João Tenreiro, fadista

Amália não é Fado

Alentejano de Elvas, João Tenreiro, “mais conhecido do que o presidente da Câmara”, esteve recentemente em Macau e falou a’O Clarim sobre aquilo que é ou não é fado e a sua importância como expressão musical, agora com dimensão universal graças ao novel estatuto de Património da Humanidade. «Essa classificação permitiu ao fado expandir-se em todo o mundo», conclui.

Antigo funcionário público e animador cultural, o agora fadista a tempo inteiro, «já sou muito velho, quase da idade do Marquês de Pombal», começou por cantar música ligeira aos quinze anos antes de enveredar definitivamente pelo fado, «por volta dos vinte anos». Desde então tem seguido esse registo mantendo um percurso bastante assíduo, nas casas de fado de Lisboa, e não só. Também correu mundo. Actuou na Bélgica, no Luxemburgo e na Holanda, junto das comunidades portuguesas. Todas foram experiências gratificantes embora nenhuma como a que teve na Finlândia, «não há muito tempo». Cumpriu aí dez espectáculos tendo chegado a um público de milhares de pessoas, facto que o deixou rendido aos nórdicos: «Os finlandeses respeitam o fado de tal maneira que nem os portugueses o conseguem fazer. Foi extraordinário. Vim de lá maravilhado», confessa o artista, concluindo: «Era um país onde poderia viver».

Logicamente, o universo lusófono faz também parte das vivências de Tenreiro. Angola, Guiné e também o território de Macau, onde esteve há cerca de dois meses no decorrer de uma promoção de vinhos em Cantão e em diversos restaurantes portugueses da Taipa e de Coloane. «Não consigo pôr por palavras o contentamento que senti por ter cantado nessa região», diz o fadista, considerando-se privilegiado pela oportunidade. «Foi das coisas mais conseguidas que fiz até agora. As pessoas de Macau esforçam-se ao máximo para nos deixar contentes», conclui.

Comungam essa opinião os músicos que o acompanharam na mini-digressão oriental. O guitarrista Jorge Silva e o viola Miguel Almeida, estreita colaboração com mais de vinte anos. «É a minha dupla favorita», atira Tenreiro, que em Portugal recorre com frequência aos seus serviços, até porque são bons amigos. «Temos o fado em comum», remata Miguel Almeida. «Com alguns ensaios a gente vai lá. Na segunda volta já estamos em sintonia», garante, sem falsas modéstias este músico com formação clássica que se especializou no saxofone antes de vir parar ao fado, por influência do amigo Jorge Silva.

«Eles chegam e tocam qualquer música», corrobora o cantor. Talvez devido a essa particularidade, e porque «garantem segurança», os fadistas requisitam-nos com grande frequência.

Quanto se fala em referências a visão de Tenreiro não prima pela ortodoxia. Considera Amália Rodrigues «a maior cantora que Portugal já teve, mas fadista não é!». Fadista era, na perspectiva de João Tenreiro, «a Lucília do Carmo, e é, ainda, a Beatriz da Conceição», a sua grande referência. Com ela gravou um dos temas do seu último disco. No sector masculino, «fadistas eram vultos como Carlos Maurício ou Alfredo Marceneiro». Para ser fadista não basta uma bela voz. «Há que ter postura, saber chegar ao coração das pessoas, tocar-lhes de perto». Tenreiro fala da sua experiência em Badajoz onde consegue fazer o fado acontecer, apesar dos espanhóis serem ruidosos. «Sei bem como calá-los», explica o alentejano, «vou até à mesa, canto para eles, olhando-os nos olhos, e dessa forma os desarmo». Para que o fado continue a poder acontecer há também que ter em consideração o espaço e a envolvência. «O fado não é coisa para se cantar em palco», diz.

Mas que se desengane quem considere João Tenreiro um purista, que não é. Longe disso. A melhor prova? A decisão de incluir no seu mais recente trabalho um tema com acordeão. «O fado tem de acompanhar os tempos e despertar para as diferentes linguagens», afirma Tenreiro, confesso admirador «dessa malta nova que está a surgir para o fado».

Aqui, no Oriente, Tenreiro viu coisas que nunca esperava ver, «como os casinos, por exemplo», com apenas um senão: essa fatal combinação calor com humidade, e subsequente uso do ar condicionado. Resultado: rouquidão acentuada numa das suas intervenções. Felizmente conseguiu recuperar no dia seguinte, «graças a um caldinho à base de gengibre e mel» que mão amiga lhe fez chegar.

Fora os percalços, João Tenreiro considera ter feito o pleno e partiu com «saudades antecipadas». Vontade de voltar em breve, até porque há novo projecto em mente. Alguns dos seus poemas darão origem a nova obra. Maqueta gravada em Portugal, disco produzido em Macau. E aqui divulgado e distribuído com o patrocínio dos vinhos “Infinitae”, marca que o trouxe ao Oriente. «É talvez a primeira vez que se dedica um fado a uma marca de vinho», comenta com um riso o sempre bem disposto fadista de mão cheia.

Joaquim Magalhães de Castro

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