«Igreja Católica não é ameaça para a China»
A três semanas de ser ordenado bispo auxiliar da Diocese de Hong Kong, o padre Stephen Lee sustenta que a Igreja Católica não pode ser vista como uma ameaça para a República Popular da China, porque a sua missão é meramente de âmbito social. Em entrevista a’O CLARIM, o sacerdote do Opus Dei refere que a acção de evangelização junto da população vai ao encontro da principal bandeira da nova liderança chinesa, ou seja, a luta contra a corrupção.
O CLARIM – Que significado tem a nomeação de três novos bispos auxiliares para a Diocese de Hong Kong?
STEPHEN LEE – Para mim será um desafio, porque o trabalho vai ser diferente. Anteriormente fazia mais trabalho pastoral, embora nos últimos anos tivesse que viajar [como vigário do Opus Dei para a Ásia Oriental].
CL – Como vão repartir as responsabilidades?
S.L. – Não está ainda decidido. Está a ser estudado. Em Setembro vai haver um seminário para bispos em Roma e quando regressarmos vamos estudar com o cardeal [D. John Tong] a distribuição do trabalho.
CL – Acredita que um de vós poderá vir a ser o futuro sucessor de D. John Tong como bispo da Diocese de Hong Kong?
S.L. – Não podemos dizer isso, porque se assim fosse, de acordo com a Lei Canónica, teria que ser um bispo coadjutor, mas como bispos auxiliares não temos direito de sucessão. Em teoria, quer isto dizer que daqui a três anos [quando o cardeal D. John Tong atingir o tempo limite da extensão do seu ministério] o Papa pode nomear outro prelado. O nosso cardeal também não pode dizer nada em público, porque a decisão é do Sumo Pontífice.
CL – Está prestes a tornar-se no primeiro bispo asiático do Opus Dei…
S.L. – É verdade, mas em certa medida não está nada relacionado com o Opus Dei. É mais uma nomeação pessoal, e acontece que sou do Opus Dei…
CL – Em 1990 publicou, em Espanhol, o livro “Relações Igreja-Estado na República Popular da China”. Vinte e quatro anos depois, como vê a situação no continente chinês?
S.L. – Mudou muito. Muitas coisas melhoraram bastante, mas ainda há muitas outras a melhorar. A compreensão e a confiança mútua ainda não é a ideal.
CL – De quem é a culpa?
S.L. – Não é de quem é a culpa. Deus ainda não quis (risos)…
CL – A cristandade esteve na China Continental através dos nestorianos durante a Dinastia Tang. Depois foram os franciscanos e mais tarde os jesuítas, e por aí fora. Não será tempo demais para introduzir a fé?
S.L. – Os tempos eram diferentes. O conhecimento da Igreja Católica era muito pouco [para o povo chinês]. Ficou dizimada a partir do século XIV [antes dos jesuítas Matteo Ricci e Michele Ruggieri entrarem na China continental], mas agora é bastante conhecida…
CL – Sim, mas não terá o Poder Central medo do que a Igreja Católica possa fazer à consciência das pessoas?
S.L. – O problema é o entendimento mútuo. Podia ser melhor nos dias que correm…
CL – Pequim teme o poder da Igreja Católica…
S.L. – Sim! Mas é por isso que temos de dar a conhecer mais sobre nós.
CL – Será a Igreja Católica uma ameaça ao sistema vigente na China Continental?
S.L. – Não! É uma ajuda ao desenvolvimento do País, especialmente nos valores da vida, e não apenas em termos materiais. É por isso que o diálogo é importante. Nos últimos anos temos tentado construir uma espécie de entendimento mútuo para dar a conhecer à China os países em que a Igreja Católica definitivamente contribuiu para a sua construção, porque espalhamos os valores e as virtudes na educação e ajudamos os povos a contribuir com os seus talentos.
CL – A actual liderança chinesa tem vindo a implementar fortes medidas para combater a corrupção, e parece que ninguém com as “mãos sujas” está a salvo. Trata-se de uma boa oportunidade para a Igreja Católica mostrar como pode ajudar o País?
S.L. – Sim, se construirmos uma espécie de comunicação mútua. Este tipo de partilha é precisamente uma forma de reforçar o entendimento para a construção de uma sociedade melhor.
CL – Será a Associação Patriótica Católica Chinesa o maior obstáculo ao entendimento mútuo?
S.L. – Não punha as coisas assim tão simples. Há muitos problemas e muitas dificuldades que temos de resolver em conjunto e esta é uma delas. Não penso que devemos catalogar e dizer qual é o maior ou o menor [problema].
CL – Voltando a Hong Kong… Faz parte do Tribunal do Casamento, sob a alçada da Diocese local. Quais são os maiores desafios para as famílias da RAEHK?
S.L. – O número de divórcios está a aproximar-se do Ocidente, mesmo entre os católicos. A maior parte das pessoas em Hong Kong não é católica, nem cristã, por isso o nosso trabalho está essencialmente virado para a evangelização. Penso que a Diocese está a ir cada vez mais nesse sentido, por forma a olhar pelas famílias destruídas e pelas necessidades das pessoas, seguindo especialmente a linha do actual Papa. Em Hong Kong há um enorme raio de acção para a difusão da fé.
CL – Que importância têm as escolas católicas?
S.L. – Fantástica! Estão a desenvolver um grande trabalho e é por isso que podemos ver muitas pessoas de diferentes sectores da sociedade em contacto com a fé católica, ou cristã. É por isso que o número de baptismos é realmente bom. Mais de três mil, ou três mil e quinhentos, por ano…
CL – Será um bom sinal? Estará a fé mais viva do que nunca?
S.L. – Claro que ainda há muito caminho a percorrer. Podemos melhorar. No trabalho pastoral podemos fazer ainda mais, e reforçar também a nossa acção ao nível das paróquias e até mesmo das escolas.
CL – Que análise faz ao movimento “Occupy Central with Love and Peace”, que em Junho último levou a cabo manifestações e um referendo civil a favor do sufrágio universal?
S.L. – O movimento veio mostrar que a generalidade das pessoas não está satisfeita com a presente situação do Governo [de Hong Kong], especialmente com o sistema. E quiseram fazer algo para melhorar a situação…
CL – Na qualidade de clérigo, como vê este tipo de movimentos ou protestos?
S.L. – É a liberdade! Porque nós, na fé católica, respeitamos a consciência de cada um. Isto é, o direito humano da liberdade de reivindicar na frente do Governo por algo que melhore a vida dos cidadãos. Mas claro, dizemos que isto é um direito de cada cidadão, seja católico ou não. Se forem católicos, têm que se preocupar ainda mais em seguir os ensinamentos de Cristo, por exemplo, sem recurso à violência, por forma a contribuir para a paz civil e para a justiça.
CL – O cardeal emérito Joseph Zen fez um périplo pelas ruas de Hong Kong, apelando às pessoas para aderirem ao referendo civil…
S.L. – O cardeal emérito Zen tem a sua maneira de se exprimir e apelou à adesão das pessoas… É a forma que tem de expressar os seus pontos de vista junto do Governo, mas esta não é a posição oficial do lado católico.
CL – Acredita que o movimento vai conseguir atingir os seus objectivos?
S.L. – Neste momento é muito difícil dizê-lo. Rezo por uma solução pacífica.
CL – Em Macau há um movimento idêntico que vai realizar um “referendo” a favor do sufrágio universal. É uma boa solução?
S.L. – É muito difícil julgar, muito difícil, muito difícil… Porque podemos ver que não há dados suficientes. Mas claro, pela sociedade podemos ver que há prós e contras…
CL – Nos dois territórios, Hong Kong e Macau, tem subido exponencialmente o custo de vida, principalmente os preços do imobiliário. Em termos gerais parece que as pessoas não estão satisfeitas, por não poderem eleger os respectivos Chefes do Executivo. Haverá alguma alternativa para fazerem chegar a mensagem?
S.L. – Uma forma é o diálogo pacífico com a China Continental. Se for possível que se encontrem formas e meios para transmitir a ideia e para haver diálogo. A Igreja convida sempre ao diálogo pacífico.
CL – Quem poderá fazê-lo?
S.L. – Todas as partes envolvidas podem encorajar os respectivos Governos locais, caso contrário podem tentar encontrar uma maneira na China continental…
CL – Como falarem com o Poder Central?
S.L. – Não sei. O papel do Governo civil e do povo é encontrar formas de consegui-lo.
CL – Como avalia a consciência cívica dos cidadãos de Hong Kong?
S.L. – Parece que estão mais sensíveis agora do que há vinte anos. Antes não se interessavam muito.
CL – Será porque após a transferência de soberania receou-se que o estatuto do território pudesse de alguma forma ser alterado, apesar de vigorar a Lei Básica?
S.L. – Talvez tenham algum medo por causa do futuro. Há coisas sobre as quais não estão muito seguras. Tenho a certeza que deve haver algumas preocupações, por exemplo, sobre o custo muito elevado do imobiliário e sobre os problemas que afectam o sistema de saúde. Trata-se de dois assuntos que as pessoas gostariam de ver melhor resolvidos…
Primeiro bispo asiático do Opus Dei (CAIXA)
Natural de Hong Kong, Stephen Lee Bun-sang é proveniente de uma humilde família do continente chinês, originária da província de Cantão. Os irmãos não eram católicos, mas foram todos baptizados. Primeiro foi a irmã mais velha que frequentou uma escola católica de Hong Kong e levou todos os irmãos e irmãs a participar nas actividades da Igreja. Stephen Lee tinha então cerca de dez anos. Quando os pais foram viver para North Point, o pequeno Lee costumava visitar a igreja de S. Judas [Tadeu]. Baptizado aos dezassete anos, completou os estudos secundários e foi para Londres estudar na “Architectural Association School of Architecture”, trabalhando depois numa firma do ramo na capital londrina. O regresso a Hong Kong deveu-se ao facto de entretanto abrir no território uma sucursal e de estar já estabelecida a presença do Opus Dei, do qual era numerário desde os tempos de Londres. Em 1984 foi estudar para o seminário internacional da Prelatura, em Roma, tendo concluído os estudos académicos em Pamplona (Espanha), onde foi ordenado sacerdote em 1988. Regressou a Hong Kong no ano seguinte e esteve pouco tempo nas Filipinas, onde desenvolveu trabalho pastoral. A partir de Dezembro de 1989 prosseguiu a sua actividade na esfera de influência da Diocese de Hong Kong, incluindo no Tribunal do Casamento. No passado dia 11 de Julho foi nomeado, pelo Papa Francisco, um dos três bispos auxiliares da Diocese de Hong, estando a ordenação marcada para o próximo dia 30 de Agosto. É actualmente vigário do Opus Dei para a Ásia Oriental, que engloba Hong Kong, Macau, Taiwan, Coreia do Sul e República Popular da China.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
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