Sinais de amor
As Cinco Chagas de Jesus Cristo, ou do Senhor, também denominadas de “pragas” na forma arcaica, são uma expressão devocional alusiva aos cinco ferimentos que Jesus Cristo recebeu na sua crucificação. Estava ainda vivo, tendo-Lhe sido infligidas perfurações nas mãos e nos pés, feitas pelos pregos que o prenderam à cruz. Depois, já estava morto, mas como forma de assegurar a sua morte, recebeu um golpe de lança no lado direito, que lhe perfurou o tórax.
Do ponto de vista teológico, o culto das chagas recorda a dimensão humana de Cristo, apresentando-as como um emblema do seu sofrimento. Para alguns teólogos, representam a ligação de Jesus ao Antigo Testamento, pois apresentam-No como o cordeiro levado à imolação na profecia de Isaías.
A devoção às Cinco Chagas foi iniciada por São Francisco de Assis, que segundo a tradição, quando o Poverello estava em êxtase no Mont’Alverne, no Verão de 1224, as recebeu na forma de estigmas directamente do Crucificado no seu próprio corpo. Por isso, a Ordem dos Frades Menores, ou Franciscanos, tem sido uma das principais promotoras desta devoção, à qual associa diversos símbolos que representam as chagas como seus emblemas. Por um lado, temos a corda franciscana, com cinco nós, embora a que cinge o hábito, o cíngulo, tenha três que representam os votos da pobreza, castidade e obediência. Outro emblema é o abraço franciscano, ao redor de uma cruz acrescentada a uma nuvem, com dois braços cruzados com as palmas estendidas mostrando as chagas. Um dos braços aparece nu (representando Jesus Cristo) e o outro vestido com o hábito de burel franciscano (representando São Francisco de Assis). Este símbolo alude à lenda que narra como Jesus no crucifixo, em forma angélica de Serafim (seis asas ao rubro), diante do qual estava São Francisco em oração, baixou um braço da cruz para abraçar o santo de Assis num amplexo, ou abraço. A devoção às chagas levou à criação da piedosa prática do Exercício das Cinco Chagas. Da mesma forma, o culto das chagas está também ligado à devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
Com efeito, enquadrado nas devoções da Paixão de Cristo, logo no âmbito da Quaresma e da Páscoa, o culto e a devoção às Cinco Chagas de Cristo estão intimamente relacionados com a devoção ao Sangue de Cristo e com o culto de adoração pelo qual a Igreja presta homenagem à Santa Cruz, instrumento no qual foi consumado o sacrifício redentor do Filho de Deus.
Antes da popularização franciscana, podemos referir que o culto do Sangue de Cristo e das Cinco Chagas remonta à antiguidade cristã, mas não de forma objectiva ou disseminada. Na verdade, a sua popularidade começou na Idade Média, quando as ditas devoções impregnaram tanto a liturgia oficial da Igreja como as manifestações de piedade popular tão do agrado dos simples fiéis, sobretudo por estarem muito intimamente ligadas à Paixão do Senhor. O renascimento da vida religiosa e a intensa actividade de São Bernardo e São Francisco nos Séculos XII e XIII, juntamente com o entusiasmo dos Cruzados que voltavam da Terra Santa, deram com efeito um impulso forte à devoção da Paixão de Jesus Cristo, particularmente às práticas em honra das chagas das suas Sagradas Mãos, Pés e Lado.
De facto, tais devoções logo passaram a fazer parte das irmandades penitenciais que surgiram na Península Ibérica desde finais do Século XV, a ponto de servirem de título ou insígnia de muitas dessas instituições. Antes de São Francisco, como se disse, já os grandes místicos medievais eram muito devotos destes cinco sinais do amor de Deus: Santa Brígida, por exemplo, desenhou o hábito das religiosas da sua ordem de tal forma que cinco cruzes vermelhas aparecem no toucado preto em memória das cinco feridas; São Boaventura, um franciscano, cantava as Chagas de Cristo como se fossem flores, rosas vermelhas da paixão, que derramam rios de sangue precioso. Sabe-se que o beato dominicano alemão Henrique Suso tinha o hábito de tudo beber em cinco goles, em homenagem às Cinco Chagas; ou também Santa Ângela de Foligno, que as contemplou numa visão. Também grande devota das Cinco Chagas viria a ser a religiosa dominicana Santa Catarina de Siena. O Rosário Dominicano ajudou a promover a devoção às Sagradas Cinco Chagas, pois se as cinquenta contas pequenas referem-se a Maria, as cinco contas grandes, com os correspondentes Pais-Nossos, destinam-se a honrar as Cinco Chagas de Cristo.
Por outro lado, já no Século XIV, no mosteiro prussiano de Friztlar, assinala-se a existência de uma Festa dedicada especialmente às Cinco Chagas na terceira sexta-feira da Quaresma, que anteriormente era comemorada na sexta-feira da oitava do Corpus Christi. Durante o Século XV esta Festa passaria para os ofícios de Franciscanos, Dominicanos e Carmelitas. Embora esta já não se celebre em toda a Igreja, o Ofício e a Missa são considerados no apêndice do Breviário e do Missal. Na actualidade, a Festa cai a 25 de Fevereiro.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa