A Porta Estreita da Humildade
«Senhor, haverão de ser poucos os salvos?» (Lc., 13, 23)
A resposta de Jesus à pergunta feita no início do Evangelho deste Domingo (Lc., 13, 22-30) é multifacetada e mais complexa do que pensamos. De facto, “exclusividade” e “inclusividade” são ambas parte da narrativa da resposta de Jesus a esta indagação fundamental.
Antes de tudo, Jesus exorta-nos a entrar pela «porta estreita» porque «muitos procurarão entrar sem o conseguir» (v. 24). Estas palavras parecem revelar que apenas alguns serão salvos. Mas, no final da passagem, Jesus também exclama que «virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e ocuparão seus lugares à grande mesa no Reino de Deus» (v. 29).
Na Primeira Leitura também lemos que Deus virá reunir todas as nações e elas virão e verão a Sua glória (Is., 66, 18). Embora o portão seja estreito, não é de todo inacessível.
A «porta estreita» não é um obstáculo colocado por Deus para impedir a entrada no Reino que tem pouquíssimas vagas disponíveis, como se se tratasse do vestibular para o acesso a uma universidade de prestígio, reservada apenas para os alunos mais bem preparados e privilegiados. São Paulo afirmou que Deus «deseja que todas as pessoas sejam salvas e cheguem ao pleno conhecimento da verdade» (1 Tm., 2, 4). Além disso, Jesus assegura que «na casa de meu Pai há muitas moradas» (Jo., 14, 2). A maior parte do Ministério de Jesus pode ser resumido pela Sua tentativa de abrir as portas do Reino de Deus aos pecadores, impuros e a muitos daqueles que foram excluídos pelas regras e leis do sistema religioso do Templo. Mesmo na Cruz, acolheu o “bom ladrão” para com Ele entrar no Reino. No centro do Evangelho está a poderosa mensagem de que somos salvos pela Misericórdia de Deus, um Deus que ofereceu a Sua vida por nós, não por causa da nossa própria justiça. Isto torna o Cristianismo único de entre outras religiões que também têm o seu próprio caminho (leis, rituais, práticas ascéticas) para a Salvação.
«Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos procurarão entrar sem o conseguir» (Lc., 13, 24). “Esforçar” é um verbo muito caro a São Paulo – personalidade que muitas vezes recorria a metáforas desportivas nas suas pregações: «Combate a boa batalha da fé» (1Tm., 6,12); «Combati o bom combate, completei a corrida, perseverei na fé!» (2 Tm., 4, 7), entre outras. Lutar por algo significa desejar algo, colocar o nosso coração naquilo que estamos a fazer.
Lembro-me da paixão do meu pai pelo alpinismo, um desporto que exige disciplina e perseverança. A bela paisagem está sempre lá para todos a verem, mas só aqueles, como o meu pai, que estão dispostos a subir, passo a passo até ao topo da montanha, poderão apreciá-la em toda a sua plenitude.
Da mesma forma, a Salvação é um processo que nunca é automático, dado que exige a nossa participação activa. É um dom que está depende do coração. Este tem de estar disponível para recebê-lo, o que significa termos a capacidade e o desejo de adequar a nossa vida para o efeito.
Todos aqueles que já peregrinaram a Belém conhecem certamente a “Porta da Humildade”, à entrada da igreja da Natividade. Originalmente, a entrada era bastante grande, condizente com a importância da basílica construída no local do Nascimento de Cristo. No entanto, para impedir que as pessoas entrassem na igreja a cavalo ou munidas de armas ou até mesmo acompanhadas com o seu gado, como acontecia muitas vezes naquela época, a entrada principal foi sendo reduzida até ao tamanho actual. Hoje é tão baixa e estreita que apenas uma pessoa de cada vez consegue entrar na igreja, e para fazê-lo tem de se curvar, não podendo carregar nada de volumoso. A razão prática para impedir a entrada de visitantes indesejados na igreja assumiu um significado espiritual: não podemos, pois, entrar no Reino com o “ego inflamado” ou com o coração fixado nos bens materiais. Somente aqueles que têm a mesma mente de Cristo – não considerou que ser igual a Deus fosse algo a ser explorado. «Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo plenamente a forma de servo e tornando-se semelhante aos seres humanos» (Fl., 2, 7) – podem participar no banquete do Reino de Deus. A «porta estreita» mencionada por Jesus tem muito provavelmente a ver com a humildade e reconhecer que precisamos da Misericórdia de Deus. Para quem sente uma necessidade compulsiva de provar que é melhor ou mais justo do que os outros, isto é uma notícia libertadora!
O Evangelho termina com uma frase que à primeira vista parece ser um aviso, mas que na verdade é uma forma de encorajamento: «Com toda a certeza, existem últimos que virão a ser primeiros, e primeiros que serão os últimos» (Lc., 13, 30). Sim, as prostitutas, os pecadores públicos e os humildes de coração entrarão primeiro no Reino de Deus (Mt., 21, 31). Podemos esperar que mesmo que sejamos os últimos o Senhor nos dê misericordiosamente a oportunidade de entrarmos no Seu banquete pela “Porta da Humildade”, e assim juntarmo-nos, finalmente, aos nossos companheiros de mesa: falo de todos nós, pecadores perdoados, redimidos, curados e reconciliados.
A porta pode ser estreita, mas a alegria de participarmos no banquete valerá certamente o esforço de esvaziarmos o nosso orgulhoso ego.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ