COMUNIDADE CATÓLICA DO MIANMAR

COMUNIDADE CATÓLICA DO MIANMAR

Entre a guerra e os desastres naturais

Desde 2021, início da guerra civil, em Mianmar são cada vez mais as zonas onde ocorrem combates, em que civis vivem há demasiado tempo na condição de deslocados, enfrentando contínuas e crescentes dificuldades sempre que fogem das zonas de aceso conflito.

No que concerne à comunidade católica, a região de Sagaing é, sem margem para dúvidas, a mais afectada, com frequentes bombardeamentos e «um sofrimento generalizado entre a população civil», como lembrou o padre Peter Sein Hlaing Oo, vigário geral da arquidiocese de Mandalay, no centro-norte da antiga Birmânia. E é por isso que o sacerdote, assim como os demais membros da Igreja local, encaram com optimismo as palavras do Papa Leão XIV, que durante a oração do Ângelus dominical de 15 de Junho recordou os combates em curso no País. «Agradecemos as palavras ao Santo Padre e a sua atenção pelo sofrimento da população civil», disse o padre Peter à agência noticiosa FIDES.

A situação na província de Sagaing mantém-se precária: são inúmeras as aldeias já abandonadas ou simplesmente reduzidas a escombros devido aos constantes bombardeamentos; os seus habitantes, esses, desamparados, já não sabem onde encontrar refúgio. Até agora têm sido as igrejas e as paróquias católicas a oferecer algum conforto, mas atingiu-se já a ruptura. Todas elas enfrentam sérias dificuldades de logística e não têm capacidade para atender às inúmeras solicitações. Há fiéis católicos tanto nas zonas controladas pelo regime como naquelas dominadas pelos movimentos de resistência. E há-os também, é verdade, gente sem posição definida, presos no fogo cruzado.

Face a um «rebanho desamparado e indefeso», os padres, ciosos da sua pastoral, trabalham corajosamente em prol de todos, sobretudo dos idosos, das mulheres e das crianças, que muitas vezes não têm sequer o mínimo necessário para o seu sustento. Juntamente com demais agentes religiosos e catequistas, estão a prestar serviços sociais em zonas de alto risco. Contudo, não esmorece nunca a confiança em Nosso Senhor. «Continuamos a rezar todos os dias, a celebrar missas e vigílias de oração pelo nosso povo, pela paz, pelo futuro da nação», acentuou o vigário geral.

Não nos esqueçamos que em Mandalay, para além dos horrores da guerra, vivem-se ainda os efeitos devastadores do violento terramoto do passado mês de Março. Na altura foram estas as palavras de conforto proferidas por D. Marco Tin Win, arcebispo da Arquidiocese: «Quanto mais sofremos, mais confiança temos em Deus. Hoje, mais do que nunca, o nosso povo acredita na misericórdia de Deus, na certeza do Seu amor. Há uma mensagem divina que transcende a nossa inteligência e compreensão humanas. O único caminho é confiar-nos ao Seu amor misericordioso e reafirmar a nossa esperança no plano de salvação de Deus».

Numa altura em que eram muitos danos nas infraestruturas – com ligações eléctricas e telefónicas em baixo – o Arcebispo retratava o panorama local e o espírito que animava – e anima ainda – os cerca de vinte mil católicos de Mandalay, muitos dos quais continuam ainda sem tecto para se abrigarem. O próprio Arcebispo, aliás, juntamente com os sacerdotes da Cúria, partilhara o destino dos desalojados. Devido aos danos estruturais na catedral e no Paço Episcopal, D. Marco Tin Win passara várias noites nas ruas por razões de segurança, sentindo na pele a situação de um sem-abrigo.

Hoje, as famílias continuam de luto e há graves danos nas igrejas e instituições pastorais. A saber: ruíram as igrejas de Nossa Senhora Auxiliadora na cidade de Sagaing, de Nossa Senhora de Lourdes na cidade de Yamethin e a dos Santos Joaquim e Ana na paróquia de Sintgaing. Das quarenta igrejas da Arquidiocese, estas três foram as mais gravemente afectadas. Quanto às demais, todas apresentam pequenas ou grandes fissuras. Cerca de 25 templos já não são adequados para a uma celebração segura dos serviços religiosos e o Seminário Intermédio na cidade de Mandalay foi severamente danificado, assim como o Seminário Menor em Pyin Oo Lwin, que apresenta fissuras na estrutura do edifício. No entanto, no entender do Arcebispo, a tragédia não extinguiu a Fé; antes desencadeou uma dinâmica de oração incessante «enquanto estávamos no auge da dor entre a guerra e o terramoto». Mesmo nesse terrível caos, ninguém se sentiu à mercê dos acontecimentos: sofreram juntos, consolaram-se uns aos outros e rezaram em uníssimo.

«As situações de desastre» – continuou D. Marco Tin Win – «unem as pessoas independentemente da etnia, fé ou classe social. Vi como as pessoas se apoiaram mutuamente e demonstraram cada vez mais solidariedade e caridade. Tantas pessoas de boa vontade colocaram-se ao serviço das vítimas, e isso é um belo sinal».

Durante os tempos difíceis, o maior refúgio é a oração. A comunidade católica rezou para que as almas dos falecidos fossem acolhidas pelo Senhor. Rezou pelos feridos, fracos e abandonados, para que fossem consolados. Pediram a Deus a força para que fossem instrumentos de ajuda espiritual e humanitária, instrumentos do Seu amor por cada pessoa. E pediram – acima de tudo – paz para o seu amado país, ferido pela guerra e pelas catástrofes naturais.

Joaquim Magalhães de Castro

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