14º DOMINGO COMUM – Ano B – 7 de Julho

14º DOMINGO COMUM – Ano B – 7 de Julho

As “câmaras de eco” espirituais que nos impedem de acolher Jesus

“Jesus chegou à sua terra (…) muitos dos que o ouviam ficavam espantados. Diziam: ‘Onde é que este homem foi buscar tudo isto? (…) Não é este o carpinteiro, o filho de Maria?’ (…) E escandalizaram-se com ele. Jesus disse-lhes: ‘Os profetas não ficam sem honra, senão na sua terra, entre os seus parentes e na sua própria casa.’ (…) E ficou admirado com a incredulidade deles” (cf. Mc., 6, 1-6)

Já esteve em Itália? Se viajar de autocarro ou de comboio, pelo campo, a primeira coisa que poderá notar na paisagem são as torres sineiras. Todas as aldeias têm uma, e a sua forma única pode ajudá-lo a identificar e localizar a cidade à distância. O Catolicismo, em Itália, influenciou o traçado das cidades e vilas, que foram muitas vezes construídas em torno de uma igreja, normalmente com uma torre sineira. Ao longo da História, as cidades individuais mantiveram a sua governação, cultura e valores distintos, permitindo o florescimento de belas tradições e expressões artísticas. Infelizmente, estas fortes identidades locais também criaram conflitos odiosos com as cidades vizinhas.

A palavra italiana “campanilismo” descreve este fenómeno. Traduzida à letra, significa “ternura de sino”. Em Inglês, o termo equivalente é “parochialism” (“parrocchia” significa “paróquia”), e define um apego excessivo aos valores territoriais e aos interesses próprios, simbolizados pelo campanário, que leva à insularidade e a uma recusa obstinada de considerar opiniões e ideias diferentes.

No Evangelho deste Domingo (Mc., 6, 1-6), Jesus depara-se com uma atitude semelhante. Regressa à sua terra natal, um lugar onde as pessoas o conhecem bem e à sua família. Viram-no crescer ali. Viram-no trabalhar como carpinteiro. Foram elas que lhe proporcionaram uma educação religiosa na sinagoga. Depois de ter iniciado o seu ministério público, Jesus regressou à sua terra natal, pregando e comportando-se de uma forma diferente, com uma autoridade que ultrapassava em muito o estatuto humilde da sua origem. Os seus conterrâneos não podiam aceitar esta mudança. Como é que Ele, um vulgar carpinteiro de uma família vulgar, podia pretender ser o enviado de Deus?

Todos esperamos que Deus a nós se manifeste de acordo com as ideias preconcebidas que temos sobre Ele, as quais, conscientemente ou não, incluem muitas vezes privilégios e recompensas pela justiça própria. Jesus não ofereceu nada disso e, ao invés, convidou-os a um caminho de conversão que exige a crença em Deus, que manifesta o seu poder assumindo a nossa natureza humana e oferecendo a sua vida por toda a Humanidade, e não apenas por alguns seleccionados. O Evangelho, proclamado através dos actos e da acção de Jesus, embora enraizado na revelação e na tradição do Antigo Testamento, convida-nos a abrir-nos a uma compreensão mais profunda da natureza de Deus e do seu projecto para a Humanidade.

Na nossa vida de fé, sentimo-nos mais à vontade para entreter as nossas ideias sobre Deus do que para ter um verdadeiro encontro com Ele. Ficamos muitas vezes presos ao que aprendemos à volta da “torre do sino”, no centro da nossa zona de conforto, e bloqueamos assim a possibilidade de uma viagem de descoberta das formas como Deus se faz presente na nossa vida, muitas vezes de forma imprevisível: uma doença, um fracasso, uma súbita tomada de consciência de que é preciso mudar alguma coisa na nossa vida…

Uma versão moderna da atitude paroquial dos conterrâneos de Jesus é aquilo que o mundo dos media denomina como “câmara de eco”. Uma câmara de eco refere-se a um ambiente em que os indivíduos são expostos apenas a informações ou opiniões que se alinham com as suas crenças actuais. Neste tipo de ambiente, as pessoas só encontram conteúdos que reforçam as suas perspectivas, levando a uma visão distorcida da realidade. As câmaras de eco podem ocorrer tanto em linha como fora de linha, impedindo debates abertos e a consideração de pontos de vista opostos.

Uma das razões pelas quais as câmaras de eco são particularmente prevalecentes na Internet é o facto de os algoritmos adaptarem facilmente os conteúdos que encontramos em linha com base nos interesses anteriores dos utilizadores, limitando potencialmente a exposição a ideias diversas.

O Papa Francisco tem abordado esta questão várias vezes. Mais recentemente, na sua Mensagem para o 58º Dia Mundial das Comunicações Sociais, intitulada “Inteligência artificial e sabedoria do coração: para uma comunicação plenamente humana”, escreveu: “a revolução digital pode tornar-nos mais livres, mas certamente não conseguirá fazê-lo se nos prender nos modelos designados hoje como ‘echo chamber’ (câmara de eco). Nestes casos, em vez de aumentar o pluralismo da informação, corre-se o risco de se perder num pântano anónimo, favorecendo os interesses do mercado ou do poder. Não é aceitável que a utilização da inteligência artificial conduza a um pensamento anónimo, a uma montagem de dados não certificados, a uma desresponsabilização editorial colectiva. A representação da realidade por ‘big data’ (grandes dados), embora funcional para a gestão das máquinas, implica na realidade uma perda substancial da verdade das coisas, o que dificulta a comunicação interpessoal e corre o risco de danificar a nossa própria humanidade. A informação não pode ser separada da relação existencial: implica o corpo, o situar-se na realidade; pede para correlacionar não apenas dados, mas experiências; exige o rosto, o olhar, a compaixão e ainda a partilha”.

Todos os dias, Jesus regressa à casa do nosso coração. Estamos prontos a recebê-Lo e a escutar a Boa Nova – inclui a verdade, muitas vezes desconfortável, sobre nós próprios e sobre a realidade –, que ele partilha connosco, ou ficamos pelas ideias abstractas que temos dele?

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

FOTO: @ REUTERS

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *