Caridade como amor de Deus

Caridade como amor de Deus

O que é a caridade? A caridade, ou amor divino em nós, é a virtude entre as virtudes, e a virtude teologal do amor.

Existem quatro significados para a palavra amor: stonge (amor familiar), eros (amor sexual apaixonado), philia (amor afectivo, amigável) e ágape (benevolência e boa vontade incondicionais e totais que excluem, graças à graça de Deus, a raiva e a amargura [cf. W. Barclay, em Mt., 5, 45-48]). Falamos aqui de um amor que é philia e ágape (Bento XVI, in Deus Caritas Est).

A caridade é um dom de Deus (cf. Rm., 5, 5) através de Jesus (cf. Jo., 3, 16), que é a mais alta revelação do amor de Deus. É um só amor: amor a Deus e amor ao próximo, e não um sem o outro (cf. 1 Jo., 4, 21). A caridade, então, também se dirige ao próximo – a todos os próximos. “Se o homem não ama o seu próximo, também não ama a Deus” (São Tomás de Aquino).

A caridade, o amor divino nos nossos corações, tem, portanto, dois lados: o amor a Deus e o amor ao próximo. O primeiro – e mais fundamental – é o amor a Deus. Ambos são um só amor; eles se fertilizam mutuamente. Quando um cresce, o outro também cresce. Adoro o Círculo do Amor de São Doroteu de Gaza (Século VI). O mundo é um círculo e no centro do círculo está Deus. Os raios que vão para o centro representam as diferentes maneiras como os homens e as mulheres vivem as suas vidas – longe ou perto de Deus e do próximo. Quanto mais perto se está de Deus, mais perto se está do próximo; e, vice-versa: quanto mais perto se está do próximo, mais perto se está de Deus (ver as suas “Instruções Espirituais”).

Deus é amor. O nosso amor a Deus é a lei da nossa vida. Deus criou-nos. Ele mantém-nos vivos. Ele acompanha-nos na nossa peregrinação terrena rumo à vida eterna.

Jesus, Mestre e Modelo da caridade, é o Filho de Deus e um Homem para os outros. Além disso, como todos sabemos, o mandamento do amor é o novo mandamento do Evangelho.

O amor dá sentido à vida, à liberdade: a liberdade é o poder de amar. A vida humana é uma teia de relações com os outros: com Deus (o Tu eterno), com outros seres humanos (que não são isso, ou ninguém, ou apenas ele/ela, mas Tu) e com a criação. O amor é vivido na prática das virtudes, que são mediações do amor. Na verdade, “eu só existo na medida em que existo para os outros, pois, afinal, viver é amar” (E. Mounier).

A caridade é outro nome para o amor cristão. É realmente o valor e a virtude da ética cristã: “A perfeição da vida cristã consiste simplesmente na caridade; nas outras virtudes relativamente” (São Tomás de Aquino). Na tradição cristã, a caridade é infundida por Deus e é considerada “a forma” de todas as virtudes – mãe, raiz e doadora do fim de todas as virtudes (cf. “Suma Teológica”; “Compêndio do Catecismo da Igreja Católica” n.º 25): a caridade ordena todos os actos de todas as virtudes para o fim último e dá “forma” a todos os actos das virtudes. Lembro-me das palavras de São João da Cruz: “Sem caridade, nenhuma virtude é agradável a Deus” (In “Noite escura”).

A caridade é a virtude que dá uma nova visão – a visão do coração – a todas as virtudes. O Papa Bento XVI escreveu que o programa de vida do cristão, que é o programa de Jesus, o programa do Bom Samaritano, é “um coração que vê”. E o Santo Padre acrescentou: “Este coração vê onde o amor é necessário e age em conformidade”.

A caridade depende e está enraizada na graça. É uma virtude “sobrenatural”, no sentido em que está acima da natureza, acima da nossa capacidade natural, e é dada como dom pelo Espírito Santo, que distribui os seus dons. Pelo contrário, o pecado grave ou mortal é um acto contra a caridade e, como consequência, a caridade é perdida. Deus retira a caridade do pecador que comete um pecado grave, que quando confessado com arrependimento doloroso é perdoado; e a caridade, as outras virtudes infundidas e os dons do Espírito Santo voltam.

Dom gratuito de Deus, a caridade é principalmente amizade: “a amizade de Deus com o homem” (São Tomás) – amizade verdadeira, mas imperfeita. A caridade é alegre, pacífica e misericordiosa (três efeitos da caridade). Tal como a fé e a esperança, a caridade reza. É interessante sublinhar que a oração – tal como definida pela mestra da oração, Santa Teresa de Ávila – é amizade, o que significa passar muito tempo com Aquele que sabemos que nos ama. O nosso amor a Deus – dom de Deus para nós – é, acima de tudo, prática da oração, incluindo a prática do silêncio. Deus escuta o som do silêncio.

O objecto principal da virtude teologal da caridade é Deus. O objecto secundário – não separado do principal – somos nós mesmos, todos os outros seres humanos – em particular os necessitados – e a criação de Deus (cf. 1 Jo., 13, 34; 1 Cor., 13, 1). A caridade distingue um verdadeiro cristão: “Vocês são cristãos e esse próprio nome significa que acreditam na caridade. Devem imitar a caridade e o amor de Cristo” (Astério de Amaseia).

A caridade é expressa por boas acções, que são “parte integrante da virtude”, a ponto de “não se poder ter caridade sem viver a caridade” (Meghan J. Clark). O acto mais próprio da caridade é amar, e não ser amado. O acto principal do amor (deleitação) é praticado ou vivido nos seus actos consequentes de alegria, paz e misericórdia.

O acto principal da caridade também é vivido nos seus efeitos externos: beneficência, esmola e correção fraterna. Enquanto a beneficência e a esmola são efeitos externos, a misericórdia como amor ao próximo necessitado é um efeito interno da caridade (Meghan J. Clark, “Love of God and Neighbor: Living Charity in Aquinas’ Ethics”, New Blackfriars, Julho de 2011).

Deus é um amante e nós também devemos sê-lo, chamados a ser santos: amantes! “Ser santo é ser um amante, pronto a deixar tudo, a dar tudo” (Dorothy Day).

Nunca é tarde para amar: “O amor não tem idade; nasce todos os dias” (Pascal). Amanhã é tarde – nunca chega! –, por isso, comecemos a amar hoje, ou amemos mais. E lembremo-nos da inspiradora frase de São João da Cruz:

“NO FINAL DA VIDA [DE CADA DIA]

 SEREMOS EXAMINADOS SOBRE O AMOR”

Pe. Fausto Gomez, OP

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