4º DOMINGO DA QUARESMA – Ano A – 19 de Março

4º DOMINGO DA QUARESMA – Ano A – 19 de Março

O início da verdadeira mudança está na forma de olhar

O milagre descrito no Evangelho deste Quarto Domingo da Quaresma (Jo., 9, 1-41), a cura de um cego de nascença, está simbolicamente ligado ao Sacramento do Baptismo. Cristo ungiu os olhos do cego com lama feita da Sua saliva e depois disse-lhe para se lavar no tanque de Siloé. Também os catecúmenos passam por rituais de purificação antes do Baptismo. Depois de terem lavado os seus pecados e terem sido imersos na Luz de Cristo, os recém-baptizados vêem finalmente o rosto misericordioso de Deus, a dignidade da Sua existência e o destino que Deus lhes preparou. Para este destino de amor, devemos orientar certas acções e escolhas concretas. Quanto mais os nossos corações e mentes estiverem cegos por falsidades, equívocos e ilusões, menos seremos capazes de tomar decisões sábias.

O livro “The Road Less Travelled”, do psicólogo M. Scott Peck, um “best-seller” durante a minha juventude, recorre à metáfora do “mapa interior” para descrever como nos orientamos na vida. Cada pessoa tem um mapa interior que inclui a sua visão do mundo, os valores que defendemos e as percepções pelas quais julgamos os eventos. Se o mapa for verdadeiro e preciso, geralmente saberemos onde estamos, para onde ir e como chegar lá. Se o mapa for falso e impreciso, facilmente nos perderemos.

Manter os nossos mapas pessoais e colectivos da realidade o mais precisos possível requer esforço, disciplina e honestidade. Dado que as nossas vidas e o mundo em nosso redor estão sempre a mudar, os nossos mapas internos necessitam de acomodar novas informações. Para manter esta tarefa em andamento, é preciso estar totalmente dedicado à verdade, praticar o auto-exame e estar disposto a ser pessoalmente desafiado pela realidade, que infalivelmente desmascara tanto as mentiras que nos contaram quanto as mentiras que contamos a nós mesmos.

Desde que nasceu, o cego do Evangelho foi informado de que a sua cegueira era o castigo de Deus pelos seus próprios pecados ou pelos pecados cometidos pelos seus pais. O cego acreditou nestas palavras. O seu mapa interior apenas parecia indicar que se tratava de um mendigo, de uma pessoa amaldiçoada e sem valor para ninguém, nem mesmo para Deus.

De igual modo, os fariseus centraram os seus mapas da realidade na Lei de Moisés, à qual aderiram de forma estrita. Sentiram que eram os “justos” abençoados por Deus, devido à sua fidelidade para com Ele. Como sabemos, a Lei de Moisés desempenhou um papel vital no relacionamento entre Deus e o Seu povo; mas quando privado do seu espírito, tornou-se incapaz de reflectir com precisão sobre o plano da Salvação de Deus para a Humanidade. Os mapas internos dos fariseus tinham, portanto, as coordenadas incompletas.

O milagre de Jesus foi literalmente uma experiência reveladora para o cego de nascença. Jesus não apenas curou os seus olhos, como antes as Suas palavras já lhe haviam mudado o seu mapa da realidade: Jesus disse: «nem este homem nem seus pais pecaram; nasceu cego para que nele se manifestassem as obras de Deus» (Jo., 9, 3). Pela primeira vez, o mendigo percebeu que Deus cuidava dele e que a sua vida tinha um propósito elevado: revelar a Glória de Deus! O confronto com os fariseus revela até que ponto a sua visão do mundo mudou. Sem instrução, foi capaz de sustentar a verdade quando questionado pelos poderosos fariseus: «Uma coisa eu sei, que embora eu fosse cego, agora vejo (…)se este homem, Jesus, não fosse de Deus, ele nada podia fazer» (versículos 25 e 33).

Já os fariseus, agarrados aos seus ultrapassados mapas da realidade, argumentaram: «Sabemos que este homem é um pecador (…)Sabemos que Deus falou a Moisés, mas quanto a este homem, não sabemos de onde ele vem» (versículos 25-29).

Numa das suas inúmeras intervenções, o Papa Francisco afirmou que «quando alguém tem uma resposta para cada pergunta, é sinal de que não está no caminho certo. Eles (…)usam a religião para os seus próprios propósitos, para promover as suas próprias teorias psicológicas ou intelectuais(…). Não somos nós que determinamos quando e como O encontraremos (…). Mesmo quando a vida de alguém parece completamente arruinada, mesmo quando a vemos devastada por vícios ou vícios, Deus está ali presente» (Gaudete et Exsultate40-42). Recorrendo a uma expressão forte, o Papa disse que estas pessoas «procuram domesticar o Mistério».

A mudança ocorrida no coração do cego de nascença e, ao contrário, a teimosia dos fariseus, ajudam-nos a compreender o verdadeiro sentido do caminho quaresmal de conversão (em Grego: “metanoia”), que não é simplesmente mudarmos de opinião ou comportamentos, mas sim deixarmos que a nossa mente seja “refeita”, ao vermos a realidade (que deve necessariamente incluir sofrimentos e dificuldades) banhada pela luz, pela misericórdia e pelo amor de Deus. E tanto assim é que não podemos deixar de exclamar: “Senhor, eu creio”, como o ex-cego revelou no final do Evangelho. O início de uma verdadeira mudança está na forma de olhar. Peçamos esta graça para os catecúmenos que vão ser baptizados na Páscoa, e também para nós!

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

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