Bruce Aitken, do Branqueamento de Capitais à Escala Mundial para o Catolicismo

«Tive sempre sede pelo espiritual, e não pelo material».

Tem 72 anos e foi responsável por uma rede de branqueamento de capitais com ligações à CIA, a responsáveis governamentais e aos principais barões de droga no mundo. Bruce Aitken, a propósito da autobiografia que lançou em Abril, falou a’O CLARIM sobre a sua vida e a razão por que se converteu ao Catolicismo após cumprir pena de prisão nos Estados Unidos. A residir em Hong Kong, dirige agora um programa de rádio com grande sucesso entre a população prisional do território vizinho.

O CLARIMDo que trata a obra “The Cleaner”, com chancela da Intellect Publishing?

BRUCE AITKEN – Aborda o mundo do branqueamento de capitais há trintas anos. Está disponível na Amazon e no Kindle.

CLÉ natural dos Estados Unidos e foi trabalhar para o Vietname e depois para Hong Kong. Por que considerou a ex-colónia britânica o lugar perfeito para a sua actividade?

B.A. – Os Estados Unidos, no seu papel de super-potência e de polícias do mundo, instituíram, no final da década de 1970 e início dos anos 80, os requisitos de relatórios de transacções monetárias, em parte como guerra contra o tráfico de droga por forma a “seguir o rastro do dinheiro”, como uma das suas ferramentas de investigação. Embora a táctica tenha sido bem sucedida, foi conseguida à custa da perda de privacidade financeira por parte das pessoas em geral e a guerra contra a droga ainda não foi vencida.

CLBranqueou capitais para a CIA, para responsáveis governamentais e para alguns dos mais ricos barões de droga no mundo. Como efectuava as operações?

B.A. – A empresa com a qual comecei a trabalhar em Hong Kong foi a “Deak & Company (Far East) Ltd”, parte integrante da “Deak & Company” com casas de câmbio e bancos espalhados pelo mundo. O nosso lema era: “Aceitamos dinheiro, sem perguntas; não somos pagos para ser polícias”. Por vezes, descobríamos quem eram os nossos clientes quando eram apanhados em algum escândalo internacional. Aceitando dinheiro sem perguntas, os nossos clientes acabavam por ser agentes de serviços de inteligência e de outras agências, senhores da droga e evasores fiscais, mas também, e principalmente, pensadores libertários que estavam contra o “Grande Governo”. Num outro exemplo, era então ilegal os americanos possuírem ouro, mas se conseguissem ter o seu dinheiro em Hong Kong poderiam comprá-lo aqui, sem perguntas. Hong Kong foi o melhor mercado livre do mundo.

CLMacau estava ao virar da esquina. Sentiu-se alguma vez tentado a estender as suas operações ao território?

B.A. – A “Deak & Company” tinha um pequeno escritório em Macau, utilizado principalmente como escritório para fazer reservas, transações em papel e por algumas razões fiscais. Não foi utilizado para o branqueamento de capitais. Macau era naquele tempo completamente diferente. Havia um casino e Macau estava com tanto sono que qualquer um tinha dificuldades em ficar acordado.

CLQuando chegou ao fim da sua actividade?

B.A. – Foi quando percebi que os negócios dos meus melhores clientes, a maioria dos quais também se tornaram meus amigos, estavam no mercado da droga (marijuana), da Tailândia para os Estados Unidos e Austrália. Decidi então encerrar a actividade e procurar outra via. No entanto, tal como se poderá dizer em Macau, num jogo de cartas “é preciso saber quando segurá-las e quando mostrá-las”. Esperei muito tempo e em 1987 os meus clientes foram apanhados pelo FBI numa operação de branqueamento de capitais em Reno, Estado do Nevada. Muitas informações reveladas indicavam que todos tinham contas na minha empresa, a “First Financial Services Limited”…

CLO que se seguiu?

B.A. – O Governo dos Estados Unidos pediu a minha cooperação, mas recusei. Além de eu ter acordos de confidencialidade, aquelas leis não existiam em Hong Kong. Em vez disso, “sequestraram-me” em Banguecoque, a 9 de Junho de 1989, quando ia numa viagem de negócios para o Vietname. Fui imediatamente escoltado de regresso aos Estados Unidos e posto na prisão, tendo-me sido recusada fiança. Fui indiciado nos dois principais casos dos meus clientes (Reno e Seattle), enfrentando catorze acusações e uma pena até vinte anos de prisão.

CLCumpriu um ano atrás das grades. Converteu-se depois ao Catolicismo. Quando sentiu o chamamento?

B.A. – Aprendi na prisão que estamos metidos em problemas se não tivermos uma base espiritual firme antes de lá entrarmos. Eu não tive uma educação religiosa estruturada em jovem. Nunca entrámos numa igreja, mas a minha mãe, que era a única cabeça de uma família com cinco filhos, sendo eu o mais novo, conhecia bastante bem o Novo Testamento, como mais tarde percebi quando o li. Tive sempre sede pelo lado espiritual, e não pelas coisas materiais. Foi o que me levou a começar a frequentar a igreja de São José [em Hong Kong]. Para minha surpresa, o que descobri foi totalmente inesperado. A igreja estava cheia de empregadas domésticas filipinas. Descobri e observei que tinham uma fé muito grande que lhes dava esperança e felicidade, apesar de terem vidas muito difíceis. Foi a vida e as palavras de Jesus Cristo que me atraíram para a Igreja, razão pela qual fui baptizado em Hong Kong, a 15 de Dezembro de 2000, pelo meu querido mentor, o padre Javier de Pedro (padre Jay), do Opus Dei.

CLÉ agora responsável por um programa de rádio para reclusos em Hong Kong…

B.A. – O programa de rádio começou em 2004 e foi (ainda é) para empregadas domésticas. Atraiu grande interesse nas prisões, dado que os reclusos podem adquirir pequenos rádios. O programa tornou-se na principal fonte de conforto e de inspiração para a população encarcerada de Hong Kong.

CLComo observa o escândalo mundial em torno dos “Panama Papers”?

B.A. – Não tenho interesse, nem conhecimentos sobre o assunto, exceptuando o que li. O dinheiro compra os paraísos fiscais e todo o tipo de benefícios para os “ricos” se esconderem.

CLTendo em conta a sua experiência passada, o que pode Macau fazer para combater o branqueamento de capitais nos casinos?

B.A. – Felizmente para mim, o jogo nunca foi um dos meus vícios. Acontece que sempre fui contra os jogos de fortuna e azar em casinos. Espero que Macau tenha feito bastante para combater o branqueamento de capitais nos casinos. Todavia, parece-me que quem se dedica a esta actividade encontra sempre uma nova maneira [de contornar a situação].

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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