5.º DOMINGO DE PÁSCOA – Ano B – 28 de Abril

5.º DOMINGO DE PÁSCOA – Ano B – 28 de Abril

Sem Cristo nada de bem podemos fazer

No Evangelho deste 5.º Domingo de Páscoa, Jesus continua a ensinar os Seus discípulos no Cenáculo, onde se realizou a Última Ceia. Explica-lhes que para produzir bons frutos é preciso permanecer com Ele – parece ser uma verdade óbvia com a qual todos concordam. Contudo, na prática, nem sempre é assim. Existe uma forte tendência para acreditar que qualquer pessoa pode fazer o bem, e que tudo o que é necessário é o conhecimento do que deve ser feito e boa vontade para fazê-lo. Mesmo que tudo isto possa parecer insignificante, estamos diante de uma heresia histórica chamada Pelagianismo, muito combatida pela Igreja, desde a época de Santo Agostinho, no período da Revolução Protestante, por Santa Teresa de Ávila, até aos dias de hoje, com o Papa Francisco.

O monge britânico Pelágio (350-423) viveu nos primeiros séculos da Igreja; acreditava que bastaria seguir o bom exemplo que Jesus nos deu para saber como deveríamos agir. Por outras palavras, tal como uma fórmula matemática, depois de aprendê-la, bastava aplicá-la para resolver os problemas. Contudo, o ensinamento católico, baseado na Sagrada Escritura, ensina-nos algo bem diferente: sem Deus não podemos produzir bons frutos. Num período histórico em que a heresia, por desvirtuar os caminhos da salvação, era considerada mais severa do que a falsificação de uma moeda, o pensamento de Pelágio incomodou Santo Agostinho, que reagiu com vários escritos, o que lhe rendeu o título de Doutor da Graça.

Outra grande santa e doutora da Igreja que combateu este pensamento nos seus escritos, mesmo sem utilizar o nome da heresia, foi Santa Teresa de Ávila. Na sua clássica obra de espiritualidade, “As Moradas”, a reformadora do Carmelo afirma que a nossa alma é como um castelo onde existem sete moradas, sendo que na última morada está o aposento do grande Rei, que é Deus. Para se entrar na primeira morada deste Castelo é preciso estar em estado de graça, sem pecado mortal, algo que a Igreja chama de graça habitual. Para se alcançar a segunda morada, é preciso uma vida de oração contínua, conhecida como graça actual. Na terceira morada, ainda em relação às moradas que exigem mais esforço humano, surgem as obras de caridade. No fundo, Santa Teresa deseja ensinar-nos o mesmo que o Evangelho de hoje: dependemos de Deus para fazer o bem, tudo é graça de Deus e as nossas boas obras são fruto da nossa união com Ele. Vejamos esta sequência ilustrativa: primeiro devemos estar em estado de graça, depois unidos ao Senhor através da oração e só então nos unimos a Ele através da prática das obras de caridade, realizando as Suas boas obras.

Dificilmente ouviremos alguém defender o Pelagianismo teórico, afirmando que realiza as obras de Deus sem o auxílio da Sua graça. Contudo, o Pelagianismo prático, infelizmente, está enraizado no pensamento quotidiano, inclusivamente no discurso de vários católicos. É muito comum ouvir-se dizer que para ser uma pessoa boa e fazer o bem não se precisa de uma religião e muito menos frequentar a Igreja. Geralmente, as pessoas têm tendência para querer saltar imediatamente para a terceira morada, ignorando o que a Igreja nos ensina como forma de combatermos qualquer tipo de idolatria do Ser Humano: primeiramente, precisamos de nos unir a Cristo pela Sua graça e pela nossa vida de oração; posteriormente, as nossas obras de caridade serão uma consequência natural deste relacionamento. Por outras palavras, a Igreja quer-nos recordar que precisamos de Deus.

O Papa Francisco tem combatido o Pelagianismo prático em muitos dos seus escritos. Na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, publicada em 2018 na Solenidade de São José, o Papa afirma que os novos pelagianos insistem em seguir o caminho da “justificação pelas suas próprias forças, o da adoração da vontade humana e da própria capacidade, que se traduz numa autocomplacência egocêntrica e elitista, desprovida do verdadeiro amor” (ponto 57). Isto leva a um certo orgulho que isola o Ser Humano em si mesmo, negando qualquer necessidade de Deus. Negar a necessidade de Deus para se fazer o bem parece ser o caminho mais fácil e cómodo, pois quando alguém acredita de facto em Deus e nos Seus ensinamentos, tal deve gerar comprometimento.

Irmãos, o Evangelho de hoje apresenta-nos a resposta para combater esta tendência do Ser Humano de pensar que não precisa de Deus e que basta apenas saber e querer fazer o bem. O segredo do verdadeiro caminho cristão está em reconhecer que sem Cristo nada podemos fazer. Se fazemos algo de bom, dever-se-á à Sua graça, que em nós opera. Neste sentido, quanto mais estivermos unidos a Ele, mais realizaremos as Suas obras. Assim, como um ramo apenas produz frutos se estiver unido à videira, que é Cristo, também nós precisamos estar unidos a Ele para recebermos a seiva, o divino Espírito Santo. Devemos permanecer, num acto contínuo de conversão e permanente comunhão, pois só assim poderemos caminhar com fé rumo à união eterna com o Senhor.

Aproveitemos este Tempo Pascal para tornarmo-nos verdadeiros amigos de Cristo, cultivando um relacionamento fiel e próximo com Ele através de uma vida sacramental consciente, da oração pessoal constante e de amor ao próximo como resposta ao amor que recebemos do Senhor. Naturalmente, teremos desafios e viveremos contrariedades que não nos devem amedrontar, nem fazer desistir do nosso caminho. Devemos perseverar, aprender a pedir a ajuda de Deus para cada passo da nossa caminhada, para além de Nele confiarmos e Nele permanecermos. A receita é oferecermos a nossa motivação e confiança ao Senhor. Como São Bernardo de Claraval afirma: “A nossa razão de amar a Deus é Ele mesmo, a nossa medida para o O amar é amá-Lo sem medida”. Somente com esta nobre motivação estaremos unidos a Ele e produziremos os Seus frutos sem esperarmos validação humana pelas obras que realizarmos.

Pe. Daniel Ribeiro, SCJ

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