Um território, seis religiões
As seis maiores denominações religiosas de Macau juntaram forças e o resultado é a exposição “Uma Viagem de Mais de Mil Milhas”, que será inaugurada no Domingo, nas instalações do Antigo Tribunal. A mostra – o maior evento inter-religioso organizado no território desde a transferência de soberania de Macau para a China – reúne 109 artefactos sagrados em representação do património religioso e cultural das seis religiões.
O edifício do Antigo Tribunal, na Avenida da Praia Grande, acolhe a partir de Domingo e até 17 de Março aquele que é o maior evento inter-religioso realizado em Macau desde a transferência de soberania.
Com um foco particular na cultura e no património religiosos das seis religiões que mais fiéis movimentam no território, a exposição “Uma Viagem de Mais de Mil Milhas” reúne mais de uma centena de artefactos e objectos sagrados do Budismo, Catolicismo, Taoísmo, Islamismo, Anglicanismo e da fé Bahá’i.
O certame é o resultado de um longo processo de diálogo e deliberação que se prolongou por mais de um ano. Para Benedict Keith Ip, curador da exposição, o maior desafio que se impunha na preparação de uma iniciativa com esta amplitude e complexidade era garantir que a exposição tivesse a religião como foco essencial. «Este é um projecto que está a ser preparado há um ano. Mas grande parte desse tempo, entre oito a nove meses, foi gasto a confirmar todos os detalhes e a decidir se avançávamos ou não para a realização desta exposição. O processo de tomada de decisão, na verdade, prolongou-se por bastante tempo. Em termos operacionais, só necessitámos de quatro meses para reunir todos os artefactos que vão estar em exibição. Para mim, pessoalmente, foram quatro meses bastante intensos e desafiantes», explicou o actual responsável pela gestão do Arquivo Histórico Diocesano, em declarações a’O CLARIM. «O aspecto mais importante é manter a exposição centrada na religião. Este aspecto, por si só, foi muito difícil de alcançar. Não é fácil manter a religião como principal foco da mostra. Normalmente, este tipo de exposições incide sobre uma perspectiva artística e teria sido bem mais fácil organizar os itens e os artefactos por ordem cronológica ou por religiões, mas esse nunca foi o nosso propósito. O nosso objectivo com este evento conjunto é demonstrar que nos juntamos, que estamos a colaborar e que queremos contribuir para o desenvolvimento da sociedade em que nos inserimos», acrescentou.
Organizada conjuntamente pela Associação Católica Cultural de Macau, Associação Islâmica de Macau, Assembleia Espiritual dos Bahá’ís de Macau, Associação Taoista de Macau, Área Missionária de Macau da Igreja Anglicana e pela Associação Budista Geral de Macau, a exposição conta com o apoio do Instituto Cultural, que cedeu as instalações do edifício do Antigo Tribunal durante quase três semanas. Cada uma das seis religiões ficou responsável por um pelouro diferente, com a comunidade islâmica a responsabilizar-se pela segurança do espaço, a Igreja Anglicana a chamar a si a incumbência de divulgar o evento e a fé Bahá’í a oferecer-se para produzir os catálogos e o restante material gráfico. Para Kong Siew Huat, presidente da Assembleia Espiritual da Comunidade Bahá’í em Macau, a mostra tem o condão de demonstrar, de forma transversal, o verdadeiro rosto da religião a todos quantos acreditam que a crença em Deus ou numa entidade superior não se coaduna com a modernidade. «O propósito da religião está bem patente no lema sobre o qual assenta esta exposição: paz, amor, serviço, devoção, compaixão e esclarecimento. Muitas pessoas gostam de associar as religiões a rituais, cerimónias e dogmas. Aos jovens que colocaram em pé esta exposição, o grande objectivo que os move é convidar a população de Macau a reaproximar-se destas religiões, para que possam compreender que o verdadeiro espírito das religiões tem como propósito o desenvolvimento individual e o desenvolvimento da sociedade», defendeu o responsável. «A comunidade Bahá’í está muito feliz por ser parte desta iniciativa. Trabalhámos uns com os outros de forma muito próxima e ao longo deste processo aquilo que se evidenciou foi a unidade de todas as religiões», complementou Kong Siew Huat.
FÉ ACIMA DAS DIFERENÇAS
À Associação Católica Cultural de Macau e, em particular a Benedict Keith Ip, coube a delicada tarefa de manusear e de preparar para a exposição os já referidos 109 artefactos religiosos que irão estar expostos. Segundo ele, a missão de que foi incumbido é uma das mais desafiantes, mas também mais gratas que alguma vez teve em mãos. «Passámos os últimos meses a identificar os principais princípios e os valores-chave das seis religiões e só depois seleccionámos os artefactos e os objectos, e organizámos o espaço tendo por base a nossa escolha. Foi um processo muito longo e meticuloso», sublinhou Benedict. «As outras religiões confiaram-me a importante missão de lidar com o seu património religioso e os seus artefactos sagrados. Esta foi, para mim, uma missão muito especial, provavelmente a mais importante de que alguma vez fui incumbido. Foi algo que me abriu os olhos, mas também a mente, para a valorização do esforço conjunto das seis religiões», admitiu o curador da exposição.
Para além da mostra propriamente dita, até 17 de Março o edifício do Antigo Tribunal vai acolher mais de trinta palestras, centradas na perspectiva do impacto cultural de cada uma das seis religiões. A 5 de Março, Joni Cheng, directora executiva da Associação Católica Cultural de Macau, vai dissertar sobre a imagem miraculosa de Nossa Senhora de Guadalupe, mas tópicos tão variados como a música, a liturgia e a doutrina das diferentes crenças também vão estar em análise. «Vamos falar de doutrina, mas também da forma como a religião influencia a nossa vida quotidiana. Estas palestras têm por objectivo mostrar que a religião está viva entre nós e que a sua presença é, por si só, uma forma de vida», concluiu Benedict Keith Ip.
Marco Carvalho