«Os grupos radicais judaicos também promovem a tensão».
De regresso a Macau para ministrar um curso no Paço Episcopal sobre o Evangelho de São Marcos, o padre João Lourenço abre o livro a’O CLARIM sobre a real situação vivida na Terra Santa, onde costuma levar grupos de Macau e de Portugal em peregrinação. As tensões provocadas como forma de sobrevivência, o sonho da paz, o fundamentalismo, a imprudência de Donald Trump e os palestinianos reféns de vários países árabes são alguns assuntos abordados pelo professor de Sagrada Escritura e director da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa.
O CLARIM – O padre João Lourenço está habituado a organizar excursões à Terra Santa. Como vê a actual situação nos territórios de peregrinação, ou seja, Israel, Cisjordânia e Jordânia?
Pe. JOÃO LOURENÇO – A situação nestes territórios, no seu conjunto, desde a formação do Estado de Israel, em 1948, nunca foi totalmente pacífica, ou pacificada, como nós a entendemos e gostamos de viver no nosso mundo, se tivermos como referência Macau ou a Europa. Todavia, tendo em conta as diferenças culturais dos povos que habitam estes países e a sua história milenar – não é apenas secular – diria que a situação neste espaço geográfico não tem os contornos que muitas vezes nós, estando fora deste universo, projectamos.
CL – Pode concretizar?
P.J.L. – Não é uma situação totalmente pacífica, mas é uma situação onde dentro das tensões existentes se pode conviver. E os grupos convivem, apesar de haver lideranças, quer da parte judaica, quer da parte palestiniana, que julgo promoverem alguma tensão. A existência de tensões entre estes grupos sociais é quase conatural. É quase uma condição de sobrevivência para os próprios grupos. É um bocado difícil entender isto, mas há grupos populacionais que habitam estas regiões, os quais no dia em que faltar um bocadinho esta tensão quase que desaparecem. Estou a lembrar-me particularmente daquilo que é a tensão em Gaza, com a que em décadas anteriores – há trinta ou quarenta anos – sucedeu no Líbano. Quando esses grupos depuserem as armas também se esvazia a sua existência substantiva.
CL – Refere-se a quem em particular?
P.J.L. – Estou a falar do Hamas e do Hezbollah. Dentro de Israel há grupos que também promovem esta tensão. São grupos radicais judaicos. Portanto, esta problemática é muito difícil de analisá-la apenas nas questões de natureza política. Ela é – diria – quase existencial à identidade destes grupos, pois é preciso entender que há gerações – duas ou três – que nunca viveram neste espaço geográfico num clima de serenidade como nós a entendemos.
CL – Acredita que a paz é possível e haja um entendimento entre Israel e a Autoridade Palestiniana?
P.J.L. – Esteve quase… É possível que venha a construir-se, mas acho que neste momento está muito distante. E se esta paz está distante, de acordo com o meu humilde julgar, não é pelos factores externos, mas sim pelos internos. Estes grupos sociais têm ritmos culturais e históricos muitos diferentes uns dos outros. A evolução histórica destes povos, o desenvolvimento ideológico, os seus critérios de análise e de existência são muito divergentes. Não é apenas uma questão de luta pela terra, embora seja este o factor fundamental. A velocidade da história, por exemplo numa parte cultivada pela elite, não é facilmente acompanhável pelos ritmos da história. Daí advêm muitos grupos fundamentalistas.
CL – O que é o fundamentalismo?
P.J.L. – É um querer parar a história, um querer fazer com que a história esteja milenarmente longe…
CL – Antes da vinda de Jesus Cristo?
P.J.L. – Muitos querem que ela pare no tempo de Maomé. Outros, porventura, querem que ela regresse a um período passado. A referência a Jesus Cristo não é muito significativa nestes espaços. Para a parte judaica, na sua grande globalidade, Jesus Cristo é um factor menor. E para a parte islâmica o fundamental é naturalmente a doutrina e as referências ao Corão e a Maomé. É preciso também perceber que no tempo de Jesus havia um movimento e pluralidade de grupos judaicos que apenas permitiam a imposição de um clima pacificador, e não pacífico. O “status quo” era simplesmente tolerado, pois era reconhecida a incapacidade de reagir e de fazer frente ao poderio romano.
CL – Donald Trump decidiu reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, espoletando reacções um pouco por todo o mundo. Qual é a sua opinião?
P.J.L. – Foi uma decisão bastante infeliz, porque a transferência da Embaixada [dos Estados Unidos] para Jerusalém como acto oficial de reconhecimento de que a cidade é a capital de Israel não traz melhorias de qualquer espécie, quer às relações diplomáticas, quer à estabilidade social na zona. É um decisão, certamente, influenciada pelos poderosos lóbis americanos de natureza mais sionista, que forçaram esse reconhecimento. É verdade que de Trump não podemos esperar muitas decisões sensatas. Esta decisão não tem a importância que, porventura, lhe podemos atribuir a partir de fora. Na realidade, os Estados Unidos já têm um potente Consulado em Jerusalém, onde tudo funciona a partir daí. Por isso, não vai modificar nada. As reacções de vários países, principalmente árabes, são formais.
CL – E os palestinianos?
P.J.L. – Infelizmente, não é uma população que tenha sido muito ajudada, a não ser economicamente pelo controlo desses grupos por vários países árabes que não dão propriamente um apoio de sustentabilidade, por exemplo em termos de desenvolvimento, dado que são mais aptos – diria – a subsidiar as populações, mantendo-as assim reféns.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
pedrodanielhk@hotmail.com