EXPOSIÇÃO “ESTÓRIAS LUSAS – STORIES OF THE HONG KONG PORTUGUESE”

EXPOSIÇÃO “ESTÓRIAS LUSAS – STORIES OF THE HONG KONG PORTUGUESE” PATENTE NA RAEHK ATÉ 2026

Igreja Católica, Ensino, Instituições: Preservar e perpetuar a memória dos portugueses

Quando se pensa em Hong Kong, automaticamente vem à memória o “skyline” inconfundível da cidade e a mescla urbana, os costumes e as tradições que mais de duzentos anos de presença britânica ajudaram a moldar.

Seja o transeunte um simples turista, um residente em Hong Kong ou um cidadão das cidades vizinhas de Shenzhen, Macau ou Zhuhai, a arquitectura (moderna ou clássica), a culinária e os comportamentos sociais definem o modo de viver sino-britânico – muito semelhante, por exemplo, ao indo-britânico, malaio-britânico e singapuro-britânico.

Contudo, desde a segunda metade do Século XIX, há um facto que é real, mas que – salvo raras excepções – vem sendo negligenciado por quem devia cuidar da História: a presença dos portugueses em Hong Kong.

Foi precisamente para colmatar esta lacuna que o Hong Kong Museum of History integrou a mostra “Estórias Lusas – Stories of the Hong Kong Portuguese” numa exposição maior intitulada “Multifaceted Hong Kong Exhibition Series” (Série de Exposições Múltiplas Faces em Hong Kong). Com esta iniciativa, o Governo da RAEHK pretende preservar a memória de todos aqueles que contribuíram para o desenvolvimento do território. Entre estes estão milhares de portugueses – macaenses, na sua maioria – que deixaram legado em diversas áreas.

Situado em Kowloon, o Museu de História de Hong Kong foi inaugurado em 1975, mas ainda hoje é uma pérola museológica na região. Para além das exposições permanentes, ao longo do ano acolhe inúmeras colecções que permitem conhecer e compreender melhor a História de Hong Kong, mas também da Província de Guangdong e da China de um modo geral.

Neste contexto, a 26 de Novembro de 2024, realizou-se a cerimónia de inauguração da mostra “Estórias Lusas – Stories of the Hong Kong Portuguese”, que contou com a presença do cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, Alexandre Leitão.

A pensar no visitante menos familiarizado com a História de Portugal, a exposição inicia com uma apresentação digital das principais viagens marítimas dos Descobrimentos Portugueses, sendo dado especial destaque aos primeiros contactos entre portugueses e chineses no Século XVI. A ladear a passagem para o resto da exposição, duas paredes revelam os rostos, em alto-relevo, dos maiores nomes da navegação portuguesa.

A mostra, propriamente dita, está localizada um piso acima, a que se acede por escada rolante. À primeira vista, sobressai o bom gosto. Foi intenção da curadoria primar pela simplicidade, por forma a que os sentidos se centrem nos inúmeros objectos e documentos, que ao longo dos últimos anos foram encontrados em acervos e espólios privados.

O espaço é inspirado no interior de uma casa macaense, estando dividido em seis grandes temas: intérpretes e profissionais liberais; bairros residenciais, igrejas e escolas; empresários; clubes privados, lazer e artes; funcionários públicos e líderes da sociedade civil; e, por último, clubes desportivos e atletas.

Nome incontornável é o de Arnaldo de Oliveira Sales (1920-2020), pela influência que teve na melhoria de vida da população da antiga colónica britânica. Entre outros cargos, exerceu as funções de presidente do Comité Olímpico de Hong Kong, “Mayor” de Hong Kong (ainda que de forma não oficial) e presidente do Club Lusitano e do Club de Recreio.

A par de Arnaldo de Oliveira Sales, em termos de relevância, estão José Pedro Braga (1871-1944) e Rogério Hyndman Lobo (1923-2015). Primeiro português a sentar-se no Conselho Legislativo de Hong Kong, José Pedro Braga foi um proeminente jornalista e pintor, enquanto Rogério Lobo foi membro dos Conselhos Urbano, Executivo e Legislativo. Duas pequenas notas: um outro nome, o advogado Leonardo D’Almada e Castro Júnior (1904-1996), foi o primeiro membro do Conselho Executivo. E uma das colecções mais procuradas e desejadas é o “Espólio Braga”, que actualmente se encontra na Austrália.

Em diferentes graus, dependendo da época e da influência dos portugueses no seio da sociedade, Arnaldo de Oliveira Sales, José Pedro Braga, Rogério Hyndman Lobo e Leonardo D’Almada e Castro deram o seu contributo para a melhoria de vida dos portugueses de Hong Kong, sem esquecer a sua profissão religiosa: o Catolicismo. Foi devido aos esforços destas e de outras personalidades que foram erigidas igrejas católicas em Hong Kong, em plena administração britânica; construídos estabelecimentos de Ensino – a actual “Po Leung Kuk Camões Tan Siu Lin Primary School” é disso exemplo –; e constituídos clubes privados, como o Victoria Recreation Club e os já mencionados Lusitano e Recreio.

“A maioria dos Portugueses eram Católicos devotos, tendo as suas igrejas sido maioritariamente construídas com donativos da comunidade. Ainda hoje se podem encontrar placas com os registos dos donativos na Catedral da Imaculada Conceição, na Igreja do Rosário e na Igreja de Santa Teresa. As igrejas [paróquias] também edificaram escolas, como o Colégio Canossiano de Santa Maria das Filhas Canossianas da Caridade, o Colégio de São José e o Colégio La Salle dos Irmãos De La Salle. Estas escolas ensinaram muitos dos futuros líderes da comunidade de Hong Kong em geral”, lê-se numa das placas de “Estórias Lusas”.

Também no que respeita a vocações, há algumas curiosidades: “As famílias Portuguesas sentiam um imenso orgulho quando um filho ou filha se tornava padre ou freira. Já nas décadas de 1860 e 1870, membros das famílias D’Almada e Castro, e Barreto, ingressaram nas Filhas Canossianas da Caridade, tornando-se as primeiras freiras Portuguesas locais. Muitos Portugueses, membros de várias ordens religiosas, ensinavam nas escolas Católicas, como o Padre Lionel Xavier, antigo director da escola Rosaryhill; o Padre Marciano Baptista, S.J., antigo director do Colégio Wah Yan de Hong Kong; e a Irmã Marie Remédios, antiga directora do Colégio Canossiano de São Francisco”.

A’O CLARIM, o curador da exposição, Francisco Da Roza, explicou que a mostra «irá estar patente ao público até ao final de 2026, havendo a possibilidade de ser prolongada por mais um ou dois anos».

O responsável agradeceu «ao Club Lusitano, ao Club de Recreio e a todas as famílias que emprestaram ou doaram os objectos e documentos expostos, tendo mesmo alguns deles sido enviados de países estrangeiros».

Segundo o presidente do Club Lusitano, Patrick Rozario, “Estórias Lusas” «insere-se num conjunto de iniciativas há muito pensadas, com o objectivo de preservar e perpetuar as memórias da comunidade portuguesa de Hong Kong. Muitos descendentes destas pessoas vivem em Hong Kong, em Macau, mas também nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália. Queremos que esta exposição seja mais um dos elos de ligação entre as diferentes comunidades de portugueses, independentemente das suas origens ou de onde se encontrem a viver».

José Miguel Encarnação em Hong Kong

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