«Não é sustentável continuarmos a desenvolver o território do modo como tem sido desenvolvido»
A Cúria Romana promove até Maio de 2021 o Ano Especial dedicado à Encíclica Laudato Si, documento assinado há cinco anos pelo Papa Francisco que pretende alertar para a necessidade de se cuidar “da casa comum” e sugere que a ecologia integral se deve tornar “um novo paradigma da justiça”. Em Macau, a Universidade de São José foi a primeira instituição de Ensino Superior do território a fazer da ecologia um desígnio, através da criação do Instituto de Ciências e Ambiente. O organismo tem em mãos vários projectos de investigação. Um dos mais emblemáticos envolve a estreita faixa de mangais que se estende pela orla costeira da Taipa e do Cotai e que, por estes dias, dá o mote a uma exposição no campus da ilha Verde. David Gonçalves, biólogo e director do Instituto de Ciências e Ambiente, em entrevista a’O CLARIM.
O CLARIM– Tendo em conta o tamanho de Macau, esta faixa de quase quatro quilómetros de mangais no litoral da Taipa e do Cotai acaba por ser um dos ecossistemas mais importantes do território. Ainda assim, é muitas vezes um ecossistema subestimado. Por que razão?
DAVID GONÇALVES– Pois, não sei muito bem a razão. Olhando para o que é Macau – uma região muito urbana, muito densamente povoada, com muito poucos espaços verdes – pelo menos para quem é mais sensível a estas questões da protecção da Natureza e para quem está mais habituado a estar em contacto com a Natureza, é óbvio que a zona dos mangais de Macau é a zona mais valiosa do ponto de vista da biodiversidade, do ponto de vista dos serviços que presta à comunidade, mesmo do ponto de vista de protecção da orla costeira, de fenómenos que são relativamente frequentes no território, como sejam os “storm surges” ou outro tipo de fenómenos. Não sei se é surpreendente que a população não esteja tão atenta a estes ecossistemas, mas é uma pena. Esta exposição – como outras actividades que nós temos tido no passado, também ligadas aos projectos de investigação que desenvolvemos – vem precisamente tentar colocar em evidência a constatação de que estes são ecossistemas importantes. São ecossistemas que já foram muito mais abundantes na região do Rio das Pérolas do que são agora. Foram-se degradando ao longo dos anos, durante o processo de expansão urbana explosiva que houve nesta região do mundo, mas creio que chegámos a uma fase em que se compreende que não é sustentável continuarmos a desenvolver o território do modo como tem sido desenvolvido. É importante virarmo-nos de novo para a Natureza e tentar trazer soluções baseadas na Natureza para muitos dos problemas que foram criados precisamente por este desenvolvimento urbano e por esta explosão demográfica.
CL– Um dos grandes desafios de Macau é exactamente o da gestão das áreas territoriais. É um território exíguo. Este espaço está salvaguardado? Ou corre o risco de desaparecer se não houver o tipo de consciencialização pública que referia na sua primeira resposta?
D.G.– Eu acho que há sempre riscos. Há sempre riscos associados e, portanto, creio que tem que ser a população, e nomeadamente as gerações futuras, a decidir o que é que quer para o seu futuro, e o que é que quer para o futuro das suas crianças. Há sempre riscos, mas eu tenho esperança que o futuro seja um futuro mais verde e que as pessoas que passam por uma experiência de contacto com a Natureza, em Macau ou noutras regiões aqui ao lado, que sejam quem vai tomar as decisões e, como tal, que permitam fazer com que estes ecossistemas sejam protegidos, sejam restaurados. No entanto, o risco existe. Nós sabemos que alguns projectos que havia, de plantação de mangais, foram abandonados em Macau e, como tal, é importante que haja também forças que permitam algum contrapeso a estas decisões, que eu não discuto, porque não sei os detalhes, mas que, de facto, permitam pensar num desenvolvimento da região de Macau que seja mais sustentável e que permita uma preservação dos ecossistemas mais saudável do que aquilo que tem sido feito até agora.
CL– É importante o envolvimento de entidades privadas, como por exemplo a operadora de jogo que se associou à Universidade de São José neste projecto. Esta cooperação com a Sands China consiste no quê, ao certo?
D.G.– Pois, este projecto consiste no fundo em pegar em plantas… Podem ser mangais ou outras plantas seleccionadas, aqui da flora local, para tentar limpar águas residuais que, neste caso, vêm da indústria dos hotéis e dos casinos. É algo que já existe noutros locais do mundo. Para ser aplicado em Macau e para uma coisa tão grande como são os “resorts” do território oferece outros desafios. Têm de ser estudadas quais as espécies mais adequadas para o fazer, se funcionam, se não funcionam e em que condições é que funcionam. Este projecto visa tentar, no fundo, poupar um pouco os recursos disponíveis – neste caso a água – através de medidas baseadas na Natureza que permitem purificar a água que é usada para determinada fim e, eventualmente, reutilizá-la para outros fins. Nesse aspecto, os mangais, mesmo de uma forma invisível, vão prestando algum contributo porque vão limpando as nossas águas costeiras, e mesmo parte das águas, depois de passarem pelas estações de tratamento de águas residuais, são libertadas perto das zonas de mangal e são ainda mais depuradas por estas florestas de mangal que existem.
CL– É um projecto emblemático, mas não é o único que o Instituto de Ciência e Ambiente tem em mãos…
D.G.– Bom, nós temos vários projectos na área do Ambiente. O projecto que referia há pouco, na área da poluição atmosférica ou à previsão dos níveis de poluição atmosférica, é um deles, mas trabalhamos em muitas outras áreas, desde a parte dos microplásticos, o impacto que os microplásticos têm nos animais, à parte – e pegando outra vez nos mangais – que estuda de que forma é que os pesticidas e os metais pesados podem ter impacto nos animais locais e como é que podemos usar soluções usadas na Natureza para os tratar. Trabalhamos também projectos relacionados com poluição luminosa e com poluição acústica. Poluição acústica não só num ambiente terrestre, mas também em ambientes aquáticos. Estudamos o impacto que a poluição acústica tem nos animais que vivem debaixo de água. Isto é um tema pouco conhecido para as pessoas, mas até os nossos oceanos e as nossas linhas costeiras estão a ficar muito barulhentos e isto tem impacto nas espécies que lá vivem, nomeadamente nas espécies que têm que usar a comunicação acústica para se entenderem. Trabalhamos, portanto, em vários temas relacionados com o Ambiente.
Marco Carvalho