«União Europeia passa pela mais grave crise de sempre».
José Luís Sales Marques considera que a União Europeia passa actualmente por uma grave crise em todos os quadrantes, resultante da falta de solidariedade entre os Estados-membros, sendo mais notória nas vertentes económica e social. Findas as comemorações do Dia da Europa, o presidente do Instituto de Estudos Europeus revela enorme cepticismo em relação ao futuro, não excluindo a saída de alguns países do bloco formado na Primavera de 1951, sob proposta do luxemburguês Robert Schuman.
A União Europeia (UE) atravessa desafios bastante complexos que estão a pôr em causa a sua sobrevivência. No entanto, para José Luís Sales Marques não são suficientes para a total desintegração do bloco europeu.
«Diria que havia tensões quase latentes entre o que é nacional e supra-nacional; o que são as instituições europeias, que não são eleitas, exceptuando o Parlamento Europeu, o que resulta em défice democrático; e também com o que se passa em cada uma das democracias dos Estados-membros, que embora continuem a sê-las, registavam já desenvolvimentos algo preocupantes», explica o presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM) a’O CLARIM.
As tensões acabaram por vir à tona com «duas causas externas» que atingiram a UE «quase como dois mísseis»: a crise do “subprime” nos Estados Unidos e os refugiados provenientes maioritariamente do Médio Oriente.
«A União Europeia quase que se auto-liquidava em certos aspectos, do ponto de vista financeiro, até que o Banco Central Europeu decidiu fazer algo, ao dar uma interpretação criativa às suas competências, o que em certa medida ajudou a aliviar alguns problemas. No entanto, a falta de respostas mais efectivas começaram por minar a questão da solidariedade entre povos, afinal um dos aspectos fundamentais para a construção da União Europeia», sustenta.
Quanto aos refugiados, «têm exercido grande pressão» na UE, «já por si a passar por muitas contradições» que «nunca foram verdadeiramente resolvidas». «O número de refugiados é elevado, mas não é nada que a União Europeia, com uma população envelhecida, não seja capaz de absorver. O problema é embater numa União Europeia já muito dividida; onde existe um sentimento nacionalista crescente, provavelmente fruto dessa quebra de solidariedade», sendo «responsáveis os países mais poderosos» do bloco europeu.
«A quebra de solidariedade faz com que os chamados países da periferia – Portugal é um deles – passem por dificuldades económicas. O neo-liberalismo também ganhou grandes foros de cidadania e de protagonismo junto dos Governos, com efeitos perversos na preservação do chamado modelo social europeu», acrescenta Sales Marques.
E o que pensa o presidente do IEEM sobre o “establishment” e a corrupção? São dois problemas graves na UE? «No fundo, é o Poder. A luta pelo Poder dentro de cada um dos Estados-membros, porque se olharmos para as eleições europeias, durante as campanhas eleitorais, ninguém fala da União Europeia. Os partidos [políticos] falam é das questões locais. Acontece em toda a parte», admite.
«Há questões que também têm a ver com o défice democrático dentro da União Europeia. Há várias lógicas em jogo e várias solidariedades que não são necessariamente as solidariedades que promovam efectivamente o bem-estar dos povos europeus», reforça.
Apesar de todas as contrariedades, Sales Marques acredita que o bloco europeu, «enquanto realidade política formal, vai sobreviver, mesmo que algum país opte por sair», como poderá acontecer com a Grã-Bretanha.
Ambiguidades
A União Europeia «procura projectar os seus valores de tolerância e civilidade no globo», mas «o que está a suceder no Médio Oriente», essencialmente na Síria, no Iraque e na Líbia, é visto por Sales Marques como «uma grande tragédia para o mundo, fruto do radicalismo islâmico» praticado por «organizações criminosas» que «adoptam falsidades» como causas, algo ao qual a Europa não tem estado imune.
«Estes monstros também são o reflexo, essencialmente, da política externa norte-americana, que deitou abaixo os regimes [no Iraque e na Líbia, tentando o mesmo na Síria], sem haver qualquer alternativa fundamental», justifica Sales Marques, sublinhando que «as força radicais islâmicas aproveitaram a anarquia existente para se afirmarem através do medo, da violência e do terror».
Desse modo, percebe a intenção de Vladimir Putin em querer manter Bashar al-Assad como Presidente sírio, contrariando a intenção de Barack Obama: «A intervenção militar russa teve o efeito de segurar a actual liderança síria. Olhando para os casos do Iraque e da Líbia, que depois das intervenções [da coligação liderada pelos Estados Unidos], causaram vazios e completas anarquias, talvez não seja má ideia segurar al-Assad, porque, de facto, mais vale uma situação conhecida, do que uma completamente desconhecida e descontrolada».
Por outro lado, já acreditou mais na adesão da Turquia à UE. «Parece-me que está cada vez mais longe da União Europeia, apesar das últimas negociações. Houve uma altura em que era uma mais-valia. Estamos a passar por um período de múltiplas mudanças, que estão acontecer a vários níveis. Neste momento não sei dizer se será uma mais-valia», conclui.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA