«Alimentamos a visão da Igreja, consagrada pelo Vaticano II».
Diálogo, evangelização e uma vivência comunitária da espiritualidade inerente à mensagem dos Evangelhos são conceitos centrais para o Movimento dos Focolares. O organismo, fundado pela italiana Chiara Lubich durante a Segunda Guerra Mundial, celebra 75 anos com o compromisso renovado de continuar a servir a Igreja Católica. Presente em 182 países e territórios, o Movimento chegou a Macau no início da década de 70 e mantém na RAEM uma acção evangelizadora discreta, mas consolidada. Os membros da “Obra de Maria” apostam, sobretudo, na evangelização inter-pares, de leigo para leigo. O padre Eddie Hsueh Kwan Ho, sacerdote responsável pelo Movimento em Macau e em Hong Kong, diz mesmo que não há melhores evangelizadores.
O CLARIM – Começava pelo início: o que é o Movimento dos Focolares? A organização apareceu em Itália, mas tem ambições e uma vocação universal…
PE. EDDIE HO – A nossa missão no seio da Igreja Católica aponta à universalidade, mas temos propósitos muito concretos. A acção dos focolarinos enquadra-se nos assuntos diocesanos. Tentamos ser úteis às dioceses onde estamos presentes. Nos países desenvolvidos – ou nesta parte do mundo, em Macau ou em Hong Kong – a nossa acção concentra-se naquilo em que somos especializados: a nossa vocação; a nossa missão é o diálogo. Desde o Concílio Vaticano II que nos dedicamos ao diálogo com outras religiões, como outras denominações – sobretudo denominações cristãs – mas também ao diálogo com os não-crentes e com pessoas de outras culturas. Por outro lado, dedicamo-nos também a fomentar o diálogo no seio da própria Igreja. Nos dias que correm o que vemos é que ainda há muito para fazer em termos de diálogo.
CL – Em Macau e Hong Kong o diálogo inter-religioso não suscita problemas, mas há países asiáticos, como o Myanmar e a Índia, em que a convivência entre as grandes religiões não é assim tão pacífica . O Movimento dos Focolares pode ser visto como um instrumento para a resolução deste género de conflitos?
P.E.H. – Acreditamos muito convictamente que temos um papel a desempenhar nestes países. Onde quer que estamos, procuramos promover a nossa forma de estar na vida. Como o Evangelho é uma mensagem com uma natureza universal, apercebemo-nos que não é de todo difícil que os budistas e os muçulmanos, por exemplo, possam viver juntos e em paz. A tendência é para que se tornem nossos amigos. À medida que vamos falando eles vão assimilando a nossa missão. Para lhe dar um exemplo, temos muitos membros no Médio Oriente, onde está o coração do Islão. Temos muitos membros mesmo nos países em que a presença católica é mínima. De um certo modo até podemos dizer que temos membros muçulmanos no Movimento dos Focolares (risos)…
CL – Um dos aspectos mais interessantes do Movimento dos Focolares é o facto de que coloca uma grande ênfase no ideal de vida comunitário. O Movimento ergueu várias “Mariápolis” um pouco por todo o mundo…
P.E.H. – Enfatizamos a vida comunitária e esta é uma tendência que nos acompanha desde o início, até porque o reforço da unidade entre os nossos membros sempre foi um dos nossos objectivos. Temos Centros focolares por todo o mundo e colocamos uma grande ênfase nesse preceito da espiritualidade comunitária. Apesar do Movimento ter sido fundado em 1943, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, nos anos que se seguiram ao conflito a causa dos focolarinos começou a espalhar-se de forma muito rápida por toda a Itália e um pouco por toda a Europa. O que atrai as pessoas é o facto de diferir da abordagem tradicional à espiritualidade, como sendo algo que nasce do esforço de cada um. Colocamos a ênfase do processo num nível comunitário, no conceito de Igreja enquanto comunidade. É curioso notar que a ideia de que o espírito da Igreja é comunitário já era uma realidade no seio do Movimento antes ainda do conceito ter sido assimilado pela Igreja. Durante o Concílio Vaticano II, a Igreja definiu-se a ela própria e começou a entender-se a ela própria como sendo uma comunidade. Esta comunhão, o conceito de comunhão foi um dos conceitos de maior importância discutidos durante o Concílio Vaticano II. Ainda durante o Concílio, em 1963, o Papa João XXIII aprovou o Movimento. Como pode concluir, o Movimento é de certa forma profético. É um Movimento que alimentava a visão da Igreja que foi consagrada pelo Vaticano II…
CL – O Movimento espalhou-se rapidamente na Europa, mas à Ásia só chegou no encalço do Concílio Vaticano II. E a Macau?
P.E.H. – Em Macau estamos desde o início da década de 70. O Movimento chega a Hong Kong em 1968 e estabelece o seu primeiro Centro em 1970, e depois disso estendeu-se a Macau. Os bispos D. Paulo José Tavares e D. Arquimínio Rodrigues da Costa deram-nos um grande encorajamento. Temos muitos membros consagrados…
CL – O bispo-emérito de Macau, D. José Lai, é um deles…
P.E.H. – Sim, sim. D. José Lai é um dos nossos membros. Ele ficou a conhecer o Movimento em Portugal. Em Macau dedicamo-nos às necessidades da Igreja local. A Igreja atribui muita importância à evangelização e o diálogo é também um aspecto importante. Dedicamo-nos ao diálogo ecuménico, ao diálogo inter-religioso. Leccionamos aulas de Catecismo a quem nelas queira participar. Concentramos os nossos esforços num pequeno número de alunos: naqueles que queiram aprender a viver de acordo com os ensinamentos do Evangelho.
CL – A maior parte dos membros do Movimento são leigos. Os leigos podem ser evangelizadores tão eficientes como alguém que foi preparado a vida toda para esse desígnio?
P.E.H. – Sim, sem qualquer dúvida. A maior parte das vezes nós, os sacerdotes, não temos a capacidade de tocar as pessoas de uma forma tão profundo como os leigos o fazem. Os leigos são, em grande medida, os apóstolos dos nossos tempos. Ensinam outras pessoas, mostram-lhes como devem viver e os exemplos que dão são verdadeiramente convincentes, até na perspectiva dos não-crentes.
CL – Qual é a actual expressão do Movimento dos Focolares em Macau? Está a crescer?
P.E.H. – Sim. Bem, no que diz respeito ao crescimento do Movimento, numericamente não estamos a crescer de forma significativa. Creio que o número terá mesmo diminuído ao longo dos últimos anos. O Centro das senhoras focolarinas deixou o território há alguns anos para se focar nas necessidades da China Continental. Não obstante a mudança, estamos a viver uma outra forma de crescimento, porque mesmo sem o apoio e a presença de um Centro focolare os membros em Macau consolidaram o compromisso que assumiram com o Movimento. Sem o Centro, têm que dar continuidade à missão que assumiram por eles próprios. Posso dizer-lhe que o grupo em Macau aprofundou as raízes e a dedicação que coloca nos ideais focolarinos. Fez isso de uma forma muito discreta. Está a trabalhar de uma forma silenciosa, mas muito eficaz.
Marco Carvalho