Mais dinheiro, menos amor familiar.
Negligência, desapego à terra, indústria do Jogo e “smartphones” constituem os principais factores para que a comunidade de São José Operário seja uma das mais afectadas pela desigualdade social em Macau, aponta o padre Daniel Ruiz Cerezo.
A quase-paróquia que serve aquele nicho da população tem remado contra a maré, ajudando quem vive longe do “glamour” dos casinos e das preocupações do “establishment”.
O padre Daniel Ruiz Cerezo, pároco auxiliar da quase-paróquia de São José Operário, que abrange parte da Areia Preta, admitiu a’O CLARIM que está a servir «uma das zonas mais desfavorecidas de Macau», porque ela «é simplesmente negligenciada».
«Trata-se de uma zona densamente povoada por pessoas originárias da China continental, que vieram para Macau com o propósito de trabalhar e ganhar algum dinheiro. De certa forma, há cerca de trinta ou quarenta anos não tinham o sentido de pertença, pois vinham do interior da China e Macau ainda se estava a desenvolver em várias áreas», descreveu o sacerdote, reforçando que «para alguns deles o sentido de pertença ainda é algo sobre o qual vale a pena trabalhar».
No entanto, assinalou haver uma mudança de mentalidade nos últimos anos, dado que muitos dos que chegaram viram os seus filhos nascer em Macau, tendo estes aqui crescido e desenvolvido as suas aptidões profissionais. «A percepção dos filhos, que constituem as duas últimas gerações, é bastante diferente de há trinta ou quarenta anos», justificou.
Outro aspecto positivo é a melhoria registada ao nível da qualidade de vida. «Aliás, reflecte o que também se passa no centro da cidade, mas de forma diferente. Muitas famílias de Macau têm agora uma carreira profissional. Os pais trabalham e a situação financeira das famílias melhorou, seja na Península, na Taipa ou em Coloane. Todavia, muitos dos que vivem no norte da cidade continuam a ter ordenados baixos, visto precisarem de trabalho e os que conseguem são definitivamente os menos bem remunerados do território», analisou.
Casinos
Os problemas que afectam a comunidade de São José Operário não fogem à influência dos casinos, explicou o padre Cerezo, «porque muitas pessoas estão empregadas, seja na construção civil, nos hotéis ou nos casinos».
«Afecta a vida familiar! Os pais têm a sua carreira profissional. Provavelmente, ele trabalha no turno da noite e ela no turno de dia. Há um grande impacto na vida dos filhos, que passam praticamente o tempo na escola», frisou o sacerdote, sem esquecer o pouco acompanhamento familiar que pode levar os jovens a enveredar por caminhos desviantes: «O vício do jogo tem um verdadeiro impacto nos jovens, não só nos que vão aos casinos, como também nos que fazem apostas online».
«Onde quer que andem por Macau prevalece sempre a imagem dos casinos. E mesmo onde não há casinos há sempre um familiar a trabalhar neles. É um desafio, mas também uma dificuldade real», assumiu.
Divórcios
As famílias lutam por uma vida melhor, mas por vezes acontece o inevitável, até mesmo na comunidade de São José Operário. «O número de divórcios tem aumentado», lamentou o padre Cerezo, para quem «os vícios contribuem para a escalada» de famílias destroçadas, visto as pessoas não terem agora tempo para falar umas com as outras.
«Têm os seus telemóveis, 24 horas por dia. É difícil encontrarem tempo para falar cara a cara. E quantas vezes já olhámos para um casal com os filhos num restaurante, cada qual entretido com o seu telemóvel? Os telemóveis são bons [utensílios de comunicação], mas também provocam estas consequências não tão boas», atirou.
Nesse sentido, referiu que «os diferentes horários laborais são outra das causas» a contribuir para o aumento do número de divórcios, em virtude dos «pais não passarem muito tempo com as crianças, nem haver entre os casais muito tempo para falar e partilhar momentos em comum».
Actividades
Com o intuito de promover a integração social, a quase-paróquia de São José Operário tem em marcha as actividades de Verão para as crianças da comunidade, e não só.
«As actividades estão essencialmente relacionadas com a formação humana e um pouco com a formação religiosa para crianças. Há formas diferentes de abordagem porque algumas não são católicas. Por isso há que combinar as duas vertentes. As não católicas interagem muito bem com as outras crianças, pois há valores comuns que transmitimos nas nossas actividades de Verão», sublinhou.
A quase-paróquia também realiza actividades de formação linguística. «No passado sábado foi ministrado um curso para expatriados em idade adulta, sendo muitos deles das Filipinas e da Indonésia, entre outros países», recordou o padre Cerezo.
E há o grupo de São Vicente de Paulo, que tem como objectivo prestar ajuda aos pobres na parte norte da cidade, maioritariamente a mulheres, idosos e crianças de famílias desestruturadas.
Na igreja de São José Operário celebra-se missa em Cantonense, Mandarim e Inglês, por forma a servir os locais e os expatriados a residir na comunidade, ou fora dela, sem esquecer quem está de passagem pelo território.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA