«Não esperava a substituição total do Executivo»
Nuno de Lima Bastos viveu em Macau de 1995 a 2010, tendo entretanto regressado a Lisboa, ao Departamento de Acção Sancionatória e Serviços Jurídicos do Instituto de Seguros de Portugal. O seu percurso profissional em Macau incluiu, entre várias outras entidades, o Gabinete para os Assuntos Legislativos, a Assembleia Legislativa e a Associação dos Advogados de Macau, tendo dado aulas no Instituto de Formação Turística durante sete anos lectivos. O CLARIM foi ouvir o que tem a dizer acerca da actual realidade política em Portugal e em Macau.
O CLARIM – Portugal não pára de ser surpreendido com casos de corrupção e irregularidades entre aqueles que deveriam ser os primeiros a dar o exemplo. O escândalo mais recente envolve a chefe de serviços da Inspecção Geral das Finanças, acusada de fuga ao fisco. Enquanto jurista, como analisa essa total falta de ética e pudor? Será possível ainda acreditar nos políticos portugueses?
NUNO DE LIMA BASTOS – Os pilares do regime democrático em Portugal têm sido bastante abalados, sem dúvida. O caso mais grave, obviamente, é o da detenção do ex-Primeiro-Ministro, com todas as suas ramificações que vão surgindo na Comunicação Social, mas temos os vistos “gold”, os submarinos, os ex-ministros e autarcas levados à barra dos tribunais, os negócios ruinosos para o Estado, as grandes empresas e grupos económicos que são destruídos por gestões verdadeiramente criminosas (BPN, BPP, BES, PT) e por aí fora. A sensação que tenho é de que se gerou uma cultura de impunidade durante muitos anos, com inúmeras figuras de topo dos partidos do chamado “arco do poder” a se servirem dos seus cargos políticos como ponte para negócios privados e trampolim para carreiras empresariais, sem que a justiça – por falta de meios, manietada por leis deliberadamente defeituosas, infiltrada pelos partidos e também com alguma incompetência à mistura – conseguisse agir. O lado positivo dos mais recentes escândalos é que as coisas parecem, finalmente, estar a mudar. Se a justiça conseguir levar a bom porto os casos mais mediáticos que estão em curso, penso que os portugueses começarão a acreditar de novo nas suas instituições. Nem quero pensar no contrário.
CL – Sei que acompanha com alguma atenção a vida política em Macau. Como é que encara as alterações do novo Executivo? Surpreenderam-no as mudanças?
N.L.B. – As mudanças no Governo de Macau: confesso que não esperava esta substituição total da equipa de Chui Sai On, embora houvesse rumores nesse sentido talvez desde o início do seu primeiro mandato, ainda eu estava no território. A sensação que tenho é que foram impostas de cima. A imagem do Executivo do território junto de Pequim não seria a melhor, ainda para mais no actual contexto de forte combate à corrupção levado a cabo pelo Presidente Xi Jinping.
CL – Conhece bem o engenheiro Raimundo do Rosário. O que é que Macau pode esperar da sua actuação à frente das Obras Públicas, sector que tanta polémica tem gerado?
N.L.B. – Tenho a melhor das impressões do engenheiro Raimundo do Rosário, tanto a nível pessoal, como profissional, desde que trabalhei para ele na última Assembleia Legislativa do Macau português. Tenho-o como uma pessoa extremamente organizada, competente, séria e, a somar a tudo isso, um excelente relações públicas. Foi director das Obras Públicas e teve o seu próprio gabinete de engenharia no território, pelo que conhece os dois lados do sector. Por tudo isso, julgo que seria difícil uma melhor escolha para o cargo. Ainda assim, não lhe invejo a sorte. Macau parece-me um gigantesco estaleiro sem fim à vista, com projectos que são um autêntico pesadelo – mormente, o do metro. Fizeram-se demasiados disparates, construiu-se por todo o lado sem uma planificação global sensata e isso paga-se caro num território tão pequeno. Julgo que se atingiu um nível de degradação urbanística que é praticamente irreversível (essa convicção foi, aliás, uma das razões do meu regresso a Portugal). Logo, não vejo como poderá alguém, por muito competente e bem-intencionado que seja, conseguir alterar isso. Era bom que estivesse enganado e espero que o engenheiro Raimundo do Rosário, que muito estimo, consiga, pelo menos, “arrumar um pouco a casa”.
CL – Ultrapassados os primeiros 100 dias do “estado de graça” considera que o novo Executivo passou o teste? Qual o sector a assinalar algum tipo de melhoria? Os residentes mencionam o sector da saúde. Concorda?
N.L.B. – Parece-me que ainda é demasiado cedo para se começarem já a fazer balanços da actuação desta nova equipa governamental. Prefiro esperar que conclua o primeiro ano de mandato. No caso concreto que mencionou, da saúde, tive oportunidade de falar há poucos dias com um profissional do Hospital Conde São Januário e a imagem que me transmitiu não foi nada abonatória. Vi, entretanto, as notícias de que querem contratar profissionais de saúde em Portugal. Pode ser que resulte daí um contributo positivo para a saúde pública em Macau.
CL – Planeia regressar um dia à sua ilha natal?
N.L.B. – Acho que penso nisso quase todos os dias. Se calhar, sou um eterno insatisfeito: quando vim de Macau, pensava todos os dias no que tinha deixado para trás; depois, passei à fase de pensar no regresso à minha terra natal. A verdade é que sou um eterno apaixonado pela Madeira, tanto que passo lá dois fins-de-semana por mês. Tenho os meus pais lá, os meus amigos de infância, novas amizades que fui cimentando nos últimos anos e até já estou envolvido num ou outro projecto local.
CL – O que esperar de uma Madeira pós Alberto João Jardim?
N.L.B. – Com as últimas eleições regionais e a tomada de posse do novo Governo de Miguel Albuquerque no passado dia 20 de Abril, acredito que a Madeira vai entrar num processo de renovação que poderá abrir perspectivas para os madeirenses que, como eu, gostariam de regressar à sua terra. Alberto João Jardim fez muito pela Madeira, mas esteve demasiado tempo no poder e acabou por se rodear de “yes men” e oportunistas, num círculo fechado onde não havia espaço para novas caras. A região precisa de novas ideias e de outro relacionamento com o Governo central, sem esta crispação permanente que se tornou a imagem de marca de João Jardim. Só assim será possível inverter o ciclo de profunda crise económica em que se encontra actualmente.
Joaquim Magalhães de Castro