O método chinês, ayurvédico e unani
Numa altura em que em Portugal, uma vez mais, se levantam reticências ao reconhecimento efectivo das medicinas ditas alternativas, aproveitamos para fazer uma breve análise acerca da medicina tradicional, em particular a Medicina Tradicional Chinesa, à qual, aqui em Macau, podemos ter acesso à distância de uns poucos passos. Ao longo dos anos pela cidade passaram, com fins puramente académicos, especialistas da China, Coreia do Sul, Tailândia, Filipinas, Indonésia e Paquistão, e houve até uma conferência internacional subordinada ao tema “Uma Medicina Alternativa e Integrante”, iniciativa conjunta da Fundação ASEAN, da AUAP – Associação das Universidades da Ásia Pacífico, e da Universidade de Macau.
Para o leigo na matéria, permanece a questão: mas o que é exactamente isso da medicina tradicional?
Medicina tradicional é um termo utilizado para definir, seja a Medicina Tradicional Chinesa, a Medicina Ayurvédica da Índia, seja a árabe Unani, assim como um vasto e variado conjunto de medicinas indígenas presentes nos cinco continentes. Nos países onde o sistema nacional de saúde é dominado pela Medicina Ocidental, ou onde a medicina tradicional não foi ainda incorporada no sistema nacional de saúde, ela é frequentemente denominada como medicina “alternativa”, “complementar” ou “não-convencional”. De um modo geral, utiliza-se o termo “medicina tradicional” quando nos referimos a África, América Latina, Ásia e à região do Pacífico, enquanto que o termo “medicina alternativa” é reservado à Europa ou América do Norte.
Podemos definir a medicina tradicional como “um conjunto de conhecimentos, técnicas e práticas de cuidados de saúde holísticos que são reconhecidos e aceites, por determinadas comunidades, para o tratamento e prevenção de doenças”. Baseia-se em teorias indígenas, crenças e em experiências transmitidas oralmente de geração em geração.
Os aspectos positivos desta forma de encarar e combater a doença têm a ver com a sua diversidade e flexibilidade e, sobretudo, acessibilidade, em termos económicos, mas não só, em muitas partes do mundo. Para além disso, a medicina tradicional tem grande aceitação entre as populações dos países em desenvolvimento e tem visto a sua popularidade aumentar enormemente nos países desenvolvidos. Poderíamos ainda referir o facto de ela não necessitar de níveis de investimento tecnológico muito elevados, isto apesar de ser já, em muitos casos, uma actividade económica de crescente importância.
Quanto a desafios para o futuro, poderíamos indicar a ainda pouca aceitação por parte de alguns Governos, a falta de rigor científico no que se refere à eficácia de muitas das suas terapias, e os problemas que se levantam quanto à sua correcta utilização.
A Medicina Tradicional Chinesa, com mais de quatro mil anos, é muito provavelmente, não apenas a mais antiga das medicinas, mas também a que mais tem sido praticada ao longo do percurso da humanidade.
A obra Huangdi Neijing (o Clássico de Medicina Interna do Imperador Amarelo), compilado entre 475 a.C. e 25 d.C., mas escrito e publicado anteriormente, entre 777-221 a.C., é um relato em forma de conversa entre o mítico Imperador Amarelo e seis de seus ministros, igualmente lendários, e ainda o seu médico, e reúne os primeiros conhecimentos escritos sobre Medicina Chinesa. É, há mais de dois milénios, fundamental fonte doutrinária da mesma.
O Huangdi Neijing corta com as antigas crenças xamanísticas que buscavam a origem das doenças nas influências demoníacas, e encontra respostas na dieta, no estilo de vida, nas emoções, no Meio Ambiente e na idade. Estas são a razão para que as doenças se desenvolvam. De acordo com Huangdi Neijing, o universo é composto de várias forças e princípios, como “yin” e “yang”, o “chi” e os cinco elementos (ou fases). Essas forças podem ser entendidas por meios racionais e o homem pode ficar em equilíbrio ou retornar ao equilíbrio e à saúde se entender as leis dessas forças naturais. O homem é um microcosmo que reflecte o macrocosmo maior. Os princípios de “yin” e “yang”, os cinco elementos, factores ambientais como o vento, a humidade, o quente e o frio, parte do macrocosmo, também se aplicam ao microcosmo humano. Sábia e experimentada, a medicina tradicional tem dado, ao longo dos séculos, provas de uma eficácia que ultrapassa com frequência o próprio entendimento da Ciência. Tem sido por isso mesmo objecto de interesse e estudo, por grande número de cientistas e médicos de todo o mundo moderno.
No século XVI, altura em que os portugueses fizeram as primeiras incursões nos mares da China, deram-se os primeiros contactos entre o mundo ocidental e a Medicina Chinesa. Existem documentos que referem o “hábito bizarro” dos chineses nunca beberem água fria, mas sempre infusões de plantas. Não era por acaso que o faziam. A água ingerida dessa forma, pelo simples facto de ser fervida, prevenia e impedia os chineses de contrair cólera ou febre tifoide, ao contrário dos portugueses que atingidos por essas doenças morriam. Esta atitude “bizarra” seria hoje classificada como uma medida de prevenção pela medicina científica, que só tardiamente acordou para o princípio “melhor que curar é prevenir”.
Aliás, a Medicina Oriental é essencialmente preventiva, daí que a maioria dos medicamentos chineses sejam constituídos por tónicos, sobretudo para o fígado e para os rins.
Joaquim Magalhães de Castro