro estremeceu de medo ao experimentar a santidade de Cristo e pediu-Lhe que se afastasse dele, porque era pecador. Jesus disse a Pedro e aos seus companheiros que os faria «pescadores de homens» (Lc., 5, 10), ou seja, os discípulos-missionários de Jesus que fundariam novas comunidades cristão-eucarísticas.
Paulo escreve aos Coríntios, que eram uma comunidade pequena, mas muito conflituosa. Questiona-os com severidade: “Vós não sabeis que sedes o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?”. De seguida, refere algumas pessoas em particular, que não conhecemos: “Se alguém destruir o Templo…” – pois, ao que parece, algumas pessoas estavam a destruir a comunidade com ciúmes, calúnias, luta pelo poder, etc. E então acrescentou: “Que ninguém se engane a si próprio”. Vangloriar-se do seu conhecimento, “status”, sabedoria e habilidade, também leva à vaidade e ao vazio.
A nossa sabedoria deve ser a dos pequeninos de Deus, dos pobres de espírito, que pertencem totalmente a Ele: “Tudo vos pertence, vós a Cristo e Cristo a Deus”. Essa é a verdadeira sabedoria, a sabedoria da Cruz, o amor de Cristo, que nós, a Igreja de Jesus, construímos, e temos para oferecer ao mundo.
A Igreja deve ao mundo o amor incondicional d’Aquele que tudo deu por nós, d’Aquele que tirou o manto para lavar os pés dos seus discípulos, d’Aquele que foi despojado de todas as suas vestes e morreu, nu, na cruz.
Quereis ser santos? Quereis pertencer a Deus? Ele vos enviará ao mundo.
PE. EDUARDO EMILIO AGÜERO, SCJ