PADRE ANDRZEJ SARNACKI, SJ, VICE-REITOR DA UNIVERSIDADE JESUÍTA IGNATIANUM

PADRE ANDRZEJ SARNACKI, SJ, VICE-REITOR DA UNIVERSIDADE JESUÍTA IGNATIANUM

Cultura ocidental está em declínio porque duvida de si própria

Vice-reitor da Universidade Jesuíta Ignatianum, em Cracóvia, na Polónia, o padre Andrzej Sarnacki, SJ, está em Macau para uma estadia que ficará pautada por uma intensa actividade intelectual. Especialista na análise dos movimentos neomarxistas, o académico polaco orienta dois seminários na próxima semana e ministra, até ao final do mês, um curso sobre Cristianismo, cultura moderna e sociedade. O sacerdote jesuíta esteve à conversa com O CLARIMsobre os grandes desafios que se colocam à Igreja e à sociedade contemporânea.

O CLARIM– Está em Macau pela primeira vez e ao longo de todo este mês vai ministrar um curso em oito sessões sobre Cristianismo, cultura moderna e sociedade. Que questões vai abordar nesta acção de formação? Quais diria que são os principais desafios com que a Igreja e a sociedade actual se deparam?

PADRE ANDRZEJ SARNACKI –É uma pergunta muito abrangente. Posso oferecer, obviamente, uma perspectiva europeia, em particular uma perspectiva polaca, que em mais de um aspecto é muito diferente da perspectiva dos países da Europa Ocidental. Actualmente, estamos a assistir na Polónia a uma secularização acelerada, ao que parece, em particular, entre os mais jovens…

CL– Mesmo na Polónia?

P.A.S. –Mesmo na Polónia. É algo que se tornou mais visível após a pandemia. Os jovens, muitos deles, afastaram-se da Igreja e são muito críticos em relação à Igreja. E esse é um dos aspectos que mais se evidenciam neste processo. É muito diferente de lhes perguntar se acreditam ou não. Mas é fácil perceber que há muito menos gente nas igrejas e que muitos jovens, pura e simplesmente, deixaram de frequentar a Catequese que na Polónia é ministradas nas escolas. Há cada vez menos vocações sacerdotais e religiosas. Estas são as constatações básicas. Todos concordamos quando alguém afirma que tem a impressão que o mundo mudou muito. Provavelmente vai mudar ainda de forma mais rápida com o desenvolvimento da Inteligência Artificial, que é algo que vai mudar por completo as nossas vidas.

CL– As novas tecnologias aceleraram este processo? Trouxeram uma nova dimensão à forma como a sociedade moderna se desenvolve?

P.A.S. –Sim. Esse é, porventura, o mais difícil dos aspectos, porque, sinceramente, não acredito que haja alguém que possa compreender o que o futuro nos reserva. E não é o futuro numa perspectiva histórica: é o futuro próximo. Nós não sabemos o que se passa na mente dos jovens, sobretudo quando se cresce sem um sentido de autoridade e quando se é atirado para este mundo caótico, onde se é constantemente bombardeado com informação. No processo histórico de desenvolvimento de um pensamento secular, há pensadores ateus que mantêm uma posição de certo modo neutra em relação à Igreja, mas outros há que desenvolvem um posicionamento hostil. Que argumentam que a religião não é tanto um erro – ou algo que pertence ao passado – mas que é perigoso e envenena as pessoas. Quando se alimenta o grande público com noções como esta, é óbvio que haja alguma ressonância: há sempre alguém que vai reagir a estas alegações. Isso é um problema, em particular entre os mais jovens que não têm um conhecimento fundamentado da História, da Tradição ou até dos próprios fundamentos civilizacionais da sociedade. Eles estão, no entanto, cheios de boas intenções. Querem ser parte de algo positivo, querem lutar por isso. Mas são facilmente manipuláveis. O sistema educativo preocupa-me. O sistema educativo tem vindo a mudar ao longo dos últimos anos. A vida académica, do qual eu sou uma testemunha, mudou e não mudou para melhor. Está, antes de mais, a tornar-se muito superficial. Os estudos humanísticos estão sob pressão face ao desenvolvimento tecnológico e tudo é alvo de medição. Há uma verdadeira obsessão com os pontos. Temos de publicar para conseguir pontos e progredir na carreira. Somos forçados a publicar algo, o que em parte é bom, porque exige que apresentemos trabalho, mas, por outro lado, há bastantes estudos que não têm grande valor e quando alguém quer ser ver verdadeiramente inovador ou se quer evidenciar, o mais das vezes diz coisas muito estranhas, porque sabe que assim se vai destacar.

CL– Essa superficialidade no Ensino não devia ser vista como uma preocupação pela sociedade?

P.A.S. –Sim, é claro que devia. Algumas pessoas abordaram esta questão em seminários e conferências, mas há outras pessoas que dizem que já é demasiado tarde. Mesmo no que toca aos mais recentes desenvolvimentos em Inteligência Artificial, este novo instrumento – o Chat GPT – é, de uma perspectiva académica, um desafio: postula o fim da escrita e compromete a posição da Universidade. A superficialidade é outro problema. A superficialidade é a incapacidade para formular um pensamento mais profundo. Quando alguém assume um compromisso com a Ciência, com a primazia do pensamento, desenvolve naturalmente o respeito pela História e pelas gerações que o precederam. Mas o que vemos hoje em dia é, em grande medida, uma atitude de desrespeito pelo passado. São muitos os que dizem que vivemos em tempos únicos e que necessitamos de romper com o passado, para construir o futuro que quisermos. É algo que se faz acompanhar pelo desrespeito pelos valores tradicionais e também pela religião.

CL– A própria Ciência não é visada também? Como é que se concilia a biologia com as questões de identidade de género?

P.A.S. –Esse é um tópico bastante vasto. É claro que é uma questão de identidade e os problemas de identidade são sempre os mais profundos. É por isso que já há pessoas que falam sobre o fim da cultura ocidental. A cultura ocidental está em declínio porque começou a duvidar de si própria. É óbvio que quando lidamos com o passado, temos de ter uma posição sobre ele, e ser crítico sobre o passado não é necessariamente mau. Mas quando se critica tudo e quando se quer reduzir e diminuir tudo, estamos perante um problema. E é um problema porque a esperança de que é possível construir algo a partir do nada, assim sem mais nem menos, porque nos julgamos no poder de fazer isso, pode constituir uma utopia. E as utopias são muito perigosas. As utopias têm um custo muito elevado em termos de vidas humanas, como se sabe, a partir de uma leitura atenta da História da Europa no Século XX. Isso é algo que devíamos ter a capacidade de manter sempre em mente. O problema é que não vemos discussão séria sobre estas questões nos círculos académicos. Falo nos círculos académicos, porque há imensas coisas que se podem ressentir daquilo que está actualmente a acontecer na Academia.

Marco Carvalho

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