PADRE JAMES MALLON

PADRE JAMES MALLON, FUNDADOR DO MINISTÉRIO DA RENOVAÇÃO DIVINA

«A Paróquia não é um clube social»

James Mallon é sacerdote no Canadá. Criou, com a sua equipa, o Ministério da Renovação Divina para ajudar as paróquias de todo o mundo a deixarem a manutenção e passarem a ser missionárias. Quer paróquias que pesquem “peixes” que estão fora da Igreja e não apenas “alimentem as ovelhas” que já crêem.

FAMÍLIA CRISTÖ Como é que decidiu criar o Ministério da Renovação Divina? Como lhe ocorreu começar?

PADRE JAMES MALLON– Eu sou apaixonado pela renovação pastoral há muitos anos. Essencialmente, perguntava-me: por que razão não podemos normalizar o que se passa nos movimentos? Perguntava: porque não pode isso ser a norma nas paróquias por oposição a um pequenino grupo de pessoas que vivem como missionários discípulos? Todos os outros pensam que eles são estranhos ou esquisitos. Porque é que isso não pode ser a norma? Porque é que não podemos transformar uma paróquia para que isso seja a forma normal de ser católico? Foi nisso que trabalhei grande parte da minha como pároco. Ao longo do caminho aprendi lendo livros, indo a conferências, aprendendo com líderes católicos e outros, aprendendo com os meus próprios erros e as minhas experiências Sempre gostei de estudar Teologia. Sempre acreditei que há uma razão para fazer o que fazemos e uma razão para não fazermos o que não fazemos. Temos a nossa teologia oficial que é linda e rica, mas não a praticamos. Há uma teologia operacional que guia o que fazemos. Sempre tentei compreender isso: o que é a teologia operacional que nos faz fazer coisas totalmente diferentes do que professamos no Catecismo e em outros sítios. Reflectia teologicamente sobre isso. Sinto-me chamado por Deus a escrever tratados sistemáticos, no sentido de propostas teológicas e pastorais. [O livro] Renovação divina começou assim. Foi a resposta ao livro que lançou o ministério, porque as pessoas começaram a querer falar connosco, a querer conhecer-nos. Tinham milhares de perguntas.

F.C.– E como se aplica o Ministério da Renovação Divina nas paróquias? Como treinam e falam com as paróquias de todo o mundo?

P.J.M.– Temos diferentes níveis de interacção através dos nossos materiais:
 livros, conferências, temos “podcasts” semanais de vídeo e de áudio que têm cerca de nove mil “downloads” por mês e é tudo gratuito. As pessoas podem usar estes materiais, podem comprar o guia, podem tentar implementar isto e nunca saberemos que estão a fazer alguma coisa. Quando viajo pelo mundo, as pessoas vêm ter comigo e dizem-me que estão a trabalhar há dois, há quatro anos. E nós não fazíamos ideia. Sei que há milhares de paróquias pelo mundo que estão a usar estes materiais e não sabemos quem são. Há esse nível de interacção e depois há uma plataforma digital em “divinerenovation.tv”. É uma plataforma de subscrição em que temos centenas de vídeos curtos sobre renovação paroquial e liderança. A ideia é que quando uma paróquia subscreve recebe uma
 “password”, e se és o pároco podes enviar a “password” para cem pessoas, por exemplo, e todas podem ver estes vídeos. Também temos, nessa subscrição, dois “webinars” em directo comigo e com outras pessoas sobre um determinado tema. Podem assistir e fazer perguntas. O maior investimento é o “coaching” de liderança. É um pagamento anual. É caro, mas não fazemos dinheiro com isso. Temos “coaches”, treinamo-los, temos custos administrativos e de manutenção. Temos 62 paróquias em oito países, trabalhamos em quatro línguas diferentes com treze “coaches” diferentes pelo mundo.

F.C.– Pela sua experiência, os problemas e os desafios são idênticos nas paróquias pelo mundo?

P.J.M.– Sim, há diferenças culturais, claro. Mas os problemas principais são os mesmos: o facto de estarmos ainda a viver de um modelo cristão da Igreja, sem estar a fazer discípulos intencionalmente, não estamos focados na missão de ter missionários discípulos; o facto de sermos movidos primeiramente para dar catequese e sacramentos e não evangelização; o facto de estarmos muito pouco focados em liderança; não temos estruturas; o padre está sozinho, a liderança está sem suporte, não tem equipa. Estes problemas são iguais em todo o lado.

F.C.– Como se consegue resolver estes problemas?

P.J.M.– É uma grande pergunta. O primeiro ponto é que tem de começar com a oração. Estamos a falar da conversão pastoral e a conversão pastoral é conversão, começa com a conversão dos nossos corações. É preciso rezar. Qualquer líder paroquial, padre ou líder leigo, que queira ver este tipo de renovação tem de o encarar como um empreendimento espiritual. Tem de começar pela oração, por mobilizar todas as pessoas da paróquia para virem rezar pela renovação. Depois o próprio líder tem de ver qual a sua visão para a sua paróquia. Qual é o seu sonho para a sua paróquia? É movido por isso? É apaixonado por isso? Pode ter um pensamento ou um sentimento de que podia ou devia ser melhor. Mas qual é o seu sonho? Tem de ficar tocado com isso! Peça a Deus que lhe revele o que é. Não se apresse a fazer um plano. Arranje um sonho! Depois disso, comece a partilhar isso com os outros. Conte o seu sonho às pessoas e veja quem fica entusiasmado com isso. O que tem de fazer a seguir é formar uma equipa. Não o pode fazer sozinho. Tem de criar uma equipa de três, quatro outras pessoas que o vão ajudar a partilhar o papel de liderança. O pastor continua a ser o líder. Mas é uma partilha de liderança no sentido em que o pastor não está sozinho. É amizade, uma equipa de amigos. Outra coisa para fazer no primeiro ano é começar a usar uma
 ferramenta como o Alpha. Têm 
de usar uma ferramenta de evangelização para que as pessoas que não vão a igreja possam ir, pessoas ateias, agnósticas ou não-cristãs possam ir. Começam a fazer isso e a sua visão começa a tornar-se realidade, porque as pessoas começam a sentir a mudança nas suas vidas. Pode também fazer outras coisas para mudar a experiência da missa dominical, melhorar a música ou algo tão simples como a hospitalidade, ensinar as pessoas a sorrir. É uma grande diferença.

F.C.– Quais as resistências mais comuns à renovação das paróquias?

P.J.M.– É sempre difícil dizer. Por vezes, os maiores opositores são os que estão envolvidos na paróquia. Há muito poucas pessoas envolvidas e têm um sentimento de posse, uma 
espécie de reino. E quando as coisas começam a mudar, o controlo delas sobre as coisas começa a ser ameaçado. Às vezes, grupos que usam os edifícios da Igreja pensam que têm o monopólio do uso do espaço. A paróquia não é um clube social. As pessoas que vêem a paróquia como um clube social ficam chateadas, porque já não há espaço para terem um clube social porque estamos a usar esse espaço para a evangelização. Às vezes, também resistem as pessoas que são consumidoras. Se a missa é cinco minutos mais longa, ficam chateadas. Habitualmente, essas pessoas não estão interessadas na missão. Se se começa a comunicar que há algo mais e se se começa a convidar as pessoas para algo mais, se se começa a dizer que Deus espera mais de nós, às vezes as pessoas começam a ficar chateadas. Às vezes as pessoas que começam a ficar chateadas são como o irmão mais velho da parábola do filho pródigo. Quando a paróquia mata o vitelo para as pessoas que voltam, e o irmão mais velho é aquele que trabalhou o dia todo nos campos e nunca violou os mandamentos, diz: “Porque celebras estas pessoas!? Nunca saímos de casa! Porque não nos dás um vitelo!?”.

F.C.– Se uma paróquia não é um clube social, o que deve ser?

P.J.M.– A paróquia está chamada a ser um posto avançado de missionários, uma comunidade de missionários discípulos. O Papa Francisco diz na “Evangelii Gaudium” que é um centro de treino, um sítio onde se treinam missionários discípulos, para disciplinar alguém que está comprometido num processo de toda a vida de crescer e aprender, e para missionar discípulo alguém que possui a missão de Jesus Cristo. Três conversões são necessárias para a vida cristã: conversão a Jesus Cristo para viver uma relação com Jesus; conversão à Igreja de Cristo, que é conversão à vida da comunidade; a terceira conversão é a conversão à causa de Cristo. A pessoa começa a sentir a missão como sua, a ser um missionário discípulo. A missão não é apenas trabalho do padre, é trabalho do baptizado. Como possuo a missão, então a paróquia torna-se um exército mobilizado. É como o exército de ossos em Ezequiel. É com o que as nossas paróquias se deveriam parecer: o vale dos ossos ressequidos a levantar-se e a ganhar vida. Um exército de missionários discípulos, pessoas ávidas de servir, de disponibilizar os seus dons, de servir a missão.

F.C.– Pensa que perdemos a capacidade de sonhar e de confiar em Deus?

P.J.M.– Sim, absolutamente! Perdemos 
a capacidade de sonhar porque nunca saímos da caixa. Se falarmos do objectivo de renovação paroquial, o problema é que não sabemos o que significa ser saudável. Se trabalhares ou passares 
o dia numa morgue, as pessoas em cuidados intensivos parecem-te saudáveis. Para ser honesto, muitas das nossas igrejas… não têm muita vida. Se sais fora da caixa e vais a outro sítio e vês uma igreja que está realmente viva, percebes que não estás vivo. O problema é que normalmente te comparas com o que está ao teu lado. Precisas de olhar mais longe, deixar-te desafiar. Quando vês algo espantoso, pensas que se aconteceu ali pode acontecer aqui. Como seria? As Escrituras dizem que Deus trouxe água ao deserto. Porque não o poderia fazer aqui? Deus pode fazer tudo! Só uma coisa impede Deus de nos trazer a renovação. Somos nós! A nossa falta de fé, a nossa falta de vontade de dizer “estou aqui, manda-me a mim”. Deus pergunta constantemente: “Quem mando?”.

Algumas pessoas, no que toca à renovação, esperam que Deus venha e mude tudo. A minha leitura da Escritura e da história da Igreja é que Deus normalmente usa as pessoas e para usar alguém espera pela sua permissão. E o Senhor hoje espera por homens e mulheres que digam sim.

N.d.R.: Nos últimos meses, muito por força das alterações impostas pela diocese de Macau às nove paróquias do território, devido à pandemia do Covid-19, O CLARIMreforçou a cobertura às actividades realizadas nas principais igrejas de Macau. Daí considerarmos de extrema importância a publicação da entrevista ao padre James Mallon, dado que a “Paróquia” está na base da hierarquia institucional da Igreja Católica.

António Miguel Fonseca / Cláudia Sebastião (*)

In Família Cristã

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