José Silveira Machado, “O Macaense dos Açores”, nasceu há cem anos

“O Professor”.

Figura incontornável da história de Macau no século XX, José Silveira Machado nasceu fez quarta-feira cem anos. Mais de uma década após a sua morte, “O Professor” continua a ser um exemplo de entrega e de dedicação a um território que adoptou de alma e coração. É um dos fundadores d’O CLARIM.

«Boa pessoa, conversador agradável, com algo de poeta». É assim – de forma sucinta, mas esclarecedora e abrangente – que o padre Luís Sequeira, antigo Superior da Companhia de Jesus em Macau, recorda José Silveira Machado. Professor, jornalista, escritor, pedagogo e membro do grupo que em 1948 fundou O CLARIM, Silveira Machado nasceu, fez na quarta-feira cem anos, na ilha açoriana de São Jorge.

Açoriano de nascimento, mas macaense de alma e coração, “O Professor” – como ainda hoje é conhecido por inúmeras gerações de antigos alunos da Escola Comercial Pedro Nolasco – viveu em Macau durante quase setenta anos; deixou obra em domínios tão distintos como a educação, o jornalismo e o associativismo desportivo, e os afectos que semeou junto de antigos alunos e dos que com ele privaram com maior proximidade continuam a florescer, onze anos volvidos sobre a sua morte, em assombrosas manifestações de respeito: «Era um dos nós», diz, sem hesitação, Miguel de Senna Fernandes.

O presidente da Associação dos Macaenses adjectiva José Silveira Machado como «um cavalheiro» e sublinha a naturalidade rara com que o docente e co-fundador d’O CLARIM alcançava o coração dos outros: «Conheci-o ainda em criança. Ele era amigo e colega do meu pai [o escritor Henrique de Senna Fernandes] na Escola Comercial e, tal como o meu pai, atraía muitos estudantes, que o viam como amigo», lembra o causídico e dramaturgo.

Gastão de Barros Júnior, antigo aluno de Silveira Machado, corrobora as palavras de Senna Fernandes. Filho de Gastão de Barros, o único sobrevivente do grupo de oito jovens que em 1948 sugeriram aos padres Fernando Leal Maciel e Júlio Augusto Massa a criação d’O CLARIM, Barros Júnior recorda um pedagogo diligente, com grande capacidade para cativar e encantar os estudantes que eram colocados ao seu cuidado: «O Professor Silveira Machado foi meu professor de Português na Escola Comercial Pedro Nolasco. Era um bom professor, amigo dos seus alunos e não conheço ninguém com quem ele tenha convivido que não guarde boas recordações dele», salienta.

 

Macau no coração

José Silveira Machado desembarcou em Macau no ano de 1933 com apenas quinze anos de idade. A exemplo do que sucedia na altura com dezenas de outros jovens oriundos de vários pontos de Portugal e dos arquipélagos atlânticos, Silveira Machado assomou ao território para estudar no Seminário de São José, onde já se encontravam outras personalidades de vulto da história do território no século XX, como o monsenhor Manuel Teixeira ou o padre Áureo de Castro.

O desígnio traçado pela Igreja para o futuro de Silveira Machado acabou por não se cumprir. Não sentindo o chamamento de Deus, o jovem açoriano optou por enveredar por fazer carreira na Função Pública, onde ingressou em Janeiro de 1941, primeiro como funcionário na chamada Repartição da Fazenda do Concelho de Macau e depois nos Serviços de Economia.

«Veio muito novo para Macau e fez desde cedo um esforço para se integrar na comunidade, ao ponto de ser considerado um dos seus», sublinha Miguel de Senna Fernandes. «O [Joaquim] Morais Alves ficou conhecido como “o macaense de Trás-os-Montes”, mas o Silveira Machado era bem mais que isso. Chegava a uma certa altura em que nos esquecíamos que ele tinha vindo de Portugal. Foi dos poucos que teve a ousadia de abraçar Macau e de fazer do território a sua verdadeira terra. Tornou-se macaense e poucos podem vangloriar-se disso», assinala o também presidente da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM).

Em 1974, ao fim de mais de quatro décadas em Macau, José Silveira Machado aposentou-se e rumou a uma Lisboa que desconhecia quase por completo. Infeliz e pouco confortável num país no qual não se revia, o antigo seminarista acabou por regressar a Macau menos de dois anos depois de ter abalado, com armas e bagagens, rumo à capital portuguesa. No território recupera a alegria e a tranquilidade entretanto perdidas: «A maioria dos portugueses, por muitos anos que vivessem em Macau, preservavam sempre a intenção de voltar à metrópole um dia. Depois da tentativa de regresso, o Silveira Machado dizia-nos “Mas voltar para onde? Já estou na minha terra”», refere Miguel de Senna Fernandes.

 

O ensino, uma nova vocação

Com quase sessenta anos e de regresso à cidade que adoptou como sua, José Silveira Machado descobriu uma nova vocação, a educação. Nas centenas de alunos que ensinou na Escola Comercial Pedro Nolasco, no Colégio Dom Bosco e no Centro de Formação dos Serviços de Educação descobriu, quase sem excepção, outros tantos amigos: «Em Macau, pelo menos junto das pessoas da minha geração, não há ninguém que não conheça o Professor Silveira Machado», garante Gastão de Barros Júnior. «Para mim foi um grande mestre e incentivador», complementa o antigo aluno da Escola Comercial.

Escritor prolífico – o seu último livro, “O Outro Lado da Vida”, foi publicado quando já tinha 87 anos – sócio fundador do Círculo Cultural de Macau e vice-presidente do Comité Olímpico do território, José Silveira Machado assumiu aos 85 anos o seu derradeiro grande desafio, ao ser eleito – em conjunto com Mário Gabriel e com José Maria Pereira Coutinho – para o cargo de Conselheiro das Comunidades Portuguesas pelo Círculo da China/Japão/Tailândia: «Ao longo dos anos de trabalho como Conselheiro sempre manteve uma postura de reflexão e de ponderação sobre as questões que afectavam a comunidade. Nunca opinava sem reflectir, sem primeiro efectuar uma ponderação fundamentada. Aprendemos muito com ele e para mim será sempre um modelo e uma referência», confessa Pereira Coutinho. «Era um macaense de gema. Ninguém na comunidade o via de outra forma», remata o deputado e ainda Conselheiro das Comunidades Portuguesas.

Marco Carvalho

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