Tenhamos fé no poder do bem
«Deixai-os [o joio e o trigo] crescer juntos até à safra, e, no tempo da colheita, direi aos ceifeiros: “Primeiro ajuntai o joio e amarrai-o em feixes para ser queimado; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro”» (Mt., 13, 30).
As ervas daninhas mencionadas na parábola (Mt., 13, 24-43) são bem conhecidas dos agricultores de todo o mundo. Em Grego, são chamadas de “zizania”: são muito difíceis de arrancar porque se assemelham muito ao trigo na aparência. Somente quando as espigas aparecem é que as duas podem ser distinguidas: as espigas de trigo são pesadas e caem, enquanto as do joio são escuras, claras e erectas. As raízes das ervas daninhas também são bastante extensas e capazes de também arrancar o trigo, se forem extraídas à força.
Por estas razões, a parábola pode ser interpretada como um convite à tolerância e à paciência. Noutras palavras, o bem e o mal estão inseparavelmente interligados, tanto nas nossas vidas pessoais, quanto na sociedade em geral, e até mesmo na Igreja. Tentar erradicar o mal de forma intempestiva e violenta pode causar danos colaterais e prejudicar o bem que sempre está presente. A história muitas vezes testemunhou a restrição das liberdades e dos direitos das pessoas inocentes por aqueles que tentam “erradicar” violentamente o mal, sem sucesso duradouro.
Deus parece adoptar uma estratégia diferente, conforme explicado na parábola, mas a paciência de Deus não é assim tão fácil de entender.
Na primeira homilia que proferiu na qualidade de Papa, Bento XVI disse: “Quantas vezes nós desejaríamos que Deus se mostrasse mais forte. Que atingisse duramente, vencesse o mal e criasse um mundo melhor. Todas as ideologias do poder se justificam assim, justificando a destruição daquilo que se opõe ao progresso e à libertação da humanidade. Nós sofremos pela paciência de Deus. E de igual modo todos temos necessidade da sua plenitude. O Deus, que se tornou cordeiro, diz-nos que o mundo é salvo pelo Crucificado e não por quem crucifica. O mundo é redimido pela plenitude de Deus e destruído pela impaciência dos homens” (Praça de São Pedro, Domingo, 24 de Abril de 2005).
A parábola de Jesus sugere que a vinda do Reino de Deus não resulta apenas de mudanças externas ou estruturais. Acontece através do crescimento interior da bondade que ocorre no coração das pessoas, nos seus relacionamentos e projectos de vida. É um crescimento lento e silencioso. Só assim o Reino de Deus, longe de ser impotente diante do mal, transforma as pessoas e as situações, mesmo quando perante realidades muito intrincadas.
Ao lermos a parábola, ficamos com a sensação de que o dono do campo tem muita fé no facto do trigo ser abundante, apesar da presença do joio. O trigo não será por ele vencido. Este optimismo diante da complexidade da história humana é essencial para poder colocar em prática o Evangelho também em situações difíceis e até hostis.
Mas não devemos ser muito ingénuos e pensar que a presença das ervas daninhas não é relevante. As ervas daninhas competem activamente com o trigo por água e nutrientes, dificultando a possibilidade do trigo crescer e prosperar. Além disso, as ervas daninhas são tóxicas. Se os seus grãos não forem cuidadosamente separados dos grãos de trigo, a farinha que vier a ser produzida ficará adulterada e produzirá alimentos envenenados. Não é de admirar que Jesus descreva o joio em termos bastante inequívocos: «O joio são os filhos do maligno, e o inimigo que o semeou é o diabo» (Mt., 13, 38-39). Ao mesmo tempo que a prudência, a tolerância e a paciência devem ser o esteio dos seguidores de Jesus na nossa complexa sociedade, a Igreja é chamada a reconhecer e a chamar o mal pelo seu próprio nome. Mas a Igreja nunca deve combater o mal com o mal. Como exortou São Paulo, «não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem» (Rm., 12, 21).
Embora seja impossível separar completamente o “joio” do “trigo” no curso da história humana, Jesus garante-nos que haverá um tempo de colheita, quando o bem e o mal forem claramente separados e tratados. Será esse o dia do julgamento final. Até então, para evitar julgamentos errados ou decisões precipitadas e prejudiciais, somos chamados a discernir de que maneira podemos ajudar ao crescimento do bem nas nossas vidas e na sociedade.
A palavra “discernimento” deriva da palavra latina “discernere”, que significa “separar”. Ao praticarmos o discernimento espiritual, por meio do exame de consciência orante e humilde, e da meditação das Escrituras, podemos então iniciar o processo de separação, que se executado com paciência e centrado no crescimento do bom trigo, nos pode ajudar a tomar boas decisões, viver vidas frutíferas e ter uma atitude optimista quanto ao poder do bem. Precisamos, desesperadamente, deste tipo de esperança em tempos tão difíceis.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ