Dia Mundial da Vida Consagrada

Fiéis à nossa vocação pessoal

N.d.R.: A 2 de Fevereiro, Festa da Apresentação do Senhor, a Igreja celebra o Dia Mundial da Vida Consagrada.

Nesta coluna reflectimos sobre a nossa vocação de cristãos: todos convidados, chamados por Jesus a segui-lo, a ser seus discípulos.

O Primeiro Livro de Samuel (1 Sam., 3, 3-10, 19) fala sobre o chamamento de Deus a Samuel para se tornar seu profeta. Ana, a esposa de Elcana, era estéril. Pediu um filho ao Senhor e nasceu Samuel, que Lhe foi oferecido: «Enquanto viver, será entregue ao Senhor» (1 Sam., 1, 28), isto é, a Ele foi consagrado. A partir desse momento, o Senhor chama o jovem Samuel para ser a sua voz junto do povo, isto é, o seu profeta. Samuel responde humildemente ao repto de Deus e coloca-se à disposição de Deus: «Eis-me aqui, Senhor, o teu servo ouve». E escuta compassivamente: escuta de uns aos outros, à criação, a Deus (cf. Evangelii gaudium nº 171).

Depois do sublime prólogo, São João inicia a sua maravilhosa narrativa com o testemunho de João Baptista (Jo., 1, 35-42) e a eleição dos primeiros discípulos. Cada um de nós foi chamado por Deus, por Jesus, para serem sacerdotes, religiosos consagrados e apóstolos leigos – casados ou solteiros. Cada um de nós tem uma história para contar sobre a sua vocação pessoal. No meu caso, foi a minha professora do Ensino Médio quem me disse na escola: «– Tu irás para os Dominicanos!». O motor da minha vocação – depois de Deus, é claro! – era a nossa mãe, que diariamente pedia a Deus que lhe desse um sacerdote entre os seus filhos homens, (aliás, segundo o nosso pai, a nossa mãe tinha dois tipos de amigos especiais: os santos e os pobres).

Quais são os passos habituais no caminho vocacional? A partir das narrativas dos Evangelhos, distinguimos três etapas principais no que respeita ao chamamento de Cristo:

1– A iniciativa vem de Jesus: “Segue-me” (cf. Mc., 1, 16; Lc., 5 ,6-7; Jo., 21, 4-7.15-19). O chamamento, a vocação, é a sua iniciativa: «Não fostes vós que me escolhestes, fui eu que vos escolhi» (Jo., 15, 16). O chamamento é uma graça, um dom de Deus; mas ninguém o merece. Jesus, nosso Salvador e Redentor, convida-nos a ser seus seguidores, seus irmãos e irmãs, e seus amigos.

2– A nossa resposta é agora, pois o amanhã nunca chega! Ao ouvir o convite de Jesus, os discípulos seguiram-nO imediatamente (cf. Mc., 1, 38). Um dia fomos chamados – como Samuel, João Baptista, André e Pedro, Mateus: Eis-me aqui Senhor, venho fazer a tua vontade. Como Maria: «Eis aqui a serva do Senhor» (Lc., 1, 38). Fomos, pois, chamados a seguir Jesus.

3– Seguir Jesus significa fazer de Cristo a prioridade da nossa vida. Seguir Cristo é o factor determinante da vida humana, do quotidiano na vida terrena. Significa “um apego total à pessoa e à mensagem de Jesus” (“Seguindo Cristo”). Implica tomar a nossa cruz e também ajudar outras pessoas a carregar a sua cruz – com paciência e, se possível, com alegria.

Há diferentes chamamentos, diversas vocações. Há diferentes caminhos para seguir Cristo, que é o único caminho para todos os que são chamados: mulheres e homens. Contudo, essencialmente, todas as vocações são iguais, ou seja, nem melhores nem piores, simplesmente diferentes (M. Gelabert). O que realmente importa para todos nós é responder ao chamamento pessoal (individual) para seguir Jesus.

Mas o que significa, realmente, “seguir o Senhor”? Seguir Cristo significa conhecê-lo, e conhecê-lo implica amá-lo; e amá-lo é guardar as suas palavras e praticar os seus mandamentos (cf. Jo., 14, 21-26). Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Jo., 14, 6). Daí a nossa pergunta permanente: E é ele o meu Caminho, a minha Verdade e a minha Vida? Jesus é o caminho a seguir, a verdade a ser anunciada e vivida; é o verdadeiro caminho para o Pai, para a Vida. Tomás de Kempis escreve: Sem caminho, não há possibilidade de caminhar; sem verdade, não podemos saber; sem vida, ninguém pode viver. “Eu sou o caminho que deveis seguir; a verdade em que deveis acreditar; a vida que deveis esperar” (“Imitação de Cristo”, Livro III). Santo Agostinho explica: “Eu sou o Caminho. Para onde nos leva o Caminho? Leva-nos à verdade e à vida”. Cristo é o caminho que nos leva ao amor, a Deus, nosso Pai misericordioso, à felicidade – ao céu.

A vida espiritual – na realidade, toda a vida cristã – está centrada em “viver com Cristo”, em tornar-se “outro Cristo” – hoje e sempre. Viver em Cristo significa basicamente viver como filhos de Deus, como irmãos uns dos outros em Cristo, e como templos do Espírito Santo: tornar-nos cada vez mais o que somos, isto é – repetimos – filhos de Deus, irmãs e irmãos uns dos outros, criaturas responsáveis de Deus e criaturas responsáveis no universo, na criação de Deus. Implica estar morto para o pecado e vivo no amor. Implica viver a vida como missionários: assim como o Pai me enviou, eu também vos envio (Jo., 20, 21). Assim como Cristo foi enviado pelo Pai no Espírito para pregar a Boa Nova, também os seus discípulos são enviados ao mundo – para trabalhar pela sua salvação.

Seguir Cristo significa ser fiéis ao chamamento, à vocação à qual Jesus nos chamou (cf. João 13, 15-17; 1 Pedro 2, 21). Tal como Samuel, temos que ouvir o Senhor. Tal como André, temos de dizer ao mundo: “Encontrámos o Messias, o nosso Salvador, que é o Salvador de todos”. Como discípulos de Cristo, temos que dizer aos habitantes do mundo que Jesus os ama.

Não esqueçamos que a nossa vocação é um dom de Deus e exige de nós fidelidade: “fixação e estabilidade, contemplação e meditação” (J. M. de Prada). Tudo isto remete para um apego total a Deus e desapego básico do mundo (vida terrena). Estamos no mundo, mas não somos do mundo. Com compromisso e humildade, temos a obrigação de fazer o pouco que pudermos, sempre com a graça de Deus, para salvar a Humanidade.

Palavras para reflectir: o que mais importa não é ser chamado por Deus, mas o resultado do chamamento: Judas foi chamado por Deus e acabou por traí-lo; Paulo, que começou com aparente relutância, foi coroado de triunfo (padre Boniface Ramsey, OP, prólogo à sua edição das “Conferências de Cassiano”).

Somos peregrinos na Palavra, caminhando rumo à felicidade plena, que é o Amor a Jesus, o nosso único e verdadeiro Caminho: Ó Senhor, “Tu nos fizeste para ti, e os nossos corações estão inquietos até que descansem em Ti” (Santo Agostinho, “Confissões”).

Pe. Fausto Gomes, OP

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