Assim como Deus é amor, também Deus é paciente
Todos os anos, os dois primeiros Domingos da Quaresma estão ligados a acontecimentos específicos da vida de Cristo: as tentações que ele sofreu no deserto da Judeia e a Transfiguração na montanha, tal como estão registadas nos Evangelhos. O Terceiro Domingo da Quaresma, contudo, não se centra tanto num acontecimento da vida de Cristo, mas preocupa-se com o ensinamento de Jesus sobre a paciência, a misericórdia e o amor do nosso Deus. As três leituras deste Domingo abordam a importância de colocar a esperança em Deus, o Todo-Misericordioso e Doador da vida, que está sempre pronto a perdoar aos transgressores.
A primeira lição da Missa de hoje narra o acontecimento memorável de Moisés diante da sarça ardente no Horeb, a montanha de Deus. Esta experiência profunda da presença de Deus suscita uma admiração tão grande, e até medo, que Moisés esconde o rosto. Deus garante a Moisés que ele não estará sozinho, mas sob o seu cuidado providente e que, por isso, deve prosseguir com confiança na ajuda salvadora de Deus. A vocação profética de Moisés mostra claramente o amor e a compaixão de Deus, especialmente pelos oprimidos.
Continuando na mesma linha de pensamento, Jesus recorre na sua pregação à imagem de Deus como jardineiro e ao desafio de cultivar plantas e árvores, o que inclui eliminar o que não é produtivo ou está morto. No caso da figueira descrita no Evangelho, o jardineiro-chefe ou o proprietário da vinha apercebe-se de uma árvore infrutífera e manda-a cortar. O vinhateiro, porém, pede mais um ano, uma nova oportunidade para a árvore, na esperança de que ela possa efectivamente dar fruto. O que Jesus quer dizer é que Deus é verdadeiramente paciente e misericordioso, e está mais do que disposto a dar inúmeras oportunidades para uma mudança de coração, uma união mais profunda, uma comunhão mais plena, com o Deus vivo. Mas há um momento em que, de facto, o coração humano pode estar tão longe de Deus que nada menos do que a graça omnipotente de Deus o pode reorientar. A realidade do livre-arbítrio tem sempre de ser tida em conta, claro, com a lembrança de que Deus nunca nos obriga a agir contra a nossa vontade, mas convida-nos amorosamente a participar na vida de Deus.
Na passagem do Evangelho deste Domingo, Jesus ensina os seus discípulos a nunca deixarem que a sua vida esteja tão fora de controlo ou tão longe de Deus que a viragem para Deus se torne cada vez mais difícil, embora nunca impossível. O nosso livre-arbítrio é isso mesmo: não sermos forçados a escolher Deus e os caminhos do Evangelho, mas verdadeiramente livres, deixando-nos a capacidade de escolher Deus e a vida, ou procurar o caminho do erro e da separação de Deus. É isso que queremos evitar a todo o custo. Nunca é demasiado tarde para nos voltarmos para Deus.
Alguém disse que nós, cristãos, falamos muito de Deus, mas, na realidade, falamos muito pouco com Deus. Na Quaresma somos chamados a falar com Deus, a sermos pessoas de oração, esforçando-nos por nos unirmos ao nosso Criador, em todos os momentos e em todos os lugares. A nossa observância anual da Quaresma, quarenta dias de oração especial, de jejum e de esmola ou de prática do bem, é uma oportunidade de ouro para nos encontrarmos com o nosso Deus e pertencermos mais plenamente Àquele que, em última análise, satisfaz os anseios do coração humano.
Hoje é o tempo aceitável para voltar a Deus e produzir frutos na nossa vida, o tempo para experimentar a misericórdia amorosa de Deus e oferecer o nosso perdão àqueles que nos ofenderam no passado ou nos estão a ofender agora. Este é o tempo aceitável para sermos bondosos e darmos aos outros uma nova oportunidade. Cristo pode entrar mais livremente nas nossas vidas nestas condições, quando nos deixamos abrir à verdadeira vida e ao amor. Quando nos unimos para celebrar a Eucaristia, na nossa Igreja, experimentamos a presença de Deus no meio de nós e agradecemos a Deus por tanta bondade e paciência connosco. A História da Salvação é a história da misericórdia redentora de Deus, expressa numa paciência fiel para com todos os homens do passado, do presente e do futuro. E “mais um ano” está a ser-nos oferecido para darmos fruto.
O bom fruto inclui o amor, a alegria, a paz, a paciência, a bondade, a generosidade, a fidelidade, a mansidão e o autodomínio (ver Gálatas 5, 22-23). E o maior fruto produzido é o amor e o perdão para com todos. Só somos capazes de o fazer pela graça de Deus. Que a graça de Deus entre abundantemente nas nossas vidas hoje e ao longo destes quarenta dias da Quaresma. «Aqueles que esperam no Senhor renovarão as suas forças», diz o profeta Isaías (40, 31). A esperança deve ser entendida aqui como intimamente ligada à virtude da espera, da paciência. Em Espanhol, por exemplo, a palavra “esperar” significa, simultaneamente, aguardar e esperar. “Saber esperar” significa saber aguardar e saber esperar. É assim que Deus age para connosco e nós somos chamados a fazer o mesmo na nossa relação com Deus e uns com os outros. «Pela espera e pela calma sereis salvos», escreveu também o profeta Isaías (Is., 30, 15).
O Senhor prometeu estar ao nosso lado nos bons e nos maus momentos, na alegria e na tristeza, e nisto podemos ter grande prazer, pois o nosso Deus nunca nos abandonará.
Pe. Leonard Dollentas