A razão de amarmos a Deus é Deus mesmo e a medida de amá-Lo é amá-Lo sem medida
No último Domingo, vimos que Pedro demonstrou, primeiramente, estar consciente da identidade de Jesus ao chamá-lo de Filho de Deus, contudo, falha ao não entender o que isso significava. Por isso, Jesus chama-lhe Satanás e explica que Ele deveria sofrer muito, ser morto e depois de três dias ressuscitar (cf. Mc., 8, 31). O evangelho de hoje mostra-nos o pendor pedagogo de Jesus ao insistir na formação junto dos seus discípulos. Ele sabia que a lição ensinada não havia sido compreendida, pois ao invés de perguntarem como iria acontecer, estavam mais preocupados em discutir entre si para saber quem seria o maior no Reino de Deus.
Esta discussão entre os discípulos revela-nos um pouco sobre o contexto histórico daquela época, em que havia muitos conflitos em busca dos melhores lugares nas sinagogas, banquetes e noutros lugares públicos. Estes lugares eram definidos por ordem hierárquica e seguramente eram motivo de acaloradas discussões. Possivelmente os discípulos já haviam percebido e acreditavam que Jesus era o Salvador e pensavam que Ele teria um Reino eminente que poderia ser implementado quando chegassem a Jerusalém. Podemos até imaginar a cabeça dos discípulos a planear os “ministérios” que cada um teria quando Nosso Senhor implementasse o seu Reino. Acreditando que Jesus era o Salvador, começaram a planear quais seriam as vantagens humanas de serem discípulos Dele. Como se pode verificar, este desejo humano por ganhar vantagem, inclusivamente em ambientes religiosos, não é algo exclusivo do nosso tempo.
Jesus, como um grande mestre, esperou o momento apropriado para corrigi-los, e num momento mais tranquilo, em casa, sentou-se e começou a ensiná-los, questionando-os sobre o que estavam a discutir no caminho, dando-lhes a oportunidade de falar. Como eles se recusaram a dizer o que discutiam no caminho, Nosso Senhor prossegue no seu ensinamento e afirma que “quem deseja ser o primeiro deve ser o último de todos e servo de todos” (cf. Mc., 9, 35). Aqui era o momento de deixar tudo clarificado antes de chegarem a Jerusalém. Não havia mais espaço para os discípulos alimentarem falsas ilusões fundadas em ganhos terrenos pelo facto de O seguirem. De forma inequívoca, Jesus anuncia que o Reino trazido por Ele não era deste mundo e as ambições terrenas não seriam correspondidas por Ele. Jesus reafirma o que havia dito claramente a Pedro e que dirá ainda mais uma vez no próximo capítulo: Ele era um Messias diferente, que iria sofrer muito, morrer, mas que iria ressuscitar (cf. Mc., 9, 31).
Nos dias de hoje também temos a tendência de criarmos um Deus segundo a nossa conveniência. Quantas pessoas que dizem não terem mais fé porque no fundo as coisas não aconteceram como elas queriam. Existem pessoas que persistem em dizer que não conseguem entender porque Deus não resolve o problema dos males no mundo, porque Ele não faz isto ou aquilo… Na verdade, existe a tendência de responsabilizá-Lo pelas consequências dos erros humanos e de criarmos um Deus à nossa imagem e semelhança que deve seguir os nossos conselhos e vontades. Diante dessa realidade devemos meditar sobre as palavras de Santo Agostinho: “Deus não quer ser entendido, Ele quer ser amado”.
A lógica cristã é realmente diferente da lógica deste mundo. Num ambiente em que as pessoas discutiam pelos lugares mais importantes, Jesus coloca como centro uma criança (cf. Mc., 9, 36), alguém que não tinha lugar de destaque nos banquetes e sinagogas. Tal mostra-nos a incongruência de pensamentos, como a teologia da prosperidade que afirma que quanto mais oferecemos financeiramente a Deus, mais Ele irá recompensar-nos materialmente. Diante desta lógica religiosa interesseira, há quase um milénio, outro Doutor da Igreja, São Bernardo de Claraval, dizia que existem três formas de amarmos a Deus: o amor do escravo, aquele que “ama” porque teme o castigo, o amor do comerciante, aquele que ama porque espera algum benefício em troca e, por último, o amor de pai, aquele que ama incondicionalmente porque o outro é filho.
Num período em que muitos católicos deixam a sua comunidade por decepção com os membros da Igreja, são actuais as palavras do santo de Claraval que concluiu afirmando que a razão de amarmos a Deus é Deus mesmo e a medida de amá-Lo é amá-Lo sem medida. Podemos afirmar que tudo o que está para além disto é uma caricatura de amor baseada no medo de supostas punições divinas ou barganha com Deus.
O falecido padre norte americano Leo J. Trese costumava dizer que basta um pouco de conhecimento bíblico para percebermos que Jesus nos faz três promessas nos seus ensinamentos. A primeira promessa, como vimos no último Domingo e reafirmada indirectamente neste evangelho, diz que quem desejar segui-Lo deve renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz e segui-Lo (cf. Mc., 8, 34). Segundo, que Ele estará connosco até à Sua segunda vinda (cf. Mt., 28, 20). Por último, Jesus promete-nos que aquele que perseverar até ao fim ganhará a vida eterna (cf. Mt., 24, 13). Caro irmão, não criemos expectativas baseadas em critérios humanos para a nossa vida cristã. Deus não irá retribuir-nos pelos nossos títulos e conquistas humanas, mas pela nossa fidelidade e amor verdadeiro, principalmente para com aqueles que mais sofrem. Daí que seguir Jesus exija fé e desprendimento.
Para evitar qualquer procura de vantagens humanas ao seguir-se Cristo, Santa Teresinha costumava dizer que ela preferia o último lugar, porque por esse lugar ninguém discutiria com ela. Isto é a vida cristã, um morrer para si mesmo para nos configurarmos ao Cristo que sofre e foi crucificado. A vantagem disto tudo é que assim Ele viverá em nós, teremos uma paz que o mundo não pode nos dar e alcançaremos o bem maior que ninguém nos pode roubar: a vida eterna. Peçamos a Maria Nossa mãe, modelo de vida cristã, que nos ensine que a comunidade cristã não é lugar de privilégios, mas um lugar de serviço e amor incondicional. Só assim a nossa fé não estará baseada em frágeis e insaciáveis conveniências humanas.
Pe. Daniel Ribeiro, SCJ