24º DOMINGO COMUM – Ano B – 15 de Setembro

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O verdadeiro discipulado: “Tomar a cruz”

O padre Gaetano Nicosia, sacerdote salesiano, faleceu em Hong Kong a 6 de Novembro com 102 anos de idade. Era chamado “O Anjo dos Leprosos”, tendo vivido com uma centena de leprosos durante 48 anos na ilha de Coloane. Cuidou das suas necessidades corporais e espirituais com grande amor e dedicação. O seu túmulo pode ser visitado no Cemitério de São Miguel Arcanjo, em Macau. É um exemplo de “discípulo”, que tomou a cruz e o seguiu até às últimas consequências, seguindo o convite do Senhor: «Quem quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me» (Mc., 8, 34).

Uma vida oferecida aos pobres, como a dele, ajuda-nos a compreender o nosso compromisso com Cristo e com o Evangelho. Para compreender plenamente o Evangelho de hoje, devemos prestar muita atenção ao seu contexto: Depois de terem alimentado os quatro mil (cf. Mc., 8, 1-10), os fariseus dirigem-se a Jesus pedindo-lhe um sinal (cf. Mc., 8, 11) para o pôr à prova. Então Jesus compreende que a sua missão está a chegar a um ponto crucial. Cura um cego em Betsaida, simbolizando o dom da fé: «Ele via tudo claramente» (Mc., 8, 25). A partir daí, leva os seus discípulos ao território maioritariamente pagão de Cesareia de Filipe, para confirmar a sua fé e a sua missão, após o que inicia a viagem para Jerusalém, para enfrentar a sua paixão e morte. Durante esta viagem, predisse três vezes aos seus discípulos a sua morte e ressurreição, embora eles não tenham compreendido as suas palavras, como mostra Pedro reagindo contra esse destino (cf. Mc., 8, 32).

Em Cesareia de Filipe, onde se prestava culto às divindades pagãs, o Senhor que os tinha chamado «para estarem com Ele», e para serem enviados a pregar com autoridade para expulsar os demónios (cf. Mc., 3, 14-15), pergunta-lhes primeiro: «Quem dizem os homens que Eu sou?».

Vivemos numa cidade onde a maioria das pessoas não é cristã. Trabalhamos e relacionamo-nos diariamente com pessoas que têm um conhecimento razoável de Cristo e da Igreja. Em Macau, muitos não católicos frequentam as escolas católicas. Podem testemunhar a nossa Fé quando saímos à rua para a Procissão do “Corpus Christi” ou do “Senhor dos Passos”, entre outras. Homens de fé, como o padre Gaetano Nicosia, deram testemunho da misericórdia do Senhor, estendendo a mão aos pobres sem distinção de crença e raça. A Cáritas de Macau e outras instituições e pessoas católicas da nossa diocese continuam a mostrar a sua fé «através das obras», como nos ensina São Tiago (Jo., 2, 18).

O que as pessoas de Macau dizem de Jesus? Cada um pode responder a esta pergunta de acordo com a sua experiência. Eu vejo muito respeito e amizade, que acredito que se baseiam em anos de serviço aos pobres, aos idosos e aos doentes. Além disso, as nossas escolas católicas são uma semente do Evangelho no coração de muitas pessoas e um canal de compreensão mútua entre pessoas de diferentes crenças.

Nesta altura, Jesus faz aos seus discípulos a pergunta mais pungente: «Mas vós, quem dizeis que eu sou?». Responder a esta pergunta crucial sobre a identidade de Cristo, naquele momento crítico do seu ministério, não foi um desafio fácil: «Tu és o Cristo», disse Pedro. No entanto, ir além da profissão de fé para abraçar as suas consequências para nós, discípulos, é ainda mais difícil, como foi particularmente para Pedro: «Para trás de mim, Satanás. Não estás a pensar como Deus, mas como os homens» (Mc., 8, 33).

O anúncio do sofrimento e da morte de Jesus chocou Pedro e teria chocado qualquer um de nós se alguma vez tivéssemos assistido a uma crucificação; a morte mais dolorosa e vergonhosa, reservada aos rebeldes. Quncitilius Varus, legado imperial na Síria, mandou crucificar dois mil judeus rebeldes perto de Jerusalém no ano 4 a.C. Este tremendo trauma deve ter ficado bem vivo na memória colectiva do povo judeu. Tomar a cruz não era uma metáfora romântica. Era uma realidade cruel e uma ameaça permanente para os cidadãos não romanos.

Jesus é o Servo Sofredor de Javé profetizado em Is 50, 7. Segui-lo supõe imitar a sua determinação e perseverança, assinaladas pela expressão «pus o meu rosto como pederneira» (50, 7). Trata-se de uma atitude de resolução e de força de vontade para pôr o “rosto”, isto é, a honra, o destino e a identidade, perante qualquer desafio, sofrimento e perseguição, em nome da missão que o profeta é enviado a realizar.

O convite de Jesus a tomar a cruz é um aviso para o seguir, porque só quem é suficientemente corajoso para o fazer deve actuar com total liberdade para enfrentar acusações falsas, calúnias e sofrimentos graves. Para chegar a essa disponibilidade total por causa de Cristo, é preciso, antes de mais, libertar-se do seu “ego”: «Quem quiser vir após mim, negue-se a si mesmo» (Mc., 8, 34). Não devemos continuar a agarrar-nos aos nossos próprios desejos, vontades, ideias, zonas de conforto e projectos de vida.

O apelo de Jesus não se refere principalmente àquilo que as pessoas costumam designar como “cruzes” quotidianas, como ter de suportar algumas dificuldades, aborrecimentos e embaraços. Mesmo as doenças persistentes nem sempre representam este desafio de Cristo – mesmo os não-cristãos precisam de as sofrer e até de enfrentar a morte.

Antes de mais, tomar a cruz significa entregar a vida por amor de Cristo, do seu Evangelho, do que Ele viveu e pensou. Só quando aceitamos plenamente e vivemos essa decisão fundamental é que os problemas da nossa vida, pequenos e grandes, se tornam parte integrante do discipulado.

A identidade de Jesus está intimamente ligada à sua auto-oferta na cruz. Então, e o leitor? Que diz quem é Ele?

Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ

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