CHINA TEM O DIREITO A RECUSAR HAIA
A decisão do Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia não remete para as questões de soberania das águas territoriais que opõem a República Popular da China às Filipinas, assegura Francisco Leandro, que tece críticas ao posicionamento dos Estados Unidos e reconhece em Hillary Clinton melhor capacidade para liderar a nação americana.
A’O CLARIM, o especialista em relações internacionais e docente da Universidade de São José afirma que os extremistas islâmicos mudaram o padrão de ataques terroristas na Europa. E acrescenta que, apesar das diferenças, há uma certa união entre cristãos e muçulmanos.
O CLARIM – A questão dos mares do Sul e Este da China está para durar. A RPC não reconhece a decisão do Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia, no diferendo que opõe o gigante asiático às Filipinas. A única via é o diálogo bilateral entre Estados?
FRANCISCO LEANDRO – Pelo que vejo na Imprensa, há uma série de equívocos que é preciso esclarecer. Estamos a falar de uma arbitragem nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar [UNCLOS, em Inglês], da qual fazem parte as Filipinas e a RPC. A Convenção prevê a arbitragem, mas relativamente à interpretação dos termos da própria Convenção. Não se trata de uma arbitragem sobre as questões de soberania e, necessariamente, sobre os limites do mar territorial. Pelo contrário, é uma arbitragem sobre aspectos subsequentes às questões de soberania, decorrentes da exclusiva interpretação da UNCLOS, designadamente, na delimitação das zonas económicas exclusivas e na categorização dos territórios em ilhas ou ilhéus. A Convenção prevê que uma das partes não reconheça a própria arbitragem e tem mecanismos para lidar com esse facto. Nos termos da UNCLOS, a China optou por não reconhecê-la. É um direito soberano da China. Respondendo à sua pergunta: a única via parece ser, para já, o diálogo bilateral.
CL – Os Estados Unidos são uma das principais partes interessadas neste diferendo…
F.L. – Sim, porque relativamente ao Mar do Sul da China estão vários interesses em jogo. Um deles é o exercício do princípio da livre passagem pacífica. Ou seja, todos os navios têm esse direito mediante certos requisitos…
CL – Mas nada impede que continue a existir o livre trânsito de navios e sobrevoo de aeronaves, caso aquelas águas sejam reconhecidas pelas instâncias internacionais como parte integrante da RPC…
F.L. – O exercício do direito de passagem pacífica tem regras. E essas regras os Estados Unidos provavelmente não estão muito interessados em cumprir. Lembro que os Estados Unidos assinaram a Convenção, mas nunca a ractificaram. Portanto, não percebo esta posição dos Estados Unidos.
CL – Falemos das presidenciais norte-americanas. Entre Hillary Clinton e Donald Trump, qual será a escolha menos nociva à paz mundial?
F.L. – Os Estados Unidos são, certamente, um actor essencial na ordem internacional. E é muito importante terem um Presidente, seja ele qual for, que conheça as regras do jogo da ordem mundial. Fundamentalmente que seja um Presidente inclusivo e procure perceber os sinais do seu próprio tempo, que conheça a História e a geopolítica. Sobretudo, um Presidente que tenha uma agenda de Estado. E sobre tudo o que acabei de dizer não reconheço nenhum destes atributos no candidato Donald Trump.
CL – A agenda de Estado de que falou é muitas vezes condicionada pelo “establishment” norte-americano, que tem financiado sucessivas campanhas eleitorais de candidatos republicanos e democratas, algo que se reflecte depois na política externa. Não estará Hillary Clinton com as mãos atadas?
F.L. – É um bocado “vox pop” dizer que os Estados Unidos da América são a democracia mais evoluída do mundo. Mas com muitas reservas! Uma das grandes reservas do sistema eleitoral norte-americano é que, de facto, só consegue ser candidato quem tem uma máquina economia por detrás. Não é possível de outra maneira. Esta é a crítica que sempre se faz: a relação entre os compromissos efectuados durante a campanha eleitoral e a prática que se segue à eleição e à escolha do Presidente. Creio, no entanto, que para além deste facto, tem havido Presidentes, designadamente o Presidente Obama, que tem feito um sério esforço para procurar um equilíbrio da ordem internacional. Bill Clinton também o fez, enquanto George W. Bush fez exactamente o contrário, ao criar grandes desequilíbrios, por exemplo, relativamente ao Irão, ao Iraque e à Coreia do Norte.
CL – O assassinato do padre Jacques Hamel numa igreja francesa, às mão de dois fanáticos islâmicos, é algo monstruoso. Trata-se de mais um acto bárbaro cometido na Europa…
F.L. – Falando dos actos terroristas praticados na Europa, assistimos agora a um fenómeno com outro padrão. Antes, havia um tipo de terrorismo, que era sempre de espectáculo, envolvendo meios logísticos – armas, munições e explosivos. Em Nice [atropelamento indiscriminado de pessoas com um camião] assistimos a um método diferente: o de não utilizar uma logística militar, mas sim de meios que estão disponíveis a qualquer cidadão. O que há de novo no caso do padre Jaques Hamel é que esses meios nem sequer foram desta vez dirigidos a uma massa humana para provocar o maior número de baixas, como aconteceu em Nice.
CL – Desta vez que mensagem quiseram os extremistas transmitir?
F.L. – São várias mensagens. Uma delas é simbólica: o cristão, o Cristianismo, também é alvo desta onda de violência. Outra é o de poderem fazer isto em qualquer lugar e em qualquer momento. Não precisam sequer de uma cadeia logística elaborada, nem de uma preparação longa.
CL – Será que o facto de católicos e muçulmanos terem participado na missa da catedral de Rouen, em memória do padre Hamel, se traduz num acto simbólico de união entre duas grandes religiões? Ou haverá, apesar deste gesto, divisões fracturantes?
F.L. – Acho que há uma certa união. Aliás, penso que esta tem sido muito a temática do Papa Francisco. Gostava de referir o seguinte: as grandes vítimas deste tipo de terrorismo são islâmicas. A Europa tem uma leitura diferente destes actos terroristas, mas há um certo diálogo inter-religioso. O Papa Francisco já demonstrou vários sinais nesse sentido. Há a ideia de haver um denominador comum, que é a paz e a não violência. E há algo mais a reter: estes actos violentos não têm acontecido ultimamente apenas na França, porque convém não esquecer os que aconteceram na Alemanha, no Iraque e na Síria.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
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