Padre Artur Wardega sobre a expulsão dos Jesuítas em Macau no século XVIII

«Na China conseguiram sobreviver»

A missão da Companhia de Jesus foi restaurada há duzentos anos, após proibição iniciada em Portugal que se estendeu a outras latitudes. Este será o tema de um simpósio internacional a ter lugar em Macau, entre os dias 28 e 30 de Outubro. A’O CLARIM, o presidente do Instituto Ricci de Macau, padre Artur Wardega, referiu que ainda hoje se sente os efeitos da expulsão dos jesuítas no território, salientando que durante a proibição conseguiram de alguma forma sobreviver no interior da China.

O CLARIMO Instituto Ricci de Macau vai organizar um simpósio internacional (“Sobrevivência e Restauração Jesuíta 1773-1814: Perspectivas de Boston e de Macau”). Pode dizer o que irá estar em debate?

ARTUR WARDEGA – Trata-se de um evento co-organizado com o Colégio de Boston, em Massachusetts, sobre a proibição e restauração da missão jesuíta no mundo, no contexto histórico da Europa de Leste e do Império Russo, da Europa Ocidental e Central, da China e das Américas. A proibição começou na Europa, mais concretamente em Portugal, no tempo do Marquês de Pombal, em 1759. Em 1762 aconteceu a expulsão em Macau: pelo menos 24 foram embarcados para Portugal. Os jesuítas regressaram depois a Macau em 1862.

CLQue consequências à escala global?

A.W. – É uma parte da História relacionada com algumas mudanças no mundo, mas o mais importante para comemorarmos a restauração centra-se no facto de há duzentos anos a maior congregação do mundo ter sido novamente aceite, especialmente quando sabemos que antes da repressão havia 22 mil jesuítas espalhados pelo mundo e cerca de 800 escolas, e que depois da perseguição passaram a 600 jesuítas, tendo apenas sobrevivido uma escola na Rússia Branca [actual Bielorússia].

CLDepois de Portugal a expulsão na Europa também se alastrou à Espanha e à França. De que modo ficaram os jesuítas afectados?

A.W. – Perderam muitas propriedades, casas, igrejas e escolas que tiveram de entregar aos bispos locais e ao clero ordinário. Em muitos casos, tais como em Portugal e na Espanha, foram expulsos dos territórios e rumaram para algumas partes de Itália, então constituída por vários ducados. Muitos jesuítas foram também para a Rússia, onde a Companhia de Jesus florescia e abraçaram o ensino nos colégios de São Petersburgo, de Moscovo, etc. Alguns até deixaram a Companhia de Jesus e tornaram-se cidadãos comuns…

CLMas a principal religião da Rússia era, e continua a ser, a Ortodoxa…

A.W. – Sim, mas naquele tempo precisavam dos jesuítas para ensinar as elites do País. O mesmo aconteceu no território prussiano, embora de alguma forma relacionado com o destino da Polónia em 1772 – um ano antes da proibição oficial da Companhia de Jesus [pelo Papa Clemente XIV] – quando se deu a divisão do território polaco entre a Áustria, a Prússia e a Rússia.

CLOs jesuítas tinham o Colégio de São Paulo em Macau, contíguo à igreja Mater Dei, onde agora estão as denominadas Ruínas de São Paulo. A Igreja Católica terá perdido uma importante funcionalidade na Ásia…

A.W. – Macau foi um importante lugar de preparação para o clero. Antes da repressão da Companhia, em 1762, e desde o estabelecimento dos portugueses no território chegaram 463 jesuítas, 174 dos quais oriundos de Portugal e 289 de vários países da Europa. O Colégio de São Paulo parou de certa maneira, as pessoas ficaram dispersas e algumas foram para Zhaoqing e para o Sul da China, que ao tempo não era um território fácil porque havia muitas perseguições da Dinastia Qing.

CL – Como era a situação no interior da China?

A.W. – Mesmo após o começo das perseguições na China há que ter em mente que tal não veio a suceder em Pequim, onde os jesuítas portugueses e franceses estavam a salvo porque serviam a corte com a pesquisa e o conhecimento científico. Eram úteis ao imperador, mas os que estava dispersos pelas zonas rurais, e por aí adiante, foram perseguidos.

CLDe volta a Macau…

A.W. – Sabemos da expulsão dos jesuítas… A última ocorreu em 1910, no mesmo ano da revolução em Portugal [a favor da República, em detrimento da Monarquia], que também afectou Macau. Os jesuítas começaram a regressar, vindos de Zhaoqing – onde de alguma forma conseguiram sobreviver – para ensinar nas escolas católicas de Macau. Não temos agora uma presença forte. Era mais forte antes da expulsão. Desde então, até hoje, a Companhia de Jesus não recuperou totalmente sobre os acontecimentos de Macau e da China.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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