2º DOMINGO COMUM – Ano B – 14 de Janeiro

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“Vinde e vede”: discipulado da amizade

«Então Jesus, voltando-se e vendo que os dois o seguiam, perguntou: “Que procurais?”. Responderam com outra pergunta: “Mestre, onde estás hospedado?”. E Jesus disse: “Vinde e vede”» (Jo., 1, 38-39)

Mateus Ricci nutria um grande interesse pelo Confucionismo e sentia que este partilhava muitos valores comuns com o Cristianismo. De acordo com a ética confucionista, cinco relacionamentos humanos fundamentais precisam ser honrados e cultivados por meio da benevolência para manter a harmonia pessoal e social. Os quatro primeiros baseiam-se na necessidade, natural ou social: entre governante e súbdito, pai e filho, irmão mais velho e mais novo, marido e mulher. Mas o quinto é um relacionamento totalmente baseado na liberdade: a amizade. Ninguém pode ser obrigado a estabelecer uma relação de amizade, tem que ser uma livre escolha mútua, uma atracção pela virtude que vemos na outra pessoa.

Acho muito interessante que o primeiro livro publicado por Mateus Ricci, em Chinês, tenha sido o “Tratado sobre a Amizade” (1595). Sendo um estranho, Ricci percebeu claramente a importância de cultivar amizades para entrar na sociedade chinesa e ser aceite pela elite. Mas tenho para mim que a razão pela qual escolheu este tema como ponto de partida da sua missão evangelizadora tenha sido, sobretudo, porque compreendeu que a fé cristã, tal como as amizades, necessita de liberdade. O nosso relacionamento com Deus precisa de um processo no qual, após a atracção inicial, “testamos” se vale a pena persegui-lo. Ricci afirmou: “Para fazerem amigos, em primeiro lugar, as pessoas devem examiná-los. Depois que a amizade for estabelecida, os amigos deverão confiar uns nos outros”. Segundo Ricci, a amizade não pode ser superficial, mas deve envolver a abertura da parte mais profunda do nosso eu interior para o outro. Isto é verdade não apenas entre amigos, mas também com Deus.

“Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Deus caritas est, 1). Esta famosa frase do Papa Bento XVI expressa maravilhosamente o que Mateus Ricci sugeriu através da sua vida e obra: a fé desenvolve-se através da nossa vontade de envolver toda a nossa pessoa numa relação livre com Jesus que se fez homem para vir e encontrar-nos. Mais do que um mero dever moral, esta disponibilidade emerge de uma atracção, de uma percepção de beleza e de bondade que inunda a nossa vida.

O Evangelho que proclamamos neste Domingo (Jo., 1, 35-42) narra sucintamente o fascinante encontro dos primeiros discípulos com Jesus, tão vivamente recordado pelos protagonistas, tanto que até recordam a hora em que tal aconteceu: eram quatro horas da tarde.

Quando questionado: «Mestre, onde estás hospedado?», Jesus simplesmente respondeu: «Vinde e vede». Jesus convida-los a uma relação livre e comprometida com Ele, a experimentar se a amizade com Ele correspondia ou não ao desejo de verdade, de bem, de beleza e de eternidade que traziam no coração.

Acho incrível e extremamente fascinante o facto de Deus ter baseado todo o Seu plano de salvação no nosso livre consentimento para entrarmos numa relação humana plena e profunda com Ele. Parece uma estratégia muito frágil: as nossas relações são muitas vezes muito superficiais, baseadas na satisfação momentânea, fáceis de romper e vulneráveis à traição. Ainda assim, só uma relação viva com Cristo pode desbloquear o sentido pleno da nossa existência e abrir as nossas vidas à “bem-aventurança eterna” que ansiamos. Ao ficar algumas horas com Jesus, André teve esta intuição e não pôde deixar de partilhar esta experiência com o seu irmão, Simão Pedro, que depois também se tornou amigo de Jesus.

Da mesma forma, o convite “vinde e vede” é oferecido a cada um de nós por meio da Igreja. Tal como João, André e Pedro, também somos chamados a experimentar pessoalmente a profundidade do amor de Cristo por nós e a encontrar nele significado e propósito. Não é um relacionamento entre outros, ou uma experiência espiritual entre muitas. A nossa amizade com Cristo é “a relação” que dá significado e substância à nossa existência humana em todos os nossos aspectos, mesmo nos mais dolorosos.

Xu Guanqii, através da sua amizade com Mateus Ricci, tornou-se um dos primeiros cristãos baptizados entre os funcionários do Imperador. Adriano Agostinho e Bosco Chan concordaram, no final de Dezembro passado, em “permanecer” mais intimamente com Jesus e adoptar o Seu estilo de vida de serviço ao outro, tornando-se diáconos. Agora, o convite de Jesus estende-se a si, caro leitor: “Vinde e vede”. O início do Ano Novo é um bom momento para dar-Lhe a sua resposta gratuita e alegre.

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

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