Deus chama-nos a fazer coisas fora da nossa zona de conforto
O Evangelho narra um dos momentos mais comoventes da narrativa do Natal, quando Maria, grávida do bebé Jesus, viaja para visitar a sua prima Isabel, também ela grávida. A visita implica que Maria – tendo acabado de ser informada por Gabriel de que a sua prima também é uma beneficiária abençoada de um milagre – queria ficar para dar compreensão à sua parente idosa até ter tido tempo de aceitar o que estava a acontecer a si própria, mas sobretudo foi mostrar a sua presença reconfortante à prima necessitada.
De Nazaré, na Galileia, onde Maria vivia, até Ain Karem, cerca de oito quilómetros a Oeste de Jerusalém, onde Isabel vivia, eram perto de 145 quilómetros, mais do que uma dura viagem de quatro dias a pé. As estradas e os caminhos estavam cheios de deslizamentos de terras, pedras, chuvas torrenciais, riachos sem pontes, buracos, cobras, escorpiões e ladrões – e, é claro, não havia hotéis. Maria mostrou a sua simplicidade não só ao enfrentar rapidamente aquela viagem com vontade de ajudar. Ela também estava disposta a ficar em segundo plano, fiel aos desejos de Deus, aceitando obedientemente todas as incertezas sem perguntar porquê.
O tremendo acto de amor e de preocupação de Maria é a antítese de uma história dos irmãos Grimm. Conta-nos a história de uma mulher idosa e fraca, cujo marido morreu e a deixou sozinha. Foi viver com o filho, a nora e a netinha. Todos os dias a visão da velhinha diminuía, a sua audição piorava e, por vezes, ao jantar, as suas mãos tremiam tanto que as ervilhas rolavam da colher ou a sopa escorria da chávena. O filho e a mulher estavam aborrecidos e um dia, depois de ela ter derrubado um copo de leite, disseram um ao outro que já bastava. Puseram-lhe uma pequena mesa no canto ao lado do armário das vassouras e obrigaram a velha a tomar aí as suas refeições. Sentava-se sozinha, olhando para os outros com os olhos cheios de lágrimas do outro lado da sala. Por vezes, falavam com ela enquanto comiam, mas normalmente era para a repreenderem por ter deixado cair uma tigela ou um garfo. Uma noite, pouco antes do jantar, a filha pequena estava ocupada a brincar no chão com os seus blocos de construção e o pai perguntou-lhe o que estava a fazer. «– Estou a construir uma mesinha para ti e para a mãe», sorriu ela inocentemente, «para poderem comer sozinhos num canto, um dia, quando eu for grande». Os pais ficaram a olhar para a filha durante algum tempo e, de repente, começaram ambos a chorar. Nessa noite, levaram a idosa de volta para o seu lugar na mesa grande. A partir daí, passou a comer com o resto da família.
As pessoas na liturgia de hoje mostram que Deus surpreende muitas vezes os obedientes com o que Ele fará. Se seguirmos o seu exemplo, podemos mostrar que merecemos que Deus venha até nós em Cristo no Natal, levantando-nos da nossa preguiça e tornando-nos, como Miqueias, Maria, Isabel e José ensinam, à nossa maneira, tal como eles eram diferentes na deles, portadores de Deus no nosso mundo que tanto precisa de Deus.
É provável que Maria não estivesse sozinha, outra pessoa com um grande coração juntou-se a ela para lhe dar apoio. Embora o Evangelho apenas mencione Maria, faz sentido que José tenha assegurado a segurança da sua prometida. Segundo o escritor J. A. Loarte, “o mais provável é que tenha sido José a organizar a viagem, procurando uma caravana em que a Virgem pudesse viajar em segurança. É possível que ele próprio a tenha acompanhado, pelo menos até Jerusalém; alguns comentadores pensam mesmo que ele foi com Maria até Ain Karem, que fica apenas a oito quilómetros da capital. Se assim fosse, teria de regressar imediatamente à sua oficina em Nazaré”.
O Natal oferece muitas oportunidades para estender a mão aos outros. Uma das formas de sermos feitos à imagem de Deus é amar os outros e, quando o fazemos, temos uma sensação de bem-estar e significado. As pessoas também estão mais abertas a receber o amor de Deus através de nós durante a época natalícia. Se reconhecem Deus durante o resto do ano, não podem negar o Seu amor por elas nesta altura tão especial. Em Macau, as esquinas das ruas, as mercearias e até os centros comerciais proclamam o amor encarnado de Deus na época do Natal. Algumas das melhores recordações da nossa família é a partilha aos outros durante o Natal. Pode ter sido dar de comer aos famintos, participar nos bancos alimentares, visitar um lar de idosos ou fazer compras para os vizinhos mais necessitados.
Talvez neste Natal possamos mostrar a nossa preocupação dando o nosso tempo e dinheiro à Cáritas de Macau. Participe, pois, numa campanha de recolha de roupa, agasalhos e cobertores ou crie a sua própria campanha. Levar cartões e flores a um lar ou centro de idosos. Para os pais com filhos pequenos, ajudem os vossos filhos a poupar e a ganhar dinheiro para apoiar os programas de promoção da vida promovidos pela Diocese.
Tal como Maria, Deus chama-nos a fazer coisas fora da nossa zona de conforto, mesmo correndo o risco de tomar uma posição impopular de fé que resulte em sermos ridicularizados, insultados ou, pior ainda, mortos. Maria aceitou de bom grado a sua participação no plano de Deus e, mais ainda, alegrou-se com isso. É exactamente o que devemos fazer quando Deus nos pede que façamos algo para cumprir o seu plano.
Pe. Leonard Dollentas