«Não fui contactado pela CIA»
A propósito do 27º aniversário do massacre na Praça de Tiananmen, O CLARIM entrevistou Jason Chao sobre o sistema político em vigor na República Popular da China, as consequências de abrir totalmente o País aos valores democráticos tal como é desejado pelos Estados Unidos e a ingerência norte-americana nos assuntos que dizem respeito ao Império do Meio.
O CLARIM – Assinala-se amanhã (ontem) o 27º aniversário do massacre na Praça de Tiananmen. Terá a exposição mediática da repressão sobre os estudantes levado a uma maior abertura da RPC?
JASON CHAO – Apesar da República Popular da China ter nas últimas décadas crescido em termos económicos, assistimos cada vez mais a desigualdades sociais. A justiça social, a liberdade de expressão e os direitos fundamentais são simplesmente inexistentes.
CL – Não concorda que sempre foi assim, à excepção do crescimento económico?
J.C. – Apesar da economia representar uma parte vital da sociedade, o mero crescimento económico não justifica tudo, porque além de ser apenas material, é também uma ilusão desse materialismo. Há muitos valores que podemos acalentar, tais como a dignidade humana, a liberdade de expressão, a igualdade social e muitos outros que devemos prezar, inclusivamente culturais. Não vejo a necessidade de sacrificar tudo o mais a favor do mero crescimento económico.
CL – Não será a democracia algo perigosa caso seja implementada na China?
J.C. – Em qualquer país é preciso algum tempo para que a democracia amadureça. No caso de Taiwan, embora seja assunto sensível, basicamente os taiwaneses são etnicamente chineses. O regime costumava ser autocrático, mas a gradual democratização levou Taiwan a posicionar-se entre as democracias mais avançadas, sendo a primeira no Sudeste Asiático com população maioritariamente de etnia chinesa.
CL – É verdade que Taiwan tem um sistema político democrático, mas apoiado pelos Estados Unidos, que por sua vez não apoia a China…
J.C. – Bem, isso é política externa. Embora tal possa preocupar um Governo, penso mesmo assim que as políticas internas são bastante mais importantes do que a política externa.
CL – Estará o Poder Central pronto para introduzir um sistema político democrático à escala nacional?
J.C. – Nunca é tarde para caminhar em direcção ao sistema democrático. A mudança poderá não acontecer em “tempo útil”, mas também não apoio uma que aconteça da noite para o dia. Pelo menos, espero mais abertura nas políticas anunciadas pelos líderes chineses, ou que haja sinais de mudança. Desde que a nova liderança assumiu o poder o Governo de Xi Jinping parece-me muito relutante em introduzir o ideal da democracia [até porque] tem falado abertamente contra as chamadas ideias ou formas ocidentais de governação. É algo ruim.
CL – Pode ser mais concreto?
J.C. – Há duas peças de legislação que têm sido discutidas em Pequim: a Lei de Segurança Nacional e outra sobre ONG estrangeiras a operar no continente chinês. Não se vê aqui sinais de abertura, mas sim de restrições. A nova Lei de Segurança Nacional vai ter mais restrições do que a actual, em muitos aspectos sob o pretexto da segurança nacional. Quanto às ONG estrangeiras, vai criminalizar grandemente as que recebem apoios de outras em redor do mundo. O Governo Central quer construir uma grande muralha entre ONG caseiras e estrangeiras. Num mundo global precisamos não só da economia, como também de interacção entre empresas e grupos da sociedade civil, inclusivamente com ONG de outras partes do globo para termos um mundo melhor.
CL – Será a triagem de candidatos para a eleição do Chefe do Executivo da RAEHK, preconizada pelo Governo Central, um passo em frente na democratização do sistema político da ex-colónia britânica?
J.C. – É tudo uma questão de negociação. Se houver uma promessa concreta que é o primeiro passo, sendo o próximo um sistema com os cidadãos a nomear os candidatos, penso que mais deputados pró-democratas e pessoas de Hong Kong recuarão [nos protestos]. Penso que o discurso de Li Fei [ao dizer que opositores de Pequim não podem ser Chefes do Executivo] e de outros dirigentes chineses de topo reflectem a decisão tomada pelo Politburo chinês no ano passado, ao descartar eleições livres em Hong Kong porque terá de haver uma pré-selecção de candidatos.
CL – A Administração Obama tem insistido que a China deve avançar em direcção à democracia. Na sua opinião, não haverá aqui uma interferência nos assuntos internos de um país soberano, como é o caso da RPC?
J.C. – O Governo americano fala o mesmo acerca de outros Governos não democráticos, embora no Médio Oriente seja um pouco diferente. Não é particularmente sobre a China. A União Europeia, o Conselho de Direitos Humanos da ONU e os grupos de Direitos Humanos à volta do mundo também falam do mesmo. Os Direitos Humanos são valores universais que devemos estimar.
CL – É activista e figura pública em Macau. Defende claramente a introdução de muitos valores ocidentais na RPC. Esteve recentemente nos Estados Unidos. Foi contactado pela CIA?
J.C. – Claro que não. Só tive encontros com membros do Departamento de Estado para os direitos religiosos e para os assuntos laborais, e com representantes de grupos cívicos norte-americanos. Não fui contactado pela CIA.
CL – Foi alguma vez contactado, directa ou indirectamente, em Macau ou Hong Kong?
J.C. – Não. Quer dizer, não posso rejeitar a possibilidade de alguém da CIA me ter contactado para recolher alguma informação, apesar de não saber a sua real identidade, em termos de vir ter comigo e dizer que trabalhava para a CIA. Há tanta gente da China continental que me procura, por exemplo, jornalistas que pretendem extrair informação e saberem o que penso. Se for o caso, sou mais vezes contactado por “inteligências” do continente do que de países ocidentais, como por exemplo dos Estados Unidos.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA