«A dignidade humana é especialmente mal utilizada e mal interpretada»
Dois dias após o Vaticano ter publicado a Declaração “Dignitas infinita (Dignidade infinita) sobre a dignidade humana”, o bispo D. Stephen Lee recuperou alguns dos tópicos do documento emanado do Dicastério para a Doutrina da Fé, na homilia que proferiu na Missa de Páscoa celebrada no Campus da Ilha Verde da Universidade de São José.
No passado dia 10 de Abril, foram muitos os professores, funcionários e alunos da USJ que participaram na Eucaristia presidida pelo bispo de Macau, que começou por fazer referência ao conceito de “dignidade humana”. Segundo afirmou, na actualidade, «a dignidade humana é especialmente mal utilizada e mal interpretada».
«A Igreja recorda-nos a dignidade ontológica da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, e redimida em Jesus Cristo. E esta dignidade, original, é inalienável, correspondendo à natureza humana para além de toda a mudança cultural», sublinhou D. Stephen Lee, acrescentando: «É uma dádiva presente em todas as fases da vida, desde o nascituro até à pessoa inconsciente ou à pessoa idosa em perigo. Como se refere no documento, diz-se que as pessoas preferem a expressão “dignidade pessoal” à “dignidade humana”. Mas nós dizemos sempre “dignidade humana”, pois não nos limitamos à “dignidade pessoal”, que considera “pessoa” apenas quem tem capacidade para raciocinar. É por isso que, segundo este princípio, segundo esta interpretação errada, o nascituro não tem dignidade pessoal, o idoso que dependente de outros não tem dignidade pessoal».
Neste contexto, o prelado deu dois exemplos: «O indivíduo com deficiência mental. Não tem dignidade pessoal!? A nossa Igreja, a nossa fé, defende que a dignidade de cada pessoa humana, porque lhe é intrínseca, permanece em todas as circunstâncias, quer seja não nascida, quer seja menos provida mentalmente ou totalmente dependente dos outros. Portanto, chegamos à conclusão que o conceito de dignidade humana está a ser especialmente mal utilizado e mal interpretado em alguns dos novos direitos da dignidade humana».
O Bispo teceu ainda outros considerandos quanto aos Direitos Humanos, igualmente no que respeita a conceitos hoje tão em voga, como a “Ideologia de Género” e a inimputabilidade intrínseca à condição humana. Para ele, «a interpretação incorrecta da dignidade pessoal, dá origem a alguns direitos ridículos».
«Como diz o documento, como se a capacidade de expressar e realizar cada preferência individual ou desejo subjectivo devesse ser garantida. Se os direitos derivam apenas da preferência de cada um de nós, então imaginem que hoje eu gostaria de ser uma rapariga. Então este deveria ser tido como um direito meu. Isto é ridículo! Isto não é um direito humano básico ou um desejo pessoal ou subjectivo. Se este tipo de preferência pessoal e desejo subjectivo fosse garantido como um direito, o que aconteceria se, na Universidade, alguém se candidatasse a arquitecto, por exemplo? Teria o direito de ser arquitecto apenas pelo facto de querer ser arquitecto, sem que se tivesse em consideração a sua capacidade e os seus talentos. Se a Universidade o rejeitasse, por considerar que não cumpria com os requisitos, então processava a Universidade pois esse era o seu direito, um direito baseado na sua própria preferência. Estas pessoas pensam: “o meu direito deriva apenas de um desejo subjectivo”. E, assim, se interpreta erradamente a dignidade humana», explicou o prelado.
Quanto à inimputabilidade intrínseca à condição humana, D. Stephen Lee lembrou que «Deus concede-nos a dignidade ontológica da pessoa humana, tendo, no entanto, que ser interpretada de forma correcta. Deus não nos condena, mas salva-nos. O Evangelho menciona, várias vezes, que Nosso Senhor não veio para nos condenar». Mas – continuou na homilia – «Deus condena as acções erradas, as más acções. Sim, o Senhor condena as más acções, mas não a pessoa, porque uma pessoa tem sempre a oportunidade de se arrepender. Cristo é misericordioso. Lembrem-se que é misericordioso para com a pessoa, mas não para com as más acções. Por isso, a Declaração “Dignitas infinita” revela-nos uma lista muito forte; fala de violações, graves violações à dignidade humana – actos que a Igreja condena. São disso exemplo todas as ofensas contra a vida, como o homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia, o suicídio voluntário, a violação da integridade da pessoa humana, a mutilação, a tortura física e mental, as pressões psicológicas indevidas, as condições de vida sub-humanas, a prisão arbitrária, a deportação e a escravatura».
A concluir, o Bispo defendeu que a Confissão e o arrependimento são o caminho que todo o cristão deve seguir, na procura de combater o mal: «Algumas pessoas ainda se recusam a confessar-se, recusam-se a arrepender-se. De acordo com a Lei da Igreja, a Confissão é obrigatória para todos os baptizados. Os fiéis devem confessar-se com a maior frequência possível, sobretudo quando cometem pecados mortais; se não o fizerem mensalmente ou semanalmente, a Igreja morre. Devem fazê-lo, pelo menos, uma vez por ano, sobretudo durante a Páscoa. Temos de nos confessar, se quisermos receber a Comunhão em estado de graça, para que caminhemos rumo à paz, à luz; para que caminhemos para a verdade. Devemos, pois, cumprir o Ensinamento de Cristo – um Ensinamento que está resumido nas Bem-aventuranças. Tão bonito! Peçamos, pois, a Nossa Senhora, Mãe da Páscoa, que faça desta Páscoa uma Páscoa especial, para mudarmos, para nos prepararmos para a vida eterna».
PORTUGAL: IDENTIDADE E FAMÍLIA
No mesmo dia em que a Santa Sé publicou a Declaração Dignitas infinita, foi apresentado o livro “Identidade e Família – Entre a Consciência da Tradição e As Exigências da Modernidade”, pelo ex-Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho.
À venda em Portugal desde 12 de Março, a obra reúne textos de 22 personalidades, dedicados às questões da Família. De acordo com uma nota de Imprensa, é realçada a importância da instituição familiar como “um pilar central da vida em sociedade”.
Com coordenação dos quatro fundadores do Movimento Acção Ética – António Bagão Félix, Pedro Afonso, Paulo Otero e Victor Gil –, o livro (editado pela Oficina do Livro) revela uma grande unanimidade de opiniões, principalmente no que respeita aos valores inalteráveis da Família – “natural, universal e intemporal” –, independentemente das mudanças inerentes a qualquer sociedade.
José Miguel Encarnação