Silêncio que fervilha o espírito
Exigem maturidade, entrega e uma caminhada de fé que não está ao alcance de todos. Os retiros espirituais de longa duração são cada vez mais procurados pelos católicos de Macau. A prática tornou-se sistemática e levou a Diocese a mobilizar-se para dar apoio aos que pretendem aprofundar a sua fé. A Casa de Retiros da Vila de São José, em Coloane, acolhe todos os meses entre três e cinco retirantes. Muitos elegem os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola como o método preferido para chegar ao diálogo com Deus.
O número de pessoas empenhadas em submeter-se a retiros de natureza espiritual está a aumentar em Macau e a constatação levou a Diocese a instituir, ainda que de forma informal, um programa de acompanhamento para aqueles que desejam partir ao encontro de Deus num ambiente de silêncio, oração e reflexão.
Situada em Coloane, na Vila de São José, a Casa de Retiros da Diocese recebe mensalmente entre três a cinco fiéis, que cumprem retiros de longa duração, contando com a assistência de um orientador espiritual. Os exercícios de contemplação e meditação que seguem o método inaciano são cada vez mais procurados, disse o padre Eduardo Aguero em declarações a’O CLARIM. «Na Casa de Retiros da Vila de São José, em Cheoc Van, estes retiros estão a começar a realizar-se com maior frequência. Este mês, estão ou estiveram quatro pessoas. Eu tenho acompanhado as Irmãzinhas de Maria. Uma delas está agora a cumprir um retiro de um mês», adiantou o sacerdote. «Eu faço retiros dirigidos que seguem o método inaciano. A Casa de Retiros pediu-me para acompanhar duas pessoas. Para além destas, acompanhei outras duas – uma está a fazer um retiro de um mês, tendo por base os Exercícios Espirituais de São Inácio de Loyola, e a outra concluiu um retiro de oito dias. Faço isto porque é um serviço que aprendi», sublinhou o padre Aguero, um dos orientadores espirituais dos retiros promovidos pela diocese de Macau.
Encarado por muitos fiéis como um tesouro espiritual da Igreja, os Exercícios Espirituais concebidos por Santo Inácio de Loyola há quinhentos anos são uma forma de caminhar ao encontro de Deus por meio da oração e do discernimento. Sejam conduzidos em grupo ou individualmente, os Exercícios são sempre uma experiência pessoal, em que o retirante se predispõe a estar com Deus num ambiente de silêncio, durante um período que se pode prolongar por um mês. A experiência, explicou o padre Fernando Azpiroz, exige coragem e generosidade a quem a ela se submete. «Santo Inácio requer que o retirante participe no retiro com grande coragem e generosidade. A experiência exige que as pessoas tenham o desejo de ir ao encontro de Deus e a capacidade de rezar em silêncio; a vontade de confiar e de ser guiado pelo orientador espiritual, bem como um certo nível de equilíbrio psicológico e de maturidade», salientou o actual Superior da Companhia de Jesus em Macau.
Para o padre Eduardo Aguero, maturidade é, de resto, a palavra-chave em todo o processo. O missionário dehoniano considera que os Exercícios Espirituais, quando cumpridos em toda a sua plenitude e tal como Santo Inácio de Loyola os concebeu, exigem uma caminhada de fé e uma grande capacidade de entrega e sacrifício, não só tem termos físicos, mas também em termos anímicos. «Os Exercícios Espirituais Inacianos prolongam-se por um mês e não se podem administrar a qualquer pessoa. As pessoas que se submetem a estes exercícios têm de ter uma caminhada de fé, uma vida de oração», esclareceu o padre argentino. «Os retirantes têm de ficar todo o dia sozinhos, a rezar. Têm três, quatro, cinco momentos de oração e cada um desses momentos prolonga-se por uma hora. Têm de ter preparação e depois têm que fazer uma avaliação, uma revisão da oração. As pessoas têm de ser maduras para isso», acrescentou.
NA MAGNITUDE DO SILÊNCIO
Os retiros espirituais – e os exercícios inacianos, em particular – são habitualmente uma experiência da qual os participantes saem com uma maior capacidade de servir e de se comprometer com a realidade. Pautados pela introspecção, pelo recolhimento e pela oração, podem ser o primeiro e decisivo passo para uma mudança profunda na forma como se olha para a própria existência. «Os Exercícios Espirituais são uma experiência pessoal de oração aprofundada da qual resultam decisões importantes ou mudanças de fundo na nossa vida. Há diferentes formas de alguém se submeter aos Exercícios Espirituais. A mais tradicional pode prolongar-se até aos trinta dias, uma ou duas vezes na nossa vida ou, em alternativa, até aos oito dias, uma vez por ano», referiu o padre Fernando Azpiroz, que a exemplo do padre Eduardo Aguero também nasceu na Argentina. «Há, no entanto, uma grande variedade de adaptações, incluindo cumprir os Exercícios Espirituais ao longo de um período mais longo de tempo durante a vida, ou então experiências mais curtas que podem durar entre três e cinco dias. Independentemente da modalidade pela qual se opte, o orientador espiritual é quem apresenta os materiais para oração diária ao retirante. Depois o retirante tem que encontrar tempo para partilhar os frutos da sua oração diária com o orientador. Santo Inácio recomendava que fossem conduzidos quatro momentos de oração e de meditação por dia, cada um com uma duração de uma hora», disse.
A oração é um dos aspectos fundamentais da caminhada espiritual a que os retirantes se submetem, mas o diálogo com Deus não se faz apenas pela súplica. O silêncio, sustentou o padre Azpiroz, é no processo de submissão aos Exercícios Espirituais um aspecto tão ou mais importante do que a oração. «O silêncio é uma das experiências mais importantes dos Exercícios Espirituais. Durante a maior parte do tempo pelo qual se prolongam os Exercícios Espirituais, o retirante está sozinho e em silêncio», acentuou, concluindo: «É neste silêncio que o retirante é convidado a experienciar a presença de Deus, a ouvir a voz dEle. É também uma forma de ganhar consciência dos diferentes movimentos espirituais que estão a empurrar o seu coração para determinada direcção, antes de uma determinada decisão ser tomada».
Marco Carvalho