O Terceiro Segredo
Há 25 anos, ouviu-se na esplanada de Fátima e ecoou pelo mundo o “terceiro segredo”. A primeira e a segunda parte já eram conhecidas: a pavorosa visão do inferno, a devoção ao Imaculado Coração de Maria, o prenúncio da Segunda Guerra Mundial e dos danos imensos que a Rússia haveria de causar à Humanidade. Em 1917 ninguém poderia ter imaginado tudo isto, nem os três pastorinhos de Fátima entenderam os pormenores da mensagem.
Estas duas primeiras partes do segredo foram conhecidas em 1941, mas a terceira parte não foi publicada. O bispo de Leiria enviou o manuscrito para Roma; João XXIII decidiu não o tornar público, Paulo VI manteve a decisão e João Paulo II também, até 2000. Quis, entretanto, corresponder ao pedido de Nossa Senhora de consagrar o mundo ao Imaculado Coração de Maria e compôs ele mesmo a oração desse acto de entrega, para a Solenidade de Pentecostes de 1981, comemoração dos mil e 600 anos do primeiro Concílio de Constantinopla e dos mil 550 anos do Concílio de Éfeso. O Papa, convalescente no hospital, enviou uma radiomensagem:
«– Ó Mãe dos homens e dos povos, vós conheceis todos os seus sofrimentos e as suas esperanças, vós sentis maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que abalam o mundo (…). Tomai sob a vossa protecção materna a família humana inteira, que, com enlevo afectuoso, vos confiamos, ó Mãe. Que se aproxime para todos o tempo da paz e da liberdade, o tempo da verdade, da justiça e da esperança».
João Paulo II reforçou esta consagração no próprio Santuário de Fátima a 13 de Maio de 1982. E, novamente, em 1984, na Praça de São Pedro, em união espiritual com todos os bispos do mundo especialmente convocados:
«– Da fome e da guerra, livrai-nos! Da guerra nuclear, de uma autodestruição incalculável, e de toda a espécie de guerra, livrai-nos! Dos pecados contra a vida do homem desde os seus primeiros instantes, livrai-nos! (…) Acolhei, ó Mãe de Cristo, este clamor carregado do sofrimento de todos os homens! Carregado do sofrimento de sociedades inteiras! (…) Que se manifeste para todos, no vosso Imaculado Coração, a luz da Esperança!».
A terceira parte do segredo, divulgada no ano 2000, anuncia uma perseguição em que a vítima principal é o Papa. A pequena Jacinta repetia: «– Coitadinho do Santo Padre» e «– Tenho muita pena dos pecadores!». A irmã Lúcia conta: “Nossa Senhora não nos disse o nome do Papa. Não sabíamos [quem era] (…), mas sabíamos que era o Papa quem sofria e isso fazia-nos sofrer a nós também”.
Numa carta de 1982 dirigida a João Paulo II, a irmã Lúcia escreveu: “A terceira parte do segredo refere-se às palavras de Nossa Senhora: ‘Se não, [a Rússia] espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas’”.
A terceira parte do segredo é uma revelação simbólica, que se refere a este trecho da Mensagem, condicionada ao facto de aceitarmos ou não o que a Mensagem nos pede: “Se atenderem a meus pedidos, a Rússia converter-se-á e terão paz; se não, espalhará os seus erros pelo mundo”.
Porque não temos atendido a este apelo da Mensagem, verificamos que ela se tem cumprido. E, se não vemos ainda, como facto consumado, o final desta profecia, vemos que para aí caminhamos a passos largos. Se não recuarmos no caminho do pecado, do ódio, da vingança, da injustiça, atropelando os direitos da pessoa humana, da imoralidade e da violência.
E não digamos que é Deus que assim nos castiga; mas, sim, que são os homens que para si mesmos preparam o castigo. Deus apenas nos adverte e chama ao bom caminho, respeitando a liberdade que nos deu; por isso os homens são responsáveis.
A luxúria desenfreada e a ganância de mais terras e de riqueza acumulam crimes horrorosos. Ao totalitarismo da ideologia de género e às multidões de vítimas do aborto estão a juntar-se cada vez mais povos martirizados à bomba. Este momento dramático convida-nos, cada um, a examinar a sinceridade do nosso esforço de penitência, em união muito especial com o Papa. Em 25 de Março de 2022, o Papa Francisco consagrou a Ucrânia e a Rússia ao Imaculado Coração de Maria.
Uma última nota: a coroa de Nossa Senhora de Fátima, feita com jóias de mulheres portuguesas, inclui, por baixo do globo, uma das balas disparadas contra João Paulo II. Por isso, Bento XVI disse um dia que «Nossa Senhora está coroada com as jóias da alegria e a bala da dor».
José Maria C.S. André
Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa