PADRE VENÂNCIO PEREIRA, SACERDOTE JESUÍTA

PADRE VENÂNCIO PEREIRA, SACERDOTE JESUÍTA

«A visita do Papa completa a História de Timor»

A deslocação do Papa João Paulo II a Timor-Leste, em Outubro de 1989, recolocou a antiga colónia portuguesa no mapa do mundo e na agenda internacional, mas para o padre jesuíta Venâncio Pereira a visita do Papa Francisco à mais jovem nação do continente asiático não fica atrás em termos de importância. A presença do Santo Padre deverá confirmar a vocação do povo timorense como um farol de fé numa região onde o Catolicismo é periférico. A ocasião – sustenta o sacerdote – é propícia a uma transformação de mentalidade que se faz cada vez mais necessária para o povo maubere. O padre Venâncio Pereira, SJ, em entrevista a’O CLARIM.

O CLARIM – Este é um ano especial para a Companhia de Jesus em Timor. Para além de celebrar 225 anos de presença nas terras de Loro Sae, assiste à visita de um Papa pela segunda vez…

PADRE VENÂNCIO PEREIRA – Tem razão ao dizer que é um ano especial. No que toca à Companhia de Jesus, nós, como jesuítas, estamos a celebrar 225 anos de missão em Timor e, como tal, para nós é um ano especial. Em Fevereiro deste ano, o nosso padre-geral também visitou Timor-Leste e a nossa missão. O padre Arturo Sosa visitou Timor-Leste e a missão da Companhia de Jesus e, por ocasião dessa visita, empreendeu um diálogo aberto com os jovens, com a Igreja, com os bispos e com os nossos líderes, uma vez que também esteve reunido com o nosso Primeiro-Ministro. Da parte da Companhia, a visita do padre-geral constituiu uma ocasião especial e também um momento histórico, um momento abençoado. Agora, esta visita anunciada pelo Papa, é uma visita que completa a História de Timor.

CL – De que forma a visita do Papa Francisco completa a História de Timor? Que significado tem, dado que é um país que se distingue, no contexto regional, por ser esmagadoramente católico?

P.V.P. – Quando o Papa João Paulo II visitou Timor, o povo timorense estava numa situação apertada, numa situação de sofrimento, um pouco como o povo de Israel esteve a certa altura sob o jugo do Faraó, como o Antigo Testamento nos narra. Estávamos numa situação de luta, procurávamos fazer ouvir a nossa voz, ver reconhecida a nossa identidade, a nossa dignidade e os nossos direitos. Agora, que já alcançámos esse objectivo, a realidade é diferente. O Papa Francisco, mais do que tudo, acredito que vai ajudar a reafirmar, através da fé católica, aquilo que foi proclamado pelo Papa João Paulo II: Timor-Leste, como nação e como povo, é convocado para continuar a ser a verdadeira nação do Sol nascente, luz do mundo e sal da terra. Este Papa vai afirmar, reafirmar e confirmar esta vocação. Vivendo esta realidade, o povo timorense vai ser convidado a ser testemunha do Evangelho.

CL – A realidade de Timor-Leste é hoje outra, mas os desafios também são outros…

P.V.P. – Sim! Por isso precisamos de fazer uma reflexão, não apenas no sentido eclesial, mas também no sentido cultural, e até no sentido político. Esta visita do Vigário de Cristo a um pequeno país, a um povo pequeno que está quase no fim do mundo, constitui uma nova página. A liberdade política é algo consumado. Timor tem a sua própria identidade política, é reconhecido como nação, como povo. A Igreja tem três dioceses, tem Conferência Episcopal. Os aspectos estruturais, as bases, já as temos. Esta visita do Papa tem, assim, uma feição mais pastoral, mais espiritual. A feição mais política, nós já a vivemos com o Papa João Paulo II: ele visitou a nossa pátria, abençoou Timor e encorajou-nos a lutar como povo, como nação, como pátria e a permanecer unidos. Este Papa tem uma relação muito particular com as nações, com os povos, com as realidades que ainda estão numa situação de ambiguidade. Não quero dizer que Timor esteja a sofrer como quando o Papa João Paulo II nos visitou. Já é um país independente e já existem alguns avanços: desenvolveu-se como nação, como economia e houve algum desenvolvimento em termos de infraestruturas, mas é necessária uma reflexão para perceber o que mais o povo quer, o que mais nós queremos como povo, como nação e como pátria. Este Papa vai visitar Timor para levar a uma nova transformação: uma transformação ao nível da mentalidade.

CL – Por que fala em transformação de mentalidade? Agora que a independência é um facto consumado, falta propósito ao povo timorense?

P.V.P. – A questão da mentalidade de que eu falava antes é a transformação da mentalidade em direcção à vida espiritual. Falava da dimensão de aprofundamento e aperfeiçoamento. Precisamos de uma Igreja que não fique estagnada com coisas que já experimentámos, com coisas que já temos. Falo em transformação de mentalidade, porque o próprio Papa Francisco, no início do seu pontificado, falava de uma Igreja pobre e ao serviço dos pobres. Ele começou o seu pontificado com uma grande abertura, mostrou sempre grande interesse em promover o diálogo. Ainda hoje fala repetidamente sobre a cultura do encontro, a cultura de abrir os corações. Eu gosto muito deste Papa porque aquilo que ele nos diz é que não podemos fechar Jesus dentro do tabernáculo. Temos de abrir os nossos tabernáculos, temos de abrir as nossas capelinhas, temos de abrir as nossas igrejas e deixar que Cristo saia para a estrada. Nós, como fiéis, neste tempo, neste período, temos de seguir este exemplo, temos de seguir de forma séria o convite do Papa. Temos de ser uma Igreja mais aberta, uma Igreja que se quer transformar, mas que não se quer transformar sozinha: quer fazê-lo em combinação e integração com os outros. A cultura do encontro, a cultura de uma Igreja que se quer manter aberta, tem de ser vivida ao máximo e com uma mentalidade sólida. A Igreja de Timor precisa disso. Precisa de uma mentalidade sólida, que leve não só à abertura do coração, mas também à abertura do pensamento, que possa permitir uma abertura para novos horizontes e para uma nova realidade de vida.

CL – O Papa Francisco sempre privilegiou a ideia do encontro com as periferias. De que forma é que este carácter periférico é um desafio para Timor?

P.V.P. – O Papa fala da dimensão da maternidade da Igreja, da Igreja como mãe. E a Igreja como mãe tem que abrir os braços, tem que abrir corações, sobretudo para os que estão mais longe dos centros de decisão. Timor continua a viver uma realidade de pobreza, uma realidade com muitas limitações. A pobreza em Timor ainda é uma realidade quotidiana, quase em todos os aspectos. Que contributo pode dar a Igreja? Para além de se empenhar na re-evangelização, na re-inculturação e na re-educação, deve eleger algo que é central na espiritualidade de Santo Inácio de Loyola e que é re-intelectualizar. O que quero dizer com re-intelectualizar? Quero dizer que temos de apostar numa educação, numa formação integrada. Hoje em dia, se olharmos para o contexto em que estamos, temos de um lado a Indonésia, que é uma nação gigante, uma nação islâmica em que uma parte da população tem uma inclinação fundamentalista. Do outro lado temos a Austrália, com uma realidade que podemos considerar mais moderna. E nós estamos ali entalados. Como é que Timor, um país com uma maioria católica, pode promover uma transformação de mentalidade, uma transformação que tenha por base estes três conceitos: re-evangelização, re-inculturação e re-intelectualização? Faltam estas três aspectos e, se não os conseguirmos cultivar, vamos continuar a viver uma vida de estagnação.

Marco Carvalho

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