Deus vem para ficar. O Espírito Santo tranquiliza o nosso medo do abandono
«João testemunhou, dizendo: “Vi o Espírito descendo do céu como uma pomba e permaneceu sobre Ele. […]E eu, de facto, vi e testifico que este é o Filho de Deus”» (Jo., 1, 32, 34).
O acontecimento do Baptismo de Jesus, celebrado na passada segunda-feira, é recordado mais uma vez no Evangelho deste Domingo (Jo., 1, 29-43), como se a liturgia não quisesse que faltássemos a este momento importante da vida de Jesus.
Na passagem do Evangelho notamos a união especial entre Jesus e o Espírito Santo. Pelo poder do Espírito Santo, o Filho de Deus encarnou no seio da Virgem Maria, e durante o Seu baptismo o Espírito visivelmente “desceu” como uma pomba e “permaneceu” sobre Jesus, agora um jovem adulto no início da Sua vida de missão pública.
Estes dois verbos, “descer” (que é um “estender a mão”) e “permanecer”, são deveras essenciais para o desenvolvimento de uma relação de compromisso, mesmo do ponto de vista meramente psicológico. Se alguém não pode contar com a presença confiável, previsível e consistente de cuidadores, sejam formais ou informais, no processo de crescimento, mesmo que haja conflitos e desentendimentos inevitáveis, essa pessoa pode sentir ansiedade e medo de abandono.
Estes verbos também são importantes do ponto de vista teológico. A “descendência divina” descreve o esforço constante, apaixonado e radical de Deus para diminuir a distância entre Ele e a Humanidade. Percebemos, de forma errada, que Deus está longe no Céu, isolado do nosso mundo decadente, ressentido devido aos nossos pecados. Muitas vezes sentimo-nos abandonados por Deus e cheios de sentimentos de culpa. Portanto, a oração do povo de Israel, bem expressa por Isaías, muitas vezes tem sido um clamor a Deus para quebrar a Sua reclusão: «Ó SENHOR, quão bom seria se fendesses os céus e descestes, e os montes de todo o mundo estremecessem diante da tua presença!» (Isaías, 64, 1).
As poderosas intervenções de Deus na História da Humanidade e, em particular, na História de Israel, foram destinadas a assegurar ao Seu povo o Seu amor e fidelidade inabaláveis. Mas a sensação de distância permaneceu. É somente através da Encarnação que a separação é superada, e a descida de Deus se torna completa e definitiva: Ele não só veio para nos ajudar, mas tornou-se um de nós, assumindo a nossa própria natureza humana. Noutras, por meio da encarnação de Cristo, a nossa natureza humana tornou-se uma parte indissolúvel do próprio Deus.
«Estarei permanentemente convosco, até ao fim dos tempos», foram as últimas palavras de Jesus (Mt., 28, 20). Deus veio para “permanecer”, dissipando em nós qualquer medo de abandono. Depois da Ascensão, é através do Espírito Santo que experimentamos a presença e a Graça de Deus, e de um modo particular na celebração dos Sacramentos.
Durante o Baptismo e a Confirmação, “o Espírito desce e repousa no coração purificado dos baptizados” (Catecismo da Igreja Católica nº 701), exactamente como aconteceu com Jesus durante o Seu baptismo. Na Eucaristia, durante a oração chamada “epiclese”, o sacerdote invoca o Pai para enviar o Espírito Santo sobre o pão e o vinho para que, ao receber o Corpo de Cristo, «a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo» (2 Cor., 13, 14) permaneça sempre connosco e frutifique para além da celebração eucarística, na nossa vida quotidiana agora repleta de caridade. Deus quer que nos sintamos amados para que possamos amar os outros.
Estou a pensar no serviço incrível que muitos cuidadores, incluindo muitas Irmãs pertencentes a diferentes congregações, prestam às pessoas mais vulneráveis da nossa sociedade, especialmente nos lares de idosos durante a actual crise de Covid-19. Têm que trabalhar em turnos cansativos, expondo-se constantemente ao risco de infecção, estando muitas vezes impossibilitados de voltar para casa após um dia tenso de trabalho. Muitos outros trabalhadores da linha de frente, na área dos cuidados médicos ou noutros serviços essenciais, estão a passar por dificuldades semelhantes. Devido à sua presença, muitas pessoas necessitadas conseguem lidar com as suas ansiedades e com a solidão.
Como dissemos, toda a relação séria e comprometida, assim como toda a vocação, implica ir ao encontro do outro (descer) e uma presença confiável (permanecer). Ser cônjuge quando o casamento está em crise. Ser pais quando os filhos se tornam problemáticos. Ser missionário num qualquer contexto cultural hostil. Ser professor quando o ambiente social e político muda. Poderíamos continuar a dar exemplos.
Após a última quadra natalícia, repleta de tantos desafios, somos convidados a iniciar o Tempo Comum litúrgico (e existencial) com a segurança do amor fiel e da presença de Deus nas nossas vidas. Não estamos sozinhos neste novo ano. Fortalecidos pelo Espírito Santo, que cada um de nós também se torne uma referência confiável e amorosa na vida daqueles que o Senhor confiará aos nossos cuidados.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ