IAN ALABANZA

IAN ALABANZA, PROFESSOR DA USJ, FALA SOBRE FÉ E TRADIÇÕES DA COMUNIDADE FILIPINA DE MACAU

«Deveria haver uma maior interacção entre católicos locais e católicos de outras origens»

A pandemia de Covid-19 forçou centenas de imigrantes filipinos a abandonarem Macau e os que permanecem no território vivem em constante sobressalto, pois não sabem quando poderão voltar a ver a família. Mas se houve algo que o problema de saúde pública não afectou foi a intensidade com que a comunidade vive a sua fé. A garantia é dada por Ian Alabanza. Especialista na religiosidade dos emigrantes filipinos, o docente da Universidade de São José defende, em entrevista a’O CLARIM, que estes trouxeram uma maior dinâmica à Igreja Católica em Macau.

O CLARIM– Cinco séculos após a chegada de Magalhães e a introdução da fé católica nas Filipinas, quais diria que são os maiores desafios com que se depara a Igreja nas Filipinas?

IAN ALABANZA– Os desafios que a Igreja das Filipinas enfrenta? Bem, acho que em termos de fé, o povo filipino tem uma fé a toda a prova, mas uma das questões em que a Igreja das Filipinas coloca um grande enfoque são os problemas relacionados com a justiça social. Neste momento, temos um Governo que declarou guerra ao problema das drogas, mas fê-lo de uma forma extremamente violenta. Um dos desafios mais prementes diz respeito aos Direitos Humanos; chamar a atenção para as atrocidades que estão a ser cometidas, para o facto de as pessoas estarem a ser mortas num clima de total impunidade, sem direito a qualquer tipo de processo judicial. Este é um dos problemas. Creio que o outro é a questão da pobreza. Ainda é um problema gigantesco nas Filipinas. A Igreja Católica tem vários programas de apoio e tenta fazer a diferença. Dependendo da parte das Filipinas em que se vive, mas particularmente nas regiões mais pobres, temos uma Igreja que está verdadeiramente empenhada em melhorar o estatuto social das pessoas e em fazer face a problemas como a pobreza. Mas, é claro, o problema é gigantesco e bem maior do que aquilo que a Igreja pode fazer.

CL– A Igreja tem sido uma das entidades mais críticas do regime de Duterte. Isto faz da Igreja um alvo aos olhos do Governo?

I.A.– Certamente. O que tem vindo a acontecer com este Governo e com este Presidente, é que não têm o mesmo respeito que outros Presidentes manifestavam pela Igreja Católica e pela liderança desta. Outra questão que se coloca é o facto das Filipinas serem ainda, e em grande medida, um país de clientelismos. Temos muito bons bispos – bispos que são críticos, bispos que se preocupam com o bem-estar das pessoas e dos desafortunados –, mas é claro, também temos alguns bispos e alguns líderes que estão bastante confortáveis com o “status quo”, que não fazem grandes ondas e não se insurgem propriamente contra o actual regime. Ao mesmo tempo, não é exagerado dizer que as Filipinas são um caso especial, uma vez que a liderança da Igreja Católica tem um grande apoio entre o povo. Ele ouve os líderes da Igreja, participa activamente em programas iniciados pela Igreja e ainda há muito respeito pela sua hierarquia. Em parte, é por isso que temos líderes que se importam verdadeiramente com o bem-estar dos pobres e das massas. Eles próprios sentem-se apoiados pelo povo comum. Creio que é algo que acontece um pouco por todo o mundo. No entanto, apesar de todo este movimento ser muito significativo, não é suficiente para conduzir a uma mudança social. Não é suficiente para pressionar o Governo a sujeitar a sua vontade à vontade do povo.

CL– As Filipinas são a maior nação católica do continente asiático. A Santa Sé espera que a Igreja nas Filipinas possa chamar a si o papel evangelizador deste continente. Está pois à altura do desafio? Pode, de facto, ser um lugar de evangelização e missão?

I.A.– É uma boa questão. Por um lado, porque temos uma diáspora enorme: dez por cento da população das Filipinas vive e trabalha fora do País. Isto é algo que tem sido enfatizado por vários Pontífices. A melhor forma através da qual os Filipinos podem evangelizar, digamos assim, é testemunhando por meio da fé. Veja-se o exemplo de Macau: quando os filipinos interagem com os seus colegas de trabalho, através deste processo manifestam a sua fé. Podem manifestá-la em palavras, através da linguagem corporal ou simplesmente de constatações como “no Domingo eu fui à Igreja”. Quando as pessoas se apercebem do tipo de cidadãos que os filipinos são… se fizerem uma ligação entre eles e a sua fé, estão perante uma forma muito poderosa de evangelizar. Apesar de simples, este tipo de evangelização é tão eficaz como espalhar a Boa Nova. Devido à nossa fé, somos capazes de viver a vida com felicidade, de enfrentar os desafios com que nos deparamos e de nos relacionarmos com diversos tipos de pessoas de uma forma respeitosa e pacífica. O modo como nos relacionamos com os outros é já um instrumento de evangelização. É mostrarmos aos outros que somos como somos por causa da nossa fé.

CL– As comunidades filipinas espalhadas pelo mundo – e estudou este aspecto em detalhe já cá em Macau – não só vivem a fé como mantêm as suas tradições religiosas. O quão importante é este equilíbrio entre fé e tradição para a comunidade filipina radicada em Macau?

I.A.– Acho que a razão pela qual estas práticas foram importadas para Macau é a grande necessidade que os filipinos têm destes rituais, de expressar a sua fé de uma forma tão confortável como o fazem na sua terra natal. Mas consegue ser mais do que isso. Temos comunidades e associações, organizações e práticas: é habitual ver filipinos a caminhar com uma imagem da nossa Mãe Celestial, e acho que alguns promovem o que nas Filipinas denominamos de “rosário de bairro” – as pessoas vão de casa em casa para rezar o Rosário. Quando nos deparamos com uma Igreja viva, e estou a falar das Igrejas enquanto espaços físicos, e de dentro dela chegam cânticos, logo uma multidão se amontoa à porta, de turistas vindos da China continental que se deixam levar pela curiosidade. Mas isto acontece também com as pessoas locais. Elas vêem as celebrações, ouvem os cânticos, são testemunhas. E isto é algo que as faz pensar, que as faz perceber que a Igreja Católica está presente em Macau e que é uma Igreja viva. No entanto, dito isto, há uma aspiração que eu gostava de ver cumprida: seria bom se houvesse uma maior interacção entre os católicos locais e os católicos de outras origens, mas reconheço que este aspecto não é fácil de garantir, em particular devido à barreira da língua. Ainda assim, parece-me que um dos aspectos fundamentais da presença da comunidade filipina é o de contribuir para uma maior dinâmica da Igreja Católica em Macau.

CL– A comunidade filipina foi das que mais sofreu com o impacto económico provocado pela crise de saúde pública. Muitas vezes, quando as pessoas são confrontadas com momentos de crise, a sua fé revela-se com mais vigor. É esse o caso com a comunidade filipina em Macau?

I.A.– Na investigação que fiz, no âmbito da minha tese de doutoramento, descobri que a fé dos filipinos é, logo desde a base, muito forte. Mesmo em circunstâncias normais, a intensidade da fé da população filipina é bastante grande. E, sim, é bem verdade que quando as pessoas se deparam com momentos de crise, a intensidade da sua fé, a dependência que apresentam face a Deus, também se fortalece. Ainda assim, parece-me que os filipinos são consistentes, na medida em que, quer se deparem ou não com uma crise, quer enfrentem ou não dificuldades, a sua fé é bastante consistente. Na verdade, a fé é algo que lhes é intrínseco, e não é apenas em termos culturais. Diria que é algo bastante natural, a fé está no ADN dos filipinos. Mesmo em conversas corriqueiras é possível identificar expressões de fé. Mas voltando à sua pergunta sobre o modo como a pandemia afectou Macau, parece-me que a fé permanece intocada, é uma constante, mas, por outro lado, ao mesmo tempo, não é errado dizer que esta foi uma situação em que a expressão dessa fé se manifestou de forma mais pronunciada, até porque as pessoas falam sobre isso: falam sobre as dificuldades, falam deste momento de crise. Quando os filipinos falam de dificuldades, quando falam dos problemas que os afectam, referem sempre Deus, mencionam sempre a sua fé, a confiança que depositam em Deus, em Maria, em Jesus, e na ajuda do Espírito Santo. Nos dias que correm, a expressão desta fé manifesta-se tanto verbalmente como através da linguagem corporal. Quando celebram a Eucaristia, é algo que se nota de forma mais pronunciada, mas a fé está sempre lá!

Marco Carvalho

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