Acolher os dons dos outros
Há duas semanas, tive uma experiência profunda e significativa na pequena aldeia piscatória de Tai-O, na ilha de Lantau, em Hong Kong. O padre Jojo Peter Ancheril, CMF, tinha-me convidado, há muito tempo, para o visitar na sua missão naquela pequena aldeia. Quando cheguei de autocarro, vindo de Mui Wo, o padre Jojo estava à minha espera na estação de autocarros e caminhámos juntos até à capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Fiquei impressionado ao ver que todas as pessoas que encontrámos no caminho cumprimentavam o padre Jojo com um grande sorriso. Eram, maioritariamente, pessoas idosas. Poucos são os jovens que restam nesta velha aldeia.
O padre Jojo chegou a esta localidade pouco antes da pandemia. Durante os três anos difíceis que se seguiram, abriu as portas da sua capela à população local, que praticamente não tinha católicos; apenas algumas trabalhadoras filipinas e dois ou três habitantes locais. Organizou actividades para os idosos e ofereceu-lhes comida e um espaço para ficarem e partilharem as suas vidas. É comovente testemunhar como ele abriu o seu coração e o seu convento a toda a gente, independentemente da sua fé, e criou um espaço de ligação e apoio, especialmente em tempos tão conturbados.
O padre Jojo tem o dom de reconhecer e acolher os dons da população local, independentemente das suas crenças religiosas. Nos seus quatro anos de presença missionária, fez amizade com as pessoas de Tai-O e conseguiu catequizar e baptizar sete pessoas. A sua dedicação e a forma como se integrou na comunidade são verdadeiramente inspiradoras, uma vez que não é fácil para gente tão tradicional aceitar pessoas de fora, quanto mais acolhê-las nas suas casas e deixá-las entrar no seu espaço.
As leituras de hoje desafiam-nos a ter uma mente e um coração abertos para ver os dons e a bondade de outras pessoas que podem não pertencer à nossa comunidade ou à nossa Igreja Católica.
Na primeira leitura, Moisés admoesta Josué, porque este lhe pediu que impedisse dois homens que estavam a profetizar no acampamento e que não estavam na reunião em que os setenta anciãos receberam o Espírito do Senhor. A inveja e a rigidez não lhe permitem ver o dom da profecia nas pessoas que não pertencem ao seu grupo. Isto acontece muitas vezes nas nossas comunidades, quando ficamos presos aos nossos próprios costumes e tradições, e fechamos os nossos corações à renovação espiritual e comunitária. A Igreja é uma comunidade profética e o Espírito suscita dons multiformes em nome da sua missão: levar a boa nova da salvação a todos os cantos do mundo.
Jesus vai mais longe e chama a atenção para a fé das pessoas, mesmo fora do povo escolhido de Israel. Disse do centurião romano: «Com toda a certeza vos afirmo que nem mesmo em Israel encontrei alguém com tão grande fé» (Mateus 8, 10). Repreende o apóstolo João que Lhe pede que impeça um homem, que “não os segue”, de expulsar demónios em nome de Jesus. A resposta de Jesus foi breve e forte: «Quem não é contra nós é por nós».
Jesus não veio para dividir, mas para reconciliar, para unir e reunir todos os homens de boa vontade. Na sua homilia em Singapura, o Papa Francisco agradeceu ao Senhor pela Igreja em Singapura, uma Igreja, segundo ele, «rica em dons, uma Igreja vibrante, em crescimento e empenhada num diálogo construtivo com as várias outras confissões e religiões com as quais partilha esta terra maravilhosa». E acrescentou: «Se há algo de bom que existe e perdura neste mundo, é apenas porque, em inúmeras situações, o amor prevaleceu sobre o ódio, a solidariedade sobre a indiferença, a generosidade sobre o egoísmo».
O meu querido amigo padre Jojo, um missionário claretiano, é um exemplo vivo da capacidade de reconhecer e valorizar os dons e a bondade dos outros, mesmo que tenham origens ou crenças diferentes. Tal como Moisés e Jesus, ele sublinha a necessidade de abertura e inclusão nas nossas comunidades, por forma a acolher toda a gente, particularmente os solitários, os necessitados e os que não são considerados importantes na nossa sociedade, ávida de realizações e de sucesso.
E quanto a nós? Como é que lidamos com os diferentes dons que as pessoas têm na nossa comunidade? Somos capazes de os integrar para o crescimento da nossa vida cristã? Mesmo nas nossas famílias, os pais são desafiados a reconhecer e a promover os talentos e os dons dos seus filhos. Mesmo que um filho ou uma filha não tenham notas perfeitas na escola, podem ser carinhosos, atenciosos, preocupados ou muito bons em alguma arte ou desporto.
E os dons e as boas obras daqueles que não partilham a nossa fé? Reconhecemo-los, apreciamo-los e damos-lhes as boas-vindas? Podemos trabalhar com eles, na nossa escola, família ou local de trabalho, em prol da comunhão, da reconciliação e do bem comum? Esta é a nossa maneira de viver a nossa vocação profética, particularmente aqui em Macau, e também em Hong Kong.
Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ