O encontro que desmascara os desejos profundos do nosso coração
Durante o longo período da pandemia, reclamámos muitas vezes por termos de utilizar máscara nos lugares públicos. Nos últimos dias, o Governo de Macau abandonou – finalmente – o requisito da máscara, subsistindo o seu uso nos transportes públicos, nos hospitais, nos centros de saúde, e pouco mais. Muitos suspiraram de alívio quando souberam da notícia.
No entanto, muitos de nós – surpreendentemente – continuam a usar máscara. Alguns consideram que o Covid ainda é uma ameaça e que é melhor ser cauteloso antes de a descartar. Outros defendem que a máscara é eficaz na protecção contra a poluição e outras fontes de infecções. Há pessoas que podem, muito simplesmente, ter-se acostumado a cobrir o rosto em público. A máscara oferece-lhes uma sensação de privacidade, de anonimato e, portanto, de segurança. Devo admitir que no primeiro dia em que saí à rua sem máscara, experimentei uma sensação de vulnerabilidade.
Sobre este tema o mesmo pode ser dito quanto ao distanciamento social. Certamente levará algum tempo para que todas as pessoas se sintam novamente confortáveis em lugares muito lotados. Há muitas vantagens em manter algumas “camadas de protecção” entre nós e os outros.
A mulher samaritana, sobre a qual lemos no Evangelho deste Terceiro Domingo da Quaresma (Jo., 4, 5-42), teve muitos motivos para optar pela privacidade e encontrar meios de passar despercebida. Os seus cinco casamentos fracassaram e acabou por ir morar com um parceiro que não era seu marido. Tantos fracassos levaram-na à conclusão de que o amor verdadeiro e eterno não existia. Para evitar os olhares de julgamento das outras mulheres da aldeia, optou por um distanciamento social auto-imposto. Certo dia foi buscar água ao poço na hora mais quente do dia, quando a hipótese de encontrar alguém era muito reduzida.
Inesperadamente, sentindo-se cansado da longa viagem, Jesus sentou-se ali, como se esperasse por ela. Contrariando todas as convenções sociais (era homem e judeu, logo inimigo dos samaritanos), teve a ousadia não só de lhe pedir água para beber, como também de iniciar uma conversa profunda sobre a sua vida privada e a sua relação pessoal com Deus.
Conquistando a confiança da samaritana com interesse genuíno, ao invés de a julgar – algo a que esta mulher não estava acostumada –, Jesus despiu, camada a camada, todas as máscaras que ela usava na sua alma. Ele ajudou-a para que visse com clareza quanto o seu padrão de comportamento era inútil. De nada servia trocar constantemente de parceiro para saciar a sua sede de amor. Percebeu que aquilo que o seu coração realmente desejava era algo diferente e mais profundo: “O desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem para Si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem descanso” (Catecismo da Igreja Católica nº 27).
O encontro da samaritana com Jesus revelou o verdadeiro rosto de Deus, que não cessa de nos procurar por mais perdidos que estejamos. Um Deus que quer ser adorado «em espírito e em verdade» (versículo 23), e não apenas numa ritualidade superficial. A primeira frase da Carta Encíclica Deus Caritas Est, da autoria de Bento XVI, expressa bem o que aconteceu à samaritana: “Ser cristão não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo. […] Dado que Deus foi o primeiro a amar-nos (cf. 1 Jo., 4, 10), agora o amor já não é apenas um ‘mandamento’, mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro”.
Provavelmente, pela primeira vez na sua vida, aquela mulher sentiu-se compreendida – e não usada ou condenada – acerca dos seus anseios mais profundos, sendo que Jesus ofereceu uma resposta concreta: o Evangelho. Ela sentiu-se libertada do seu sentimento de vergonha e fracasso. A partir de agora já não precisava de mais máscaras para esconder a sua verdadeira face. Ao superar o isolamento auto-imposto, deixou para trás o cântaro de água (que representava o seu estilo de vida anterior, incapaz de satisfazer a sua sede interior de amor) e foi directamente para a aldeia com o objectivo de convidar outras pessoas a conhecer Jesus pessoalmente (versículos 28 a 30).
Cada um de nós tem a possibilidade de encontrar Jesus do mesmo modo, especialmente na Quaresma, na reconciliação que nos é oferecida nos Sacramentos e na nossa vida de oração. Como diz o Catecismo: “«Se conhecesses o dom de Deus!» (Jo., 4, 10). A maravilha da oração revela-se precisamente, à beira dos poços aonde vamos buscar a nossa água: aí é que Cristo vem ao encontro de todo o ser humano; Ele antecipa-Se a procurar-nos e é Ele que nos pede de beber. Jesus tem sede, e o seu pedido brota das profundezas de Deus que nos deseja. A oração, saibamo-lo ou não, é o encontro da sede de Deus com a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede d’Ele” (CIC nº 2560).
Nesta Quaresma, ao desvendarmos o nosso coração diante de Jesus, também nós, tal como a samaritana, podemos ser os protagonistas deste encontro sem fim entre Deus e a Humanidade.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ