A manta do menino e o amor que nos move
Esperança, família e renovação. O Natal é, um pouco por todo o mundo, sinónimo de união, partilha e gratidão, e Macau não escapa a esse entendimento. Mas por entre os valores que são associados com mais frequência à quadra, um há, no entanto, que é inegavelmente mais profundo e mais sublime. Se o nascimento de Jesus, de um ponto de vista bíblico, significa a entrada de Deus na essência humana, em nenhuma outra circunstância essa essência é mais genuína do que no seio da família.
É precisamente a família que os fiéis, com quem O CLARIM falou nos últimos dias, enaltecem como sendo o aspecto mais determinante da celebração do nascimento de Jesus Cristo. No calendário sentimental de Florita Morais Alves, o Natal tem uma centralidade ímpar. É, desde os verdes anos da infância, o momento mais aguardado do ano, não só pelo que representa, mas também pelo que proporciona. «É, para mim, o momento mais importante do ano e eu faço questão de que seja bem celebrado junto da minha família e também dos meus amigos», disse a dirigente da Confraria da Gastronomia Macaense.
A importância que Florita Morais Alves atribuiu aos que lhe são mais próximos está bem patente no nome – La Famiglia – com que “baptizou” o restaurante de que é proprietária na ilha da Taipa. Mas para a afamada cozinheira a natividade do Filho de Deus feito Homem proporciona também um inegável e necessário convite à reflexão, à introspecção e à gratidão. «Já há muitos anos que não participo na Missa do Galo. Normalmente fico em casa a preparar a ceia para a família, porque depois da Missa do Galo eles vão lá comer a casa», revelou Florita, acrescentando: «O que costumo celebrar sempre é o “Te Deum”, que se realiza no dia 31 de Dezembro, para agradecer tudo o que me foi dado ao longo do ano. É, portanto, uma oportunidade para agradecer e para demonstrar a minha gratidão ao Senhor».
Carlos Anok Cabral navega a arte e os segredos da Gastronomia Macaense com a mesma desenvoltura, mas para o dirigente da Confraria de Nossa Senhora de Fátima a missa “in galli cantu” – a missa à hora em que o galo canta – assume uma centralidade preponderante nas celebrações do nascimento de Jesus Cristo. A participação na cerimónia remete a parte crucial das celebrações em família para o dia de Natal propriamente dito. «É uma época muito especial para nós. Costumamos ir sempre à Missa do Galo e depois da Missa do Galo voltamos para casa dos pais e festejamos aí a ceia. É uma refeição muito levezinha, não comemos nada de muito pesado. Temos canja de galinha, temos uns bolinhos e um lacassá. Fazemos poucas coisas para a ceia. No dia seguinte, 25 [de Dezembro], depois da missa das 11:00 horas, voltamos outra vez para casa dos pais e cada um leva um prato, para celebrar aí a festa natalícia», explicou.
Em casa de Carlos Cabral, o Natal é partilha até na hora de colocar a mesa. Há iguarias que não podem faltar de todo numa mesa festiva macaense, até pela simbologia que lhes é atribuída. «Cada um traz um ou dois pratos, até porque é praticamente impossível que alguém consiga preparar tudo de véspera. Eu levo dois pratos e mais umas sobremesas», referiu o recentemente reeleito presidente da Confraria da Gastronomia Macaense. «Numa mesa macaense não pode faltar o “tacho” e não pode faltar o “cake”. Mas também há algumas sobremesas que são muito representativas do período de Natal. Temos a “alua”, que é a cama do Menino Jesus. Depois temos o “coscorão”, que é a manta do Menino Jesus. E, depois, temos o “farte”. O “farte” é a almofada do Menino Jesus. Este conjunto de três peças não pode faltar durante a festa natalícia. Tem tudo um significado particular», sublinhou.
RENASCER EM CRISTO
O barulho da família, a confusão, a azáfama de última hora entre tachos e panelas. A banda sonora do Natal em casa de Irina Rosado de Carvalho não se furta ao pequeno caos de quem atribui à quadra uma importância estruturante. O Natal – sustentou Irina – é a Boa Nova do nascimento de Cristo, mas também união, comunidade e uma oportunidade mais para o renascimento pessoal. «O Natal não é só a vinda de Jesus, o nascimento de Jesus, mas também a união da comunidade, como foi possível ver durante o Bazar que a Diocese organizou durante o fim-de-semana passado», argumentou a antiga jornalista. «Para além da Páscoa, esta é para mim a época mais importante. E não é apenas por celebrarmos o nascimento de Jesus, mas também por estarmos em contagem decrescente para o nosso renascimento. A aproximação ao Natal proporciona-nos a todos um momento de união e este ano essa perspectiva é ainda mais importante, até porque ao longo dos três últimos anos a pandemia de Covid-19 não nos permitiu celebrar esta época com a magnitude desejada. Este ano é como se fossemos três vezes mais: três vezes mais amor, três vezes mais unidos. É um ano muito especial», defendeu Irina.
Segundo o padre Daniel Ribeiro, SCJ, o “amor” é o aspecto central das celebrações da Natividade de Cristo. Evoca, antes de qualquer outra dimensão, a dedicação ao próximo que marcou a trajectória de Jesus e continua a ser, dois mil anos depois, fonte de inspiração para milhões de pessoas em todo o mundo. «Muitas coisas são difíceis para os sacerdotes, para a Igreja e para cada um de nós, mas quando somos cristãos olhamos o mundo de uma forma diferente. E que forma diferente é essa? Deus fez-se gente. Isto é algo específico da religião cristã. Deus fez-se gente, Deus tornou-se um de nós para mostrar que o amor, que a bondade, que o carinho de Deus, que a proximidade de Deus é muito maior que o silêncio d’Ele», disse o vigário paroquial da Sé Catedral para a comunidade de língua portuguesa. «Penso que há três ideias que podem ajudar a iluminar-nos e a perseverar na fé. A primeira delas: Deus é sábio. Se Ele é sábio, ele sabe o que está a fazer. Nós temos de confiar n’Ele. Deus é amoroso. E se Ele é amoroso, Ele cuida de nós e ele está do nosso lado. Outra é que Deus é todo poderoso. Na hora certa, quando for necessário, Ele vai resolver e vai dar resposta ao que nos aflige», concluiu o padre Daniel.
Marco Carvalho