Centro Científico e Cultural de Macau

Um futuro pólo de Sinologia?

É na rua da Junqueira, em Lisboa, não muito longe do Palácio de Belém. Dois neóns, um vermelho e outro verde, em forma de dragão, conduzem-nos a um pátio interior bem mais atractivo do que a fachada sugere. É aí que funciona o Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), uma ideia do último governador, Rocha Vieira, materializada num recheio adquirido pelo magnata dos casinos, Stanely Ho, o mecenas do projecto. A propriedade e gestão do edifício-sede, porém, pertence ao Ministério da Ciência e Tecnologia e tem como director do Centro Científico o conhecido professor e investigador Luís Filipe Barreto.

Instituição vocacionada para o estudo e a divulgação da história, da cultura e da sociedade de Macau, o CCCM também é um «pólo de conhecimento e de aprofundamento das relações Portugal-China». E para isso, dispõe de um bem apetrechado Serviço de Informação e Documentação, que reúne um importante acervo de livros, multimédia, microfilmes e iconografia.

E esse conhecimento exige um estudo apurado da relação entre os dois países. Que vem de longe, como salienta Jin Guo Ping: «Macau foi a primeira zona económica especial da China, desde 1553. Daí a sua importância no processo de globalização, que é já longa embora pouca gente o admita». O reputado académico realça a excepção aberta pelo “filho celestial” – que só recebia Estados-vassalos – aos emissários portugueses. «A embaixada de Tomé Pires só foi autorizada porque os portugueses possuíam as berças, armas que permitiam tiro contínuo, ao contrário dos canhões tradicionais que obrigavam a longos períodos de espera entre os carregamentos», afirma.

A relação entre as nações é bem diversa nos dias de hoje. Tendo em vista a integração da comunidade chinesa residente em Portugal, decorrem com regularidade no CCCM cursos prático de Português para chineses. Como contrapartida, existem também cursos livres de língua e cultura chinesa, cujos objectivos são a comunicação oral e escrita em Mandarim, bem como a compreensão da cultura e mentalidade chinesas através da linguagem.

Dando ênfase à investigação e à cooperação científica, o CCCM aposta ainda em actividades avulsas, conferências, colóquios, concertos de música e exposições temporárias. O seu excelente museu, o único dedicado à história de Macau fora da República Popular da China, é motivo suficiente para uma demorada e atenta visita.

De realçar ainda o papel educativo do CCCM que «através da organização de visitas guiadas e ateliers infanto-juvenis, procura dar a conhecer de uma forma lúdica a atmosfera, o ambiente marítimo e mercantil dos mares da China e o crescimento dos laços comerciais e culturais estabelecidos pelos portugueses desde o século XVI com os chineses».

Faz parte do acervo do CCCM uma das mais importantes colecções de instrumentos musicais chineses existentes em Portugal. Esta colecção, assim como a colecção de máscaras de ópera chinesa e um jogo da glória inspirado na Nau do Trato, são utilizados em ateliers para os mais novos.

E nesse espaço museológico de eleição, espécie de jóia da coroa do CCCM, há a destacar a colecção de estatuetas funerárias da dinastia Han e Tang, doadas por António de Freitas, e a colecção, essencialmente de peças de cerâmica, que foi comprada ao macaense António Sapage. É invejável o espólio do museu do CCCM: porcelanas de vários tipos, livros raros, estatuária religiosa, armas, peças de artilharia, réplicas de mapas, pinturas, trajes, leques, lacados, bronzes, pratas, de tudo há um pouco.

Como recorda Rui Manuel Loureiro, «o CCCM possui uma das melhores bibliotecas portuguesas no campo dos estudos asiáticos, um museu inovador, um quadro administrativo sólido, e mantém ligações institucionais regulares com um alargado número de entidades e organismos internacionais que se interessam pela, e trabalham sobre, a China».

Este historiador, especialista da relação histórica entre Portugal e a China, aponta como lacunas a falta de um quadro de investigadores e o estranho abandono por parte do ministério da tutela. «Talvez o Governo português ainda não se tenha apercebido de que dispõe, já montado, de um instrumento de excepcional qualidade para coordenar e dinamizar as relações culturais (e todas as outras se seguirão) com Macau, com a China e com muitas regiões asiáticas onde se mantém a memória, e um capital simbólico muito positivo, de Portugal».

O CCCM não tem a divulgação que merece, certamente por falta de meios que permitam multiplicar as iniciativas e alargar a visibilidade. Loureiro sugere como hipótese possível para contrariar a situação «a associação do CCCM ao mundo académico e o envolvimento em cursos de pós-graduação relacionados com a Ásia».

Poder-se-á falar de Sinologia em Portugal? Francisco Roque de Oliveira, investigador do Centro de História de Além-Mar, da Universidade Nova de Lisboa, acha que não. E tal não aconteceu porque, segundo ele, a nossa presença na China limitou-se ao território de Macau e não produziu conhecimentos alargados sobre a terra e os homens visitados. Para além disso esse conhecimento cingiu-se aos missionários da Companhia de Jesus. Após a sua expulsão de Portugal, gorada ficou a internacionalização e viabilidade da Sinologia portuguesa. Perder-se-ia, assim, a continuidade. Factor chave para o aprofundamento científico. Se a isso juntarmos a crónica ausência da língua chinesa no currículo das escolas portuguesas de Macau, o prognóstico fica definitivamente traçado. Por sua vez, Rui Manuel Loureiro, investigador especializado na história de Macau, considera que houve uma tradição sinológica em Portugal, «por um lado ligada à Administração de Macau, por outro lado ligada ao mundo das missões católicas, mormente jesuítas, mas com contributos de outras denominações». E se essa Sinologia, até recentemente, se encontrava cristalizada, começa agora a ressurgir através de «iniciativas esporádicas de estudo da língua e da cultura chinesa, quase sempre individuais e fruto de circunstâncias vivenciais concretas, algumas vezes por obra de sectores mais iluminados, ou mais arrojados, do mundo académico».

A julgar pela plêide de actividades, e pelo desafio lançado em tempo por Ana Maria Amaro, que Macau bem conhece, poderá estar na Junqueira o nicho apropriado para um futuro centro de Sinologia em Portugal.

Joaquim Magalhães de Castro

Em Lisboa

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