Missa para Surdos na Paróquia de São José Operário

INICIATIVA, DE CONTORNOS ÚNICOS, É REALIZADA HÁ QUASE QUINZE ANOS

Missa para Surdos na Paróquia de São José Operário

É caso único em Macau e um exemplo raro na Ásia Oriental. A paróquia de São José Operário oferece há quase uma década e meia a interpretação simultânea da Eucaristia Dominical em língua gestual, graças ao esforço empreendido, todas as semanas, por um grupo de leigos.

O cenário repete-se todos os Domingos desde há quase quinze anos. Numa das naves laterais da igreja de São José Operário, no coração do Bairro do Iao Hon, um pequeno grupo de devotos canta, reza e louva a glória de Deus sem que uma só palavra se faça ouvir. Os gestos e movimentos com que se expressam transmitem a alegria e a solenidade que o momento litúrgico exige e suscita, numa manifestação de fé sem igual em qualquer outra paróquia da diocese de Macau.

A igreja de São José Operário é a única no território que presta apoio pastoral à comunidade surda, ao garantir a interpretação simultânea da Eucaristia Dominical em língua gestual. Graças ao esforço empreendido, todas as semanas, por pouco mais de cinco leigos, cerca de vinte fiéis surdos podem acompanhar cada leitura, assimilar cada oração e reter a mensagem de amor e esperança que os Evangelhos transmitem todos os Domingos. «É a única igreja em Macau onde temos Missa interpretada em língua gestual, para que a comunidade surda possa ter acesso à Mensagem de Deus. Recebemos esta comunidade, este grupo de surdos e mudos, desde 2009. Basicamente, é um esforço pastoral que a Paróquia desenvolve há catorze anos… quase há quinze», explicou o padre Carlos Malásquez Quispe, MCCJ, em declarações a’O CLARIM. «Eles são parte integral da nossa comunidade e marcam presença em muitas das actividades que promovemos. Organizámos recentemente o nosso retiro de preparação para a Páscoa e alguns deles fizeram questão de estar presentes. Havia interpretação simultânea e informação sobre o tema do retiro. Tentamos incluí-los nas nossas actividades e na vida quotidiana da Paróquia», acrescentou o pároco da igreja de São José Operário.

Para o efeito, a Paróquia, em colaboração com um pequeno grupo de intérpretes, tem-se vindo a afirmar como um importante espaço de congregação para a comunidade surda em Macau, sejam os seus elementos católicos ou não. «São uma presença frequente na Missa Dominical e há um grupo de pessoas que consegue ouvir, que sabe linguagem gestual e que actua como intérprete. No entanto, a maior parte dos que comunicam durante a Eucaristia através de língua gestual – em particular, os que asseguram as leituras – são eles próprios surdos», sublinhou o padre Carlos. «Não estão propriamente a traduzir, estão a ler. Eles têm o cuidado de se deslocar durante a semana à igreja para preparar as leituras para Domingo, as orações e tudo o resto. Aqueles que sabem ler e que conseguem ouvir, ajudam os outros a preparar estes aspectos da liturgia, para que os que não ouvem possam conduzir o trabalho de interpretação», referiu.

DAR VOZ A QUEM NÃO A TEM

O esforço para transmitir à comunidade surda de Macau a Boa Nova remonta a 2009 e ao trabalho levado a cabo pela irmã Arlene Trant, missionária das Irmãs de Maryknoll de São Domingos. A religiosa norte-americana, agora com 77 anos de idade, foi destacada pela sua congregação para Macau por três ocasiões e em todas elas elegeu o trabalho com os surdos e deficientes auditivos como a sua principal prioridade.

Na década de 1980, depois de se ter apercebido que o grande desafio que os surdos enfrentavam era a incapacidade para se fazerem ouvir junto de uma sociedade que, em grande medida, os ignorava, a missionária decidiu criar cursos de língua gestual para ouvintes, para que estes pudessem funcionar como uma ponte entre dois mundos. A aposta abriu caminho para um acompanhamento mais fundamentado da comunidade surda por parte da Igreja Católica local. «O grupo-base que reúne durante a semana para preparar as leituras e os materiais para a celebração de Domingo é constituído por seis, sete pessoas. Destas, três são completamente surdas. As restantes conseguem ouvir. Ao longo dos últimos quatro, cinco anos houve algumas pessoas que se juntaram a esta comunidade e outras que saíram, por diferentes razões. Neste momento, há cerca de vinte surdos que participam com regularidade na Eucaristia Dominical. Eu diria que noventa por cento são católicos, mas há alguns que não são», salientou o padre Carlos. «Esta iniciativa começou com uma irmã de Maryknoll. Se não estou em erro, a própria mãe era surda e ela aprendeu língua gestual nos Estados Unidos. Quando para cá veio decidiu direccionar o seu ministério para este domínio. Conhecendo a língua gestual dos Estados Unidos, aprendeu também a língua gestual que é cá usada e começou à procura de católicos que também conhecessem a língua e que estivessem dispostos a ajudar. Como as irmãs de Maryknoll de São Domingos viviam nesta área, foi assim que a nossa paróquia se tornou pioneira neste domínio», disse o sacerdote.

O trabalho desenvolvido pela irmã Arlene Trant em prol dos deficientes auditivos foi reconhecido, em 2015, pelo Governo de Macau, tendo a religiosa recebido a Medalha de Mérito Altruístico das mãos do então Chefe do Executivo, Fernando Chui Sai On.

A irmã Arlene Trant despediu-se da RAEM em 2017, 35 anos depois de ter desembarcado no território pela primeira. É desde 2021 responsável pela coordenação da casa de repouso da Congregação, situada na cidade de Monrovia, na Califórnia.

Marco Carvalho

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