O sopro do Senhor Ressuscitado e o óleo da misericórdia para um mundo caótico
«Os discípulos estavam reunidos a portas trancadas, por medo das autoridades judaicas. Jesus apareceu, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco!”. Enquanto falava aos discípulos, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos ficaram muito alegres ao verem o Senhor. E Jesus lhes disse mais uma vez: “A paz esteja convosco! Assim como o Pai me enviou, Eu também vos envio”. E, tendo dito isso, soprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo”. Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados» (Jo., 20,19-23).
Há muitas razões para nos fecharmos num quarto escuro com medo do que está lá fora, tal como fizeram os discípulos depois da crucificação de Jesus. Diariamente, as notícias recordam-nos constantemente que vivemos num mundo perigoso. Mas ficar isolado e com medo não é uma boa maneira de viver. Apenas interioriza o caos que vemos lá fora. Felizmente, Deus sabe muito bem como lidar com o caos, como sublinha o Evangelho deste Domingo (Jo., 20, 19-31), que fala da primeira aparição de Cristo ressuscitado aos discípulos, em paralelo com os primeiros capítulos do Génesis.
Nos primeiros versículos da Bíblia, lemos que o Espírito de Deus varreu o caos primordial e, a partir desse vazio sem forma e escuro, Deus criou um universo ordenado, cheio de luz e de vida (cf. Gén., 1, 1). Durante a Última Ceia, Jesus formou os discípulos como uma comunidade de amor, permeada pela vida que provinha da partilha do Seu Corpo e Sangue. No entanto, após os acontecimentos traumáticos da prisão e execução de Cristo, os discípulos voltaram a um estado de caos: medrosos, divididos (Judas traiu, Tomé estava ausente), nas trevas.
No entanto, Cristo não ficou fora das portas fechadas pelos discípulos. Tendo ressuscitado, entrou no caos deles e restaurou a “ordem do amor” na comunidade assustada, dizendo «A paz esteja convosco». Instantaneamente, eles se tornaram uma nova criação, cheia de vida e de alegria: «Os discípulos ficaram muito alegres ao verem o Senhor» (Jo., 20, 20).
No Génesis, lemos também que «o Senhor modelou o ser humano do pó da terra, feito argila, e soprou nas suas narinas o fôlego da vida, e o homem se tornou um ser vivo» (Gén. 2, 7). Tal como Deus insuflou a vida em Adão, o Senhor ressuscitado insuflou o Espírito Santo nos seus discípulos receosos, enquanto os enviava a enfrentar o mundo perigoso de que queriam fugir: «Assim como o Pai me enviou, Eu também vos envio» (Jo., 20, 21). O Espírito Santo é, ao mesmo tempo, o “doador da vida” (como dizemos no Credo), mas também a força que nos envia em missão.
Prestei especial atenção ao simbolismo da respiração durante a Missa Crismal que celebrámos na igreja da Sé Catedral, no início do Tríduo Pascal. Como sabeis, na Liturgia são utilizados três óleos: o óleo dos doentes, o óleo dos catecúmenos e o óleo do Santo Crisma. Durante a Missa Crismal, o óleo dos doentes e o óleo dos catecúmenos são benzidos para servir um fim específico na vida dos fiéis, mas o Santo Crisma é consagrado solenemente porque tem um papel central nos Sacramentos do Baptismo, da Confirmação e da Ordem, bem como na consagração dos altares e na dedicação das igrejas.
Antes de ler a oração de consagração, como prescreve a Liturgia, o bispo D. Stephen Lee soprou sobre a abertura do vaso do Crisma. Este sopro simboliza, tanto a acção do Espírito sobre o caos primordial, como o dom do Espírito Santo concedido por Cristo ressuscitado aos discípulos temerosos, como recorda o Evangelho deste Domingo. No Baptismo, somos ungidos com o óleo crismal cheio de Espírito e incorporados em Cristo. Como explica o Catecismo da Igreja Católica, “a sua unção ilustra o nome de ‘cristão’, que significa ‘ungido’,e que vai buscar a sua origem ao próprio nome de Cristo, aquele que «Deus ungiu com o Espírito Santo» (Act., 10, 38)” (CIC nº 1289).
Um simples sopro do Bispo tem, de facto, um profundo significado teológico. O que quero sublinhar é que através da liturgia da Missa Crismal, compreendi que a experiência dos discípulos no dia de Páscoa é-nos totalmente acessível; já aconteceu no dia do nosso baptismo! O Espírito Santo foi-nos dado através da unção com o Crisma e também nós fomos enviados a levar a misericórdia e o perdão de Deus a um mundo perigoso e confuso: «Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados» (Jo., 20, 23).
Não é por mero acaso que alguns escritores espirituais antigos tenham visto uma ligação entre a etimologia da palavra grega “elaion” (óleo) e a palavra “eleos” (misericórdia). Sempre que confiamos o nosso medo a Deus e nos esforçamos por vencer as forças da divisão e do isolamento através de actos de misericórdia, vivemos plenamente a Graça que recebemos no Baptismo. Esta Graça é mais forte do que o caos que experimentamos tanto dentro de nós como no mundo à nossa volta. Fora do isolamento e cheio de esperança: esta é uma boa maneira de viver.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ